Como um grande compositor pode ser surdo? Ele era tão rabugento quanto dizem? Quem foi essa Elise? As biografias beethovenianas enchem estantes sem fim, porém numerosos enigmas sobre o homem e o artista ainda persistem. Veja a seguir dez fatos e mistérios em torno de Ludwig van Beethoven.
1. Nascido em 17 de dezembro – ou não?
O primeiro mistério em torno de Ludwig van Beethoven é a data de seu nascimento: só se sabe que ele foi batizado em 17 de dezembro de 1770, na cidade de Bonn. Cedo começou a aprender piano, órgão e violino, e aos 7 anos dava seu primeiro concerto.
Aos 12 anos já compunha peças com títulos inusitados, como Canção para um bebê de peito, ou, mais tarde, Elegia pela morte de um poodle. Em 1792, Beethoven viajou para Viena, onde residiria até o fim da vida. Ele morreu em 26 de março de 1827, possivelmente de cirrose hepática.
2. Para Elise e outras mulheres
O tema “mulheres” é outro capítulo obscuro na biografia do compositor. Ele nunca se casou. Consta que a bagatela Für Elise, provavelmente a mais conhecida entre suas peças para piano, foi dedicada à cantora de ópera Elisabeth Röckel, a quem ele até teria feito um pedido de casamento. Seu amigo Gerhard Wegeler afirmou: “Em Viena, Beethoven estava sempre envolvido em relacionamentos amorosos”.
Do espólio do compositor constam cartas de amor a uma dama desconhecida, eternizada pela posteridade como a “amada imortal”. Não se sabe exatamente quem ela era, mas pouco a pouco o mistério parece ir se desvendando: nas biografias mais recentes aparece o nome de Antonie Brentano, casada com um membro da célebre família Brentano, de literatos.
3. Convivência insuportável
Em plena tarde, o penico não esvaziado ainda se encontrava sob o piano de cauda, restos de comida se misturavam aos manuscritos musicais. Testemunhas da época descrevem um homem atarracado, com o rosto marcado pela varíola.
Tudo isso também fazia parte da vida de Beethoven. Certo é que, de um jovem alegre, de disposição tipicamente renana, com o avançar da idade ele se tornou um ser cada vez mais rabugento e colérico. No célebre Testamento de Heiligenstadt, ele próprio atribuiu à surdez essa deterioração de seu humor.
Após a morte do irmão, o compositor acolheu o filho deste, Karl, ao qual ele aplicou métodos de educação tão rigorosos que o jovem acabou realizando uma tentativa de suicídio, a fim de escapar da dureza do tio.
4. Clássico ou romântico?
Ludwig van Beethoven levou a era do classicismo musical vienense ao ápice – e foi também o seu fim. O criador de olhar penetrante e juba desgrenhada é considerado um revolucionário musical e um pioneiro do movimento romântico. Um de seus mais notórios atos de visionarismo e rebeldia artística foi incluir solistas vocais e um coro no movimento final da Nona sinfonia, esse gênero até então exclusivamente instrumental.
O alemão radicado na Áustria deixou cerca de 240 obras, entre as quais sinfonias, concertos, quartetos de cordas e outras peças de câmara, assim como lieder e uma ópera. Sua produção madura tem caráter narrativo, seguindo uma curva dramatúrgica e preferindo – no lugar de temas melódicos longos – breves motivos musicais com grande poder de pregnância. Como o inconfundível “tá-tá-tá-tãããã” que lança e permeia a Quinta sinfonia.
5. Sons para a posteridade
Beethoven era um perfeccionista que não compunha para seus contemporâneos, mas para a posteridade. Incansável, burilava obras em tese já acabadas, revisava e corrigia suas partituras até altas horas da noite. Esse projeto de uma música voltada para o futuro obviamente vingou: ele é um dos compositores eruditos mais executados da atualidade. Mas também não lhe faltava tino comercial, sendo um dos primeiros compositores a viverem inteiramente da própria produção musical – em parte, obras encomendadas pelos figurões da política da época.
