Em o “Guia de Escrita – como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”, o psicólogo Steven Pinker deixa a intuição de lado para seguir as descobertas mais avançadas da ciência sobre linguística.
Por Gisele Eberspächer, especial para a Gazeta do Povo
Quando foi a última vez que você escreveu? Pode ser uma mensagem no Whatsapp ou um post no Facebook. Cada vez mais as mídias faladas cedem espaço para as mídias escritas, e seu histórico na internet deve provar isso. Ao menos é isso que defende o “psicólogo rockstar” Steven Pinker, como foi definido o pesquisador pela revista Forbes.
Segundo Pinker, os guias de escrita disponíveis para os leitores eram ingênuos e intuitivos, apresentando o que determinados escritores achavam que era a boa escrita. Mas os avanços nos estudos sobre linguística e neurolinguística nos últimos anos são capazes de explicar vários fenômenos de compreensão – com isso em vista, Pinker traz o guia para o século XXI: “Guia de Escrita – como conceber um texto com clareza, precisão e elegância”.
Publicado em inglês em 2014 e no final de 2016 no Brasil, o guia foca na escrita clara e objetiva, característica da não-ficção. “A grande diferença é que o livro do Pinker passa uma ideia global sobre o processo de escrever, e não apenas uma lista de receitas opondo o certo e o errado”, diz Rodolfo Ilari, tradutor do livro.
A própria tradução foi um desafio: o guia se apoia em muitos exemplos e estruturas da língua inglesa, que tiveram que ser transpostos de alguma forma para o português. Editora e tradutor optaram ainda por não traduzir a parte final do livro: “a parte não traduzida discute questões de correção que atormentam quem escreve em inglês. Partir para uma tradução somente parcial foi uma decisão difícil de tomar, mas era a única possível, porque os problemas não são exatamente os mesmos”, explica Ilari.
Pinker defende durante o guia que o escritor entenda as ferramentas que estão disponíveis e saiba quais os efeitos que elas podem causar no leitor – e, com isso, faça escolhas conscientes para o texto. Para o autor, quanto mais um escritor souber sobre a língua e seus mecanismos, melhor. Por isso, tenta explicar de maneira simples as complexas teorias linguísticas, sintetizando-as em forma de orientações concretas. Conheça cinco delas:
Ler sempre
“Bons escritores são leitores ávidos. Assimilaram um grande inventário de palavras, expressões idiomáticas, construções, tropos e truques retóricos e, com eles, a sensibilidade para o modo como se combinam ou se repelem”, afirma Pinker. A leitura passa também por um processo crítico, em que o leitor busca entender os mecanismos que o autor usou para chegar naquele efeito.
Fugir da maldição do conhecimento
A maldição do conhecimento nada mais é do que “uma dificuldade em imaginar como é, para outra pessoa, não saber alguma coisa que você sabe”, escreve Pinker. Disso decorre a dificuldade de um leitor típico para entender textos mais técnicos, como artigos acadêmicos ou manuais. Escrever por extenso abreviações, explicar termos técnicos, evitar jargões e simplificar frases são algumas maneiras para escapar dessa maldição. “E se exibir usando palavras sofisticadas que poucos entendem pode deixar o texto pomposo e eventualmente ridículo”, complementa.
“Não gozamos dessa troca de feedbacks quando lançamos ao vento um texto. os destinatários são invisíveis e imperscrutáveis, e temos que chegar até eles sem conhecê-los bem ou sem ver suas reações. No momento em que escrevemos, o leitor existe somente em nossa imaginação. Escrever é, antes de tudo, um ato de faz de conta”
STEVEN PINKER Guia de Escrita
Evitar o metadiscurso
Metadiscurso é o texto que fala sobre o próprio texto – quando um escritor faz, por exemplo, um texto introdutório sobre o que será um livro, explicando do que se ocupa cada um dos capítulos. “Escritores inexperientes costumam pensar que estão fazendo um favor aos leitores guiando-os pelo texto e antecipando o que será visto. Na realidade, antecipações que são sumários dispensáveis servem para ajudar o escritor, não o leitor”, explica Pinker. O resultado é um texto chato e com conteúdo irrelevante.
Conhecer noções de sintaxe
A sintaxe é “o código que traduz a rede de relações conceituais presentes em nossa cabeça numa ordem de antes e depois em nossas bocas”, segundo Pinker. No livro ele chega até a ensinar a usar as árvores sintáticas, estruturas que ajudam a entender a relação entre as partes de uma frase. Para o autor, ter uma sensibilidade para a sintaxe pode ajudar a resolver vários problemas de escrita, como evitar erros gramaticais e ambiguidades.
Criar arcos de coerência
Resolvida as questões do vocabulário e da estruturação de frases, o próximo passo é a unidade do texto. Frases bem construídas podem formar um texto ruim caso não estejam numa boa ordem ou tenham lacunas entre elas. “No cérebro de quem escreve, as ligações entre ideias são mantidas diretas pelo código neural que possibilita o raciocínio e a memória. Mas fora, na página, as conexões precisam ser indicadas pelos recursos lexicais e sintáticos da língua”, afirma Pinker. O essencial é, então, pensar nos arcos de coerência – ligações entre as diferentes partes de um texto, unindo cadeias de sentido com conectores.