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De Gaulle – A morte do Guerreiro

DE GAULLE

Morrer combatendo: pode existir um destino mais nobre que esse?
Charles de Gaulle, aos 17 anos

Segunda-feira, 9 de novembro de 1970. 

De Gaulle está sentado à mesa no seu escritório, uma peça hexagonal que ele mesmo fez acrescentar à casa original de Colombey-les-Deux-Églises, na Champanha-Ardenas, comprada em 1934 para ser a sua residência familiar a partir de então. Da janela à sua frente, ele divisa as grandes planícies ligeiramente onduladas do nordeste da França, entremeadas de campos de cultivo e florestas a perderem-se de vista. Uma paisagem bucólica, melancólica até, sob a luz acinzentada de um fim de tarde de outono já avançado. Mas essa era precisamente a paisagem que convinha a um homem austero, como De Gaulle, ter do seu país visto da própria casa: a da França eterna, com seu relevo aplainado pelos ventos e intempéries ao longo de muitos milênios, estendendo-se até as fronteiras da Alemanha, da Bélgica e de Luxemburgo. Essas mesmas terras que foram cenário de tantas guerras em que lutaram seu pai, em 1870, ele mesmo, em 1916 e 1940, e onde pereceram tantos de seus compatriotas e inimigos. Uma paisagem sem a majestade das montanhas dos Alpes ou dos Pirineus, nem a exuberância do litoral recortado e pedregoso da costa mediterrânea e da Bretanha ou das altas falésias de sílex e giz da Normandia, mas entranhada da história da França.

Sobre a mesa, a caneta e as folhas de papel em que acaba de concluir o segundo capítulo do seu próximo livro O esforço (1962-1965), segundo volume das suas Memórias de esperança, obra consagrada ao período de 11 anos em que ele ocupou, pela segunda vez, o mais alto cargo da República. O primeiro tomo, A renovação (1958-1962), acaba de ser publicado há apenas duas semanas. Terá ele tempo de concluir o segundo e ainda redigir o terceiro, com publicação prevista para 1972? Afinal, no domingo da semana seguinte, ele completará 80 anos. Embora De Gaulle se encontre física e intelectualmente bem, ele sabe que não lhe resta muito mais tempo para realizar seus projetos. Quantos anos de vida ele ainda terá pela frente? Isso só Deus sabe, e a Ele De Gaulle pede em suas orações diárias o suficiente para poder deixar registrado de próprio punho aquilo que desejou fazer pela França durante o tempo em que foi presidente; o que fez e por que o fez; e aquilo que tentou fazer, mas não conseguiu. Para que os seus netos e a posteridade possam conhecer o seu legado à luz daquilo que o inspirou – e não por meio de interpretações de terceiros, que, ainda que honestas, poderão ser enganosas, quando não intencionalmente falaciosas –, ele precisa trabalhar muito.

Algumas palavras a ele atribuídas durante o período tratado nesse segundo livro chegam a ser jocosas, como a frase “O Brasil não é um país sério!”. Na verdade, o autor dessa célebre frase foi o embaixador brasileiro em Paris, Carlos Alves de Souza Filho, que a disse a um jornalista brasileiro ao sair de uma audiência com o general De Gaulle no Palácio do Eliseu, que o havia chamado para esclarecer questões diplomáticas que contrapunham os dois países na chamada “Guerra da Lagosta”. Ah, aquela sim foi uma drôle de guerre (guerra engraçada)! Não apenas porque nem um único tiro foi disparado, apesar da mobilização das forças da marinha e da aeronáutica de ambos, mas porque ela não teve qualquer consequência para ninguém. Resolvida a querela entre a França e o Brasil sobre o direito de navios pesqueiros franceses pescarem lagostas em águas brasileiras, entre 1962 e 1963, não sobrou nenhuma aresta a ser posteriormente aparada entre ambos. Porém, bem outra foi a situação entre a França e a Alemanha, de setembro de 1939 a maio de 1940. A essa drôle de guerre sem graça seguiu-se a catástrofe e um longo período de estranhamento entre os dois países, que só começou a ser superado com a aproximação entre De Gaulle e Adenauer, mais de 10 anos depois do fim do conflito. A reaproximação franco-alemã, consumada com a assinatura do Tratado do Eliseu, em 1963, é um evento importante a ser devidamente tratado em seu livro. Mas a Guerra da Lagosta não. Tampouco merece ser desmentida a frase nunca por ele dita – “O Brasil não é um país sério!”. Essa não passa de uma mentirinha inocente que mais diverte do que ofende os brasileiros. Ah, se todas as mentiras envolvendo o seu nome tivessem sido assim…