6. A única ópera
A encomenda da ópera Fidelio partiu do barão Peter von Braun. Na estreia, em 1805, a obra foi arrasada pela crítica. Beethoven modificou e corrigiu a partitura até uma terceira e última – e dessa vez bem recebida – versão. A trama enfoca uma ocorrência real da época da Revolução Francesa, em que, disfarçada de homem, uma corajosa dama libertou o marido da prisão dos jacobinos. O processo de reelaboração da única ópera beethoveniana também resultou em quatro peças orquestrais de abertura, três das quais levam o nome real da heroína, Leonore, e são frequentemente tocadas em concertos.
7. Revolução e decepção
Entre os interesses do último representante do classicismo musical vienense constavam também filosofia, literatura e política. Em seu primeiro período criativo, ele evocava com frequência o heroísmo humano. Entusiasmado pela Revolução Francesa e seu espírito antimonarquista, ele dedicou a Napoleão Bonaparte sua Terceira sinfonia, opus 55. Quando em 1804, contudo, o líder político e militar se fez coroar imperador da França, Beethoven retirou a dedicatória, encolerizado, denominando-a agora Eroica e consagrando-a, como que postumamente, “à memória de um grande homem”.
8. Gênio intimidador
Ao todo, Ludwig van Beethoven deixou nove sinfonias – número relativamente pequeno, diante das cerca de 60 de Mozart ou as pelo menos 107 de Joseph Haydn. No entanto, sua influência na história da música é incontestável, e nenhuma grande orquestra que se preze deixa de ter todas em seu repertório.
As sinfonias beethovenianas são tão abrangentes e musicalmente possantes que passaram a constituir não só inspiração, mas também fonte de bloqueio criativo para os compositores subsequentes. Intimidados pela sombra do gênio, Johannes Brahms, por exemplo, já tinha mais de 40 anos quando finalmente ousou lançar sua primeira tentativa no gênero.
Também o número nove adquiriu uma mística no mundo sinfônico depois de Beethoven. Sinfonistas como Anton Bruckner e Gustav Mahler passaram seus últimos anos obcecados pela impossibilidade de concluir uma “décima sinfonia”. A profecia se autocumpriu para ambos – apesar de uma ou outra tentativa de driblar o “destino”.
9. A Nona, da surdez aos CDs
A Nona sinfonia de Beethoven é especialmente famosa por seu movimento final, que reúne coro e solistas para interpretar versos da Ode à Alegria, de Friedrich Schiller. Ao escrevê-la, o músico já estava surdo: apesar de ter “regido” a estreia, em 7 de maio de 1824 (com a despercebida assistência de um músico amigo), ele não conseguiu escutar nem a execução nem o frenético aplauso que a coroou.
Quase dois séculos depois, a Nona segue exercendo seu fascínio e é um ícone da cultura universal. Desde 1985, uma versão puramente instrumental da Ode à Alegria é o hino oficial da União Europeia. Antes, em 1970, a melodia conquistara as paradas de sucesso mundiais na versão pop A song of joy.
Até mesmo a duração dos CDs de áudio traz a marca beethoveniana: envolvido no processo de desenvolvimento do produto pelos engenheiros da Philips, o regente Herbert von Karajan sugeriu que o novo suporte digital deveria permitir a escuta da Nona sem “virar o disco”. E assim o CD foi lançado em 1982 com uma capacidade – posteriormente ampliada – de 74 minutos.
10. O compositor surdo
Já aos 27 anos de idade, Beethoven começou a apresentar sintomas de deficiência auditiva. Aos 48 estava completamente surdo e sofria de tinnitus, ouvindo constantemente ruídos perturbadores sem qualquer fonte externa real. As pesquisas mais recentes indicam que a surdez teria sido consequência de febre tifoide, transmitida pela pulga dos ratos.
Apesar disso, seguiu compondo. Apoiado em sua ampla experiência anterior e dotado de ouvido absoluto, ele era capaz de escutar mentalmente as notas e suas combinações. Hoje se sabe que, além de extremamente dolorosas, as tentativas de cura da época provocaram inflamações adicionais do ouvido. Ludwig van Beethoven se isolou, tornando-se o misantropo que condiz com a sua imagem atual – injusta, segundo seus biógrafos mais recentes.
Fonte: DW Brasil