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Descobrindo a Rota da Seda | Lançamento

A aproximação entre pessoas, sociedades e culturas não é uma exclusividade de nossos tempos nem uma invenção do Ocidente. Há mais de 2 mil anos, a China deu início a um movimento de integração regional que culminaria em um amplo sistema econômico, cultural e histórico envolvendo a Ásia, a Europa e a África conhecido como Rota da Seda.

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A Rota da Seda pode ser definida como um conjunto de estradas e trajetos comerciais abertos pela China entre o leste asiático e o mar Mediterrâneo, e que, entre os séculos II a.C. e XVI d.C., atravessava oásis, desertos e montanhas para que produtos exóticos e bens de luxo pudessem chegar a grandes cidades, como Chang’an, Bagdá, Alexandria ou Roma. Contudo, muito mais do que um trajeto comercial que ligou Oriente e Ocidente, a Rota da Seda também foi um processo de aproximação cultural entre diferentes sociedades asiáticas, africanas e europeias: as caravanas que a cruzavam não carregavam apenas objetos, mas também idiomas, escritas, textos, religiões, tecnologias, práticas políticas e ideologias que se disseminaram e ajudaram a criar, por onde passavam, um mundo mais cosmopolita.

Ainda que a Rota da Seda não tenha sido a única nem a mais antiga via de comércio do “Velho Mundo”, ela foi talvez a mais significativa justamente por sua capacidade de integração cultural. É curioso, portanto, que um fenômeno tão importante para a história da humanidade seja tão pouco conhecido, especialmente entre os brasileiros. Talvez muitos leitores e leitoras jamais tenham ouvido falar da Rota da Seda. Alguns ainda podem ter tido contato com a Rota da Seda através de filmes ou livros de viagem que a descrevem como algo exótico e misterioso, com pouca relevância para o mundo moderno ocidental. Essa pouca familiaridade com a Rota da Seda faz com que ela pareça distante – tanto geográfica quanto historicamente – de nossa realidade contemporânea, mas isso apenas esconde o fato de que ela está muito mais próxima e viva do que imaginamos.

Em grande medida, a história da Rota da Seda é indissociável da história da China, um país de dimensões continentais que, desde 2009, é o maior e mais importante parceiro comercial do Brasil. Recebida com um misto de interesse e desconfiança, a crescente influência econômica e política da China no Brasil e no mundo coloca o país asiático em evidência, o que aumenta o apelo e a necessidade de se conhecer mais profundamente sua cultura, além de sua longa e relevante história. Um exemplo dessa conexão entre ações do presente e interesse no passado é a “Nova Rota da Seda” (também conhecida como “Iniciativa Cinturão e Rota”), um projeto desvelado pelo presidente chinês Xi Jinping em 2013 que consiste em um massivo investimento em integração econômica e infraestrutura, o qual, desde 2018, compreende também a América Latina: a “Nova Rota da Seda” é, acima de tudo, o estabelecimento de uma grande zona de influência mundial e que envolve diretamente o Brasil. A importância global dessa “Nova Rota da Seda” nos leva invariavelmente a redescobrir a “Velha Rota da Seda”, e com isso também as interações culturais, as disputas políticas, as rivalidades econômicas e os choques culturais que marcaram sua história.

Este livro se propõe a ser “um mapa” para a rica e instigante jornada pela Rota da Seda, distante, mas ao mesmo tempo tão próxima. Ele apresenta acontecimentos, personagens, culturas e paisagens entre a China e a Ásia Central, compreendendo a Rota da Seda como um fenômeno para além de um conjunto de vias comerciais que ligavam Oriente e partes do Ocidente: um universo de trocas culturais e formações civilizacionais; um espaço de mobilidade, onde viajantes e caravaneiros se aventuraram para comercializar produtos exóticos e, como consequência, aproximaram diferentes sociedades que viviam em partes distantes do mundo.