Entretanto, mentiras que merecem e devem ser desmentidas são aquelas que têm por intenção denegrir a sua imagem e macular a sua trajetória. Esse é precisamente o caso da acusação de que De Gaulle teria sido negligente com o futuro dos harkis – árabes argelinos que serviam ao exército da França –, que ficaram abandonados à própria sorte com a passagem do poder à Frente de Libertação Nacional da Argélia e que acabaram sendo massacrados. Ser indiretamente responsabilizado pela morte de dezenas de milhares de inocentes é uma infâmia que tem de ser devidamente rebatida nas páginas desse livro para restaurar a verdade. E, para isso, De Gaulle irá trabalhar todos os dias, com o rigor e a disciplina que sempre o acompanharam em sua vida. Foi assim na época de sua formação: tanto na escola militar quanto como prisioneiro de guerra, de 1916 a 1918, quando, na impossibilidade de combater o inimigo, consagrou o seu tempo de cárcere ao cultivo do seu espírito e intelecto pela leitura e pelos estudos diários. Não foi de outra forma que De Gaulle conseguiu compatibilizar, durante o entreguerras, as suas atividades profissionais de militar, a redação e publicação de várias obras, em que discutiu o papel das forças armadas e as características da guerra no mundo contemporâneo, bem como sua vida familiar, dando especial atenção à sua filha Anne, que nascera com síndrome de Down. Sem trabalho, obstinação e disciplina, tampouco teria ele conseguido organizar, de Londres, a resistência na França e conduzir os seus compatriotas à libertação do país da ocupação nazista, contando – é claro – com o indispensável concurso das forças aliadas. Nem escrever os três volumes das suas Memórias de guerra e organizar a União do Povo Francês (RPF, Rassemblement du Peuple Français), entre 1946 e 1958, período por ele chamado de Travessia do Deserto. E muito menos teria tido sucesso em estabelecer as bases da França contemporânea, quando presidente, de 1958 a 1969, dando ao país a Constituição da Quinta República e as suas atuais instituições políticas. Enfim, nada daquilo que ele fez teria sido possível sem a disciplina de soldado, o fervor patriótico e o rigor intelectual que o acompanharam em sua longa vida.

Mas já começa a escurecer. O segundo capítulo do seu livro está devidamente concluído e o terceiro, já esboçado.

Antes de trocar a solidão do seu escritório pela companhia de Yvonne, sua esposa e fiel companheira há quase 50 anos, que se encontra na biblioteca, uma ampla sala contígua ao seu pequeno escritório, ele tem ainda de responder a algumas das numerosas cartas que recebe diariamente. Escureceu. No dia seguinte, ele retomará a sua rotina de trabalho, examinará os dados organizados pelo seu secretário particular e dará início à redação do terceiro capítulo de O esforço (1962-1965). Ele fecha as venezianas das três janelas do seu escritório e vai ao encontro de Yvonne.

Ao adentrar na biblioteca, De Gaulle a vê sentada à sua escrivaninha, examinando sua correspondência. Ele se dirige então à sua pequena mesa de jogo, localizada ao lado da escrivaninha da esposa, embaralha as cartas, coloca-as sobre a mesa e inicia uma partida de paciência, seu passatempo preferido, enquanto aguardam o jantar, que deve ser servido às 19 horas. No meio do jogo, ele sente uma súbita dor nas costas e logo perde a consciência. Imediatamente, Yvonne manda Charlotte, a camareira que naquele momento se encontrava na biblioteca fechando as venezianas, telefonar para o médico que mora em Bar-sur-Aube, localidade vizinha a Colombey. Ao mesmo tempo, Honorine, a cozinheira, chama pelo interfone Francis Marroux, motorista do general, que mora em frente ao portão de entrada da residência. Auxiliada pelo motorista e as duas empregadas, Yvonne transfere o general da sua poltrona, onde se encontrava caído, para o colchão do divã da biblioteca, que é colocado no chão. Marroux parte, em seguida, para chamar o padre, que chega à casa ao mesmo tempo que o médico. O general De Gaulle agoniza. Não há mais nada a ser feito. O médico se restringe a lhe aplicar uma injeção de morfina, cedendo imediatamente lugar ao padre, que lhe dá a unção dos enfermos. Em decorrência de uma ruptura de aneurisma, De Gaulle viria a falecer cerca de 20 minutos após o seu mal súbito.

