Este livro tem por objetivo divulgar estudos que tratam de aspectos do conhecimento linguístico dos falantes relativos à maneira como organizam as informações sonoras da(s) língua(s) que adquiriram, com base em dados, especificamente, de falantes do português brasileiro. Essa área de estudos recebe o nome, na ciência linguística, de Fonologia. As informações sonoras que fazem parte do conhecimento linguístico internalizado dizem respeito a: a) como são representadas as formas sonoras das palavras que são adquiridas ao longo da vida; b) de que maneira a forma representada se relaciona com os usos efetivamente observados na fala; c) qual a unidade de representação, entre outros aspectos. Essas questões também se colocam no entendimento do comportamento de falantes de grupos clínicos, tais como crianças com desenvolvimento atípico e adultos afásicos. Portanto, a comparação entre os referidos falantes e os demais impulsiona o conhecimento sobre a linguagem humana, com contribuições para a ciência linguística, para o ensino de língua e para a clínica fonoaudiológica.
A natureza do conhecimento fonológico tem sido objeto da Linguística desde a primeira corrente de pensamento, o Estruturalismo, no início do século XX. A abordagem apresentada neste livro – a dos Modelos de Exemplares ou Modelos Baseados no Uso – vem se delineando desde o final do último quarto do século XX e alcançou, no século XXI, um vasto conjunto de áreas de estudos, as quais têm procurado estabelecer a relação entre os pressupostos dos Modelos de Exemplares e as evidências encontradas na aquisição de língua materna, na aquisição de segunda língua, no processamento linguístico, na variação e mudança linguística, conforme abordadas na Sociolinguística, e tendo como base tanto dados de produção quanto de percepção.
Os Modelos de Exemplares se circunscrevem em uma perspectiva teórica que supera o dualismo nature (determinado biologicamente) x nurture (determinado social e culturalmente), buscando integrar aspectos biológicos e da experiência do falante com a língua. De acordo com essa abordagem, a estrutura linguística emerge da interação entre capacidades cognitivas gerais inatas e a experiência do indivíduo com a língua, sem determinar um conhecimento inato especificamente linguístico, como no modelo gerativista. Ainda, as línguas humanas se caracterizam por apresentar estrutura e regularidade de padrões, ao mesmo tempo em que também se mostram altamente variáveis e dinâmicas em todos os níveis linguísticos. Assim sendo, os Modelos de Exemplares vêm buscando integrar aspectos gradientes e discretos que são observados na produção e na percepção, visando compreender como os falantes adquirem uma língua, como a organizam em sua mente/cérebro, como a usam e como processam as informações linguísticas, considerando mecanismos cognitivos gerais inatos e os diferentes aspectos da experiência com o uso. Os postulados dos Modelos de Exemplares permitem, então, situar a linguagem humana como um sistema adaptativo complexo (Hopper, 1987; Ellis e Larsen Freeman, 2006; Bybee, 2015: 262-263), uma vez que a estrutura se desenvolve sem que haja um plano ou modelo prévio e os agentes, no caso, os falantes, atuam no sistema, porque possuem objetivos semelhantes (Tomasello et al., 2005) e utilizam os mesmos mecanismos ou as mesmas capacidades para a linguagem, que envolvem um aparato articulatório universal, propriedades inatas da cognição humana e cognição social.
Os dois primeiros capítulos apresentam as bases gerais dos Modelos de Exemplares relacionadas, respectivamente, à modelagem e à aquisição do conhecimento fonológico. O primeiro capítulo, intitulado “Fonologia na perspectiva dos Modelos de Exemplares”, de Thaïs Cristófaro Silva e Christina Abreu Gomes, apresenta os fundamentos do modelo, relativos à representação das informações sonoras gradientes, à emergência e ao estabelecimento de abstrações e ao papel da experiência do falante, em função dos efeitos de frequência de ocorrência e frequência de tipo na organização do conhecimento fonológico. O segundo capítulo, “Aquisição fonológica na perspectiva dos Modelos de Exemplares”, de Christina Abreu Gomes e Suzana Mendes Nery, traz evidências de estudos que buscam responder a questões relativas a: a) como se desenvolve o conhecimento sobre a organização sonora das línguas na ausência de um conhecimento inato especificamente linguístico; b) qual a natureza da representação das formas sonoras dos itens lexicais que as crianças estão adquirindo; c) qual o papel da experiência com a língua; e d) como emergem as abstrações.
Os capítulos subsequentes trazem evidências de estudos com crianças e adultos de grupos clínicos e falantes típicos sobre a emergência das abstrações e a organização em redes. Há também um estudo sobre variação sociolinguística, considerando o detalhe fonético. O conjunto amplo de temas abordados demonstra a abrangência do Modelo no tratamento de aspectos de diferentes áreas da Linguística.
Conheça mais sobre a obra no Leia um trecho – a professora Christina Abreu Gomes é a organizadora da obra.
Christina Abreu Gomes é professora titular do Departamento de Linguística e Filologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui doutorado em Linguística pela UFRJ e pós-doutorado na University of York. É bolsista de produtividade do CNPq. Orienta alunos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFRJ. Sua atuação profissional tem focalizado temas desenvolvidos na Sociolinguística relativos à variação e mudança linguística, à aquisição e à percepção da variação socialmente indexada. Pela Contexto é autora dos livros Mapeamento Sociolinguístico do Português Brasileiro, Sociolinguística, Sociolinguísticas: uma introdução, Fonologia, Fonologias: uma introdução e Fonologia na perspectiva dos modelos de exemplares.