Além disso, o livro destaca o fato de que a Rota da Seda está ligada tanto à história da China quanto à história da Ásia Central (equivalente ao que hoje são o Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, e partes do Afeganistão, da China, da Índia, do Irã, da Mongólia, do Paquistão e da Rússia). Ele mostra claramente como essa parte da Ásia, muitas vezes esquecida ou negligenciada pelas nossas sensibilidades históricas modernas, foi um espaço fundamental para que a “globalização” iniciada pela China no século II a.C. ganhasse forma e, no decorrer do tempo, vida própria. De fato, foram os variados grupos da Ásia Central que, intermediando o comércio de seda da China, tornaram as fronteiras do mundo menores e mais flexíveis. Nesse sentido, o recorte cronológico deste livro abarca, grosso modo, os mais de 1.600 anos que separam o século II a.C., quando a Rota da Seda foi aberta, e o século XVI d.C., quando a Rota da Seda foi desestruturada diante das mudanças globais que ocorreram no período Moderno.

Nossa aventura pela Rota da Seda se inicia com o capítulo “A abertura da Rota da Seda”. Afinal, para entendê-la, precisamos saber como e quando ela começou. A história dessa abertura está intrinsecamente ligada ao consumo de bens de luxo – isto é, ao uso e abuso de coisas que possuem um valor simbólico maior, mais caro e mais precioso do que a mera praticidade e materialidade do objeto em questão. A seda, por certo, é um paradigma dos bens de luxo: por um lado, apenas um tecido; por outro, a vestimenta de reis e imperadores. Quando a China percebe o valor simbólico desse material, bem como a possibilidade de moldar o mundo a partir dele, começamos a falar efetivamente de uma Rota da Seda.

Em seguida, os capítulos “Na Antiguidade” e “Sob a hegemonia islâmica” contextualizam os caminhos que o cosmopolitismo, as trocas e as movimentações da Rota da Seda tomaram ao longo do tempo. É aqui também que fica claro como fenômenos que ocorrem na Ásia Central alcançam escopo global e têm consequências duradouras: a conectividade asiática explica, por exemplo, como a migração de uma confederação nômade pode ter como consequência a disseminação do budismo.

Ainda em termos contextuais, o capítulo “Entre os mongóis e o período Moderno” apresenta o ápice e o subsequente fim da Rota da Seda. Fim este mais metafórico do que literal: a partir do século XVI, as lógicas de comércio se alteram, mas todo o milênio precedente já havia transformado a Rota da Seda em um motor civilizacional que continuará funcionando (ainda que com novas roupagens).

O capítulo “O mundo da Rota da Seda” é momento em que perguntas são retomadas e respostas oferecidas, ficando claro como e por que é possível dizer que a Rota da Seda foi um modelo para se construir civilizações. Embora não entre em detalhes dos debates historiográficos acerca da validade do uso do termo “Rota da Seda” em pesquisas sobre o passado afro-eurasiático, este livro assume e explicita sua posição, além de elucidar alguns pontos sobre essa questão ao longo dos capítulos. As “Sugestões de leitura” convidam o leitor a se aprofundar no assunto, se assim o desejar (por se tratar de um tema com ainda pouca bibliografia em português, excepcionalmente são mencionadas também obras em língua estrangeira).

Esperamos que essa viagem pelo passado de trocas culturais e nascimento de civilizações demonstre como a história da China (e, em maior medida, da Ásia Central) está próxima da nossa realidade, e como a aventura pela Rota da Seda pode auxiliar no entendimento do presente, quando a China volta a ocupar os holofotes da História.


Otávio Luiz Pinto é professor de História da África no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e no Programa de Pós-Graduação em História da mesma instituição. É doutor em História pela University of Leeds e especialista nos movimentos e nas trocas materiais e simbólicas entre sociedades africanas e asiáticas na pré-Modernidade, especialmente entre os séculos vi e xvi. Este é seu primeiro livro pela Editora Contexto.

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