Encerrava-se, assim, abruptamente, a vida da mais importante personalidade política e militar francesa do século XX. Aquele que um dia havia sido profeticamente chamado pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill de “o Homem do Destino”, isto é, aquele destinado a resgatar a honra da França após o vergonhoso armistício assinado pelo governo do marechal Pétain com o invasor nazista, em 1940, chegava finalmente ao destino de todo homem: a morte. Longe do poder, da política, da imprensa e da glória de tombar em um campo de batalha; na intimidade do seu lar, cercado dos livros que leu durante sua longa vida e tendo por companhia apenas a sua esposa, as empregadas, o motorista, o médico e o padre.

Chegava, então, o momento de sua família cumprir seu último desejo – organizar os seus funerais conforme ele mesmo havia determinado por escrito havia quase 20 anos:

Para o meu enterro

Quero que o meu funeral ocorra em Colombey-les-Deux-Eglises. Se eu morrer em outro lugar, será preciso transportar meu corpo até a minha casa, sem a menor cerimônia pública.

Meu túmulo será o mesmo onde repousa minha filha Anne e onde, um dia, repousará minha mulher. Inscrição: “Charles de Gaulle 1890-…”. Nada mais.

A cerimônia será organizada por meu filho, minha filha, meu genro, minha nora, auxiliados pelo meu gabinete, de tal sorte que ela seja extremamente simples. Não quero funerais nacionais. Nem presidente, nem ministros, nem representação de assembleias, nem corpos constituídos. Somente as forças armadas francesas poderão participar oficialmente enquanto tais. Mas sua participação deverá ser de dimensão modesta, sem música, nem fanfarras, nem clarins.

Nenhum discurso deverá ser pronunciado, nem na igreja, nem em lugar algum. Nenhum lugar reservado durante a cerimônia, a não ser para a minha família, meus Companheiros [sic], membros da Ordem da Libertação, e Conselho Municipal de Colombey. Os homens e mulheres da França e de outros países do mundo poderão, se quiserem, em honra a minha memória, acompanhar o meu corpo até a sua última morada. Mas é no silêncio que eu desejo que ele seja até lá conduzido.

Desejo recusar antecipadamente toda distinção, promoção, honraria, citação, condecoração, quer seja ela francesa ou estrangeira. Se qualquer delas me for concedida, será em violação às minhas últimas vontades.

Charles de Gaulle

16 de janeiro de 1952.

Antes, porém, que seus últimos desejos fossem cumpridos – e o foram à risca, sendo o seu esquife conduzido à igreja de Colombey sobre um carro blindado do exército, no dia 12, após um velório realizado em sua própria residência para uma discreta e reservada cerimônia religiosa, celebrada pelo seu sobrinho François, missionário da África, e sepultamento no cemitério a ela contíguo –, a França iria tomar conhecimento da sua passagem; mas não sem certo atraso. Foi apenas no final da manhã do dia 10, portanto mais de 12 horas após o seu falecimento e um pouco antes de ser fechada a edição do jornal Le Monde, que começaria a ser vendido nas bancas por volta das 14 horas, que a notícia da sua morte iria chegar à imprensa.

