A economia política global como campo de estudo.
O que é a economia política global e quem faz parte dela? Num primeiro momento, essas perguntas poderiam levar a pensar em empresas multinacionais, agências de desenvolvimento, ou organizações internacionais.
São todos atores de certo peso econômico, que operam por meio de fronteiras nacionais, e cujas decisões causam impactos em diversas economias no plano mundial. Pensando na economia global como o que aparece no noticiário e em muitas escritas de especialistas econômicos, isso certamente seria uma resposta correta. Porém, também é fato que a economia global, vista como uma multitude de transações de compras, vendas, investimentos e movimentos financeiros, é tão interconectada que é muito difícil, senão completamente impossível, decidir por onde ela começa e termina.
Um exercício interessante a esse respeito seria pensar em como coisas aparentemente cotidianas e locais são ligadas ao funcionamento da economia global. O pastel vendido na rodoviária, por exemplo, leva trigo importado da Argentina, processado por um trader suíço, transportado por uma companhia de navegação norueguesa, num navio registrado no Panamá, com a tripulação nativa das Filipinas. A fritadeira usada para o pastel leva partes de nove países asiáticos, mas é montada na zona franca de Manaus por uma subsidiária de uma empresa alemã. Finalmente, o salário do cozinheiro que preparou o pastel é gasto parcialmente numa feira de produtos chineses importados por meio do Paraguai, mas também transfere 135 reais cada mês para a sua família em Cochabamba, na Bolívia. A própria transferência é feita por uma empresa dos Estados Unidos, especializada em pequenas remessas. Embora o comprador do pastel, seu João, nunca tenha saído do estado de Goiás, o dinheiro que pagou pelos produtos e serviços embutidos na preparação do seu lanche alimentou uma grande cadeia de transações econômicas que juntas fazem a economia global girar.
Qual o sentido de falar em economia política global? No final das contas, as decisões feitas pelos participantes individuais desse “motor” econômico que garante que o seu João possa matar sua fome antes de pegar o ônibus não são determinadas por questões simples de natureza não política? O trigo não vem da Argentina porque o clima de lá simplesmente é melhor para essa lavoura? A companhia de navegação da Noruega não provém do fato histórico de esse povo acumular mais de mil anos explorando os oceanos? E, por fim, o fato de a camiseta barata que o vendedor de pastel, Gonzalo Jimenez, comprou com parte do seu 13º salário provir da China não é simplesmente uma consequência natural de fazer mais sentido para a jovem de 19 anos do interior da China optar por trabalhar numa fábrica em vez de cultivar o minúsculo lote de terra onde nasceu? Se essas decisões todas são tomadas por indivíduos que buscam o melhor retorno do seu trabalho e a melhor qualidade de vida, o que isso tem a ver com política? Muito.
Este livro parte da premissa de que questões políticas são intrinsecamente ligadas ao funcionamento do sistema econômico, desde a venda do pastel na escala local da rodoviária até a fusão das empresas de commodities agrícolas no nível global. Portanto, aqui se sustenta que todas as decisões econômicas, queira ou não, têm necessariamente um significativo aspecto político e que é impossível separar questões sobre como investir, produzir, empregar, taxar e distribuir recursos econômicos das suas variadas implicações políticas.
Olhando nos livros de ensino de economia, é fácil ficar com a impressão de que todas as decisões podem se resumir ao que é mais racional fazer para cada agente econômico para obter o maior nível possível de bem-estar material. Porém, por mais que a ciência econômica se choque com a complexa realidade social, no nível nacional e global, mais evidentes ficam as limitações das previsões teóricas. Assim sendo, enquanto marcar um “X” onde as curvas de procura e demanda se encontram pode ajudar uma empresa a definir o preço dos seus produtos, essa abordagem será menos útil para ajudar um governo a definir o valor do salário mínimo. Isso se deve ao fato de que, na realidade, as leis da economia conceitual são moldadas por práticas e instituições sociais, além de questões sobre ética, justiça e moral. Na hora de definir as alíquotas tributárias ou investimento na educação pública, tais considerações de natureza não estritamente econômica, porém centrais pelo campo de estudo de economia política, se farão presentes.
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