Embora a morte tenha colhido De Gaulle já em idade avançada, quando o fim da vida não se constitui propriamente em um acontecimento inesperado para ninguém, sua passagem foi recebida pelos franceses não sem uma dose surpresa. Afinal, ele morrera repentinamente, não estava acometido de qualquer enfermidade nem se encontrava em processo de declínio físico ou mental. No entanto, apesar de imprevista, a notícia da sua morte não provocou qualquer comoção nacional, o que costuma acontecer quando um grande líder – sem dúvida, o caso dele – desaparece subitamente. Como, então, explicar a relativa calma com que os franceses receberam a notícia da sua morte? Embora nada de conclusivo possa ser dito a respeito, pode-se afirmar, sem grande risco de errar, que havia na França o sentimento largamente disseminado entre a população de que a era De Gaulle já se tinha definitivamente encerrado.

Havia mais de um ano que ele se encontrava afastado do poder e da vida política do país. Após ter ocupado ininterruptamente a presidência da República por mais de uma década, o general De Gaulle só se decidiu dela se afastar e renunciar aos mais de três anos de mandato que ainda teria pela frente após um longo período de desgaste, iniciado com as revoltas estudantis de maio de 1968 e encerrado com a derrota de um projeto de lei de sua autoria submetido a referendo em abril de 1969. Além disso, no momento da sua morte, a França era governada por um novo presidente eleito, Georges Pompidou. O país vivia em paz com seus vizinhos, encontrava-se em franco desenvolvimento econômico e gozava de plena normalidade político-institucional. Portanto, no final de 1970, De Gaulle não mais provocava em seus conterrâneos as intensas paixões ou os ódios figadais que o acompanharam em sua vida pública. Talvez por isso, mesmo antes de morrer, De Gaulle já fosse uma página virada para os franceses. Contudo, sua contribuição pessoal para a história da França de 1940 em diante foi de tal envergadura que a sua figura iria deixar marcas profundas na alma e na memória de todos.

O pronunciamento oficial do presidente Pompidou, feito em rede de televisão no dia 10 de novembro, em tom grave e solene como impunham as circunstâncias, sintetizou de forma lapidar o significado do general De Gaulle para a França e para os franceses:

Francesas, franceses: o general De Gaulle morreu.

A França ficou viúva.

Em 1940, De Gaulle salvou a honra.

Em 1944, ele nos conduziu à libertação e à vitória.

Em 1958, ele nos poupou da guerra civil.

E ele deu à França atual suas instituições, sua independência, seu lugar no mundo.

Nesta hora de luto pela Pátria, curvemo-nos diante da dor da sua esposa, dos seus filhos, dos seus netos.

Consideremos os deveres que nos impõe o reconhecimento.

Prometamos à França não sermos indignos das lições que nos foram dadas.

E que, na alma nacional, De Gaulle viva eternamente!

Nessa breve alocução de Pompidou, as principais datas da história da França contemporânea aparecem incontornavelmente associadas a De Gaulle: 1940, ano da ocupação da França pela Alemanha, em que o general De Gaulle emergiria como a voz solitária a pregar a resistência contra o invasor e a afirmar que a guerra não estava perdida e que a França iria dela sair vitoriosa; 1944, desembarque das tropas aliadas na Normandia e entrada triunfal das tropas francesas em Paris guiadas por De Gaulle; 1958, auge da Guerra da Argélia e retorno de De Gaulle ao poder para pôr fim à grave crise que tomava conta do país.

A associação do nome do general De Gaulle aos grandes momentos da vida nacional aparece também em inúmeros depoimentos deixados por milhares de homens e mulheres nas centenas de livros de condolências que foram abertos em várias localidades da França e do mundo. Para que o leitor tenha uma ideia de quanto o general De Gaulle significou para os seus compatriotas, faço referência aqui a um dado um tanto curioso quanto impressionante: se esses livros pudessem ser dispostos lado a lado em uma única prateleira, eles ocupariam nada menos que uma extensão de 30 m! Desse vasto universo de declarações coligidas – impossível de ser resumido – ao qual se agregaram muitas outras manifestações de personalidades do mundo político, diplomático, religioso, acadêmico, literário e jornalístico, vale a pena pinçar uma ou outra para ilustrar a importância que o personagem que terá sua trajetória de vida examinada nas próximas páginas deste livro ocupou no imaginário dos franceses seus contemporâneos.

Um simples cidadão (ou cidadã) lembra-se dele referindo-se de forma singela, direta e tocante a duas das três datas invocadas pelo presidente Pompidou: “Em 40, fostes nossa única esperança; em 58, nosso único recurso; em 70, nossa grande dor”.Um próximo colaborador seu, Claude Mauriac, iria dar um testemunho ainda mais curto e emocionado: “Eu tinha dois pais”. Mesmo políticos que a ele se opuseram iriam reconhecer seu grande patriotismo, como o socialista François Mitterrand, que viria a se tornar presidente da República 11 anos mais tarde:  “Não se pode amar a França mais do que ele a amou”. E para não cansar o leitor com tantas citações sobre a importância do general De Gaulle, segue aqui apenas mais uma: a do escritor e jornalista Bernard Frank, que, num tom mais literário, mas não destituído de sentimento, pôs em destaque a singularidade do homem que, inapelavelmente, encerrava a sua contribuição para a história do seu país:

É uma certa ideia da França que acaba de morrer com ele, nele, seu único depositário. O memorial desta França terminou em 9 de novembro de 1970, em uma velha casa batida pelo vento no segundo capítulo do segundo tomo. Eu me inclino diante daquele que não teve predecessor, diante de quem não terá herdeiro.

Como general e como estadista, De Gaulle está para a França do século XX como Napoleão para o XIX. Ambos foram indivíduos absolutamente singulares, tanto nos campos de batalha como na condução do Estado! Ninguém pôde com eles rivalizar em gênio militar, ousadia política e visão histórica do papel da França no mundo que lhes foi contemporâneo. Contudo, entre um e outro havia enormes diferenças, quando não oposições. Napoleão foi o último governante de uma França que até então era a primeira potência europeia e mundial e que, a partir de então, deixou paulatinamente de sê-lo. De Gaulle, ao contrário, iria se tornar o líder de uma França humilhada e subjugada pela Alemanha nazista, que sob sua obstinada direção devolveu ao seu país a condição de potência europeia. Napoleão tinha o mais poderoso exército sob o seu comando e, com ele, levou a Revolução Francesa a toda a Europa, mas, apesar dele, acabou sendo militarmente derrotado em Waterloo. De Gaulle não contava com mais do que algumas poucas forças da armada francesa que se negaram a voltar à França após o armistício com a Alemanha e se reuniram sob a sua liderança em Londres e nas colônias francesas da África Equatorial. Contando com tão poucos recursos, ele conseguiu ainda ocupar um lugar honroso na reconquista do seu país e devolver à França um papel importante entre as grandes nações do planeta. Napoleão lutou para levar a Revolução Francesa a toda a Europa, mas restabeleceu a escravidão nas colônias francesas do Caribe logo que assumiu o poder. De Gaulle não pretendia mais que livrar a França do jugo alemão e, ao chegar ao poder, daria início ao processo de descolonização do grande Império Francês. Enfim, a lista de diferenças é grande e não há por que se alongar sobre elas. Muito menos querer comparar a importância histórica de um e de outro. Afinal, aquele que combateu de Portugal à Rússia para levar os valores da Revolução Francesa ao mundo não pode ser comparado a quem lutou para recuperar a autonomia e a honra de um país ocupado. Qual então – perguntará o leitor – é o sentido do paralelo estabelecido entre um e outro? Simplesmente o fato de, cada um à sua maneira e de acordo com as condições do seu tempo, terem sido, inquestionavelmente, os maiores militares e estadistas da França do seu tempo, o que não é pouco.

De Gaulle foi um governante controvertido. Havia quem o adorasse e a ele atribuísse a salvação da França; mas havia também aqueles que nele viam uma personalidade autoritária e vocação de ditador. Como militar, De Gaulle foi frequentemente visto com reserva por seus superiores, mas quase sempre muito admirado e respeitado por seus subordinados. É esse personagem singular, genial e complexo que o leitor irá conhecer neste livro. Contudo, a sua origem social tradicional e conservadora em nada permitiria prenunciar o aparecimento de um ser tão incomum, como será visto nos próximos capítulos.

Esse é o primeiro capítulo do livro “De Gaulle: o homem que resgatou a honra da França“. 

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