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Como alfabetizar e letrar o deficiente intelectual

Como professora alfabetizadora, que trabalha em escola pública há mais de 20 anos, percebo que é de suma importância conhecer e utilizar os novos letramentos para melhorar as práticas de ensino e alfabetização de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, principalmente de alunos com deficiência intelectual (DI).

A DI é uma condição que acomete o desenvolvimento cognitivo de uma pessoa de forma considerável, afetando seu comportamento adaptativo e funcionamento intelectual. Geralmente, é identificada na infância, podendo variar do grau leve e moderado até o severo – tal condição será detalhada no primeiro capítulo.

Nesse contexto, o letramento não é mero complemento, mas sim algo primordial na atuação dos professores em salas de alfabetização. Em seu livro Alfaletrar, Magda Soares (2022) diz que a aprendizagem do sistema alfabético de escrita (e seus usos para a leitura e produção de textos) deve ser simultânea para que seja possível “alfaletrar” todos os alunos. Para que isso de fato ocorra, é preciso entender as concepções de escola inclusiva e suas barreiras, além de refletir sobre o que é ser letrado. É importante conhecer todos os recursos necessários conforme a realidade de cada comunidade e de cada aluno com DI, considerando aspectos psicológicos, sociais, cognitivos e culturais. Assim, será possível alcançar uma melhoria do trabalho do professor através de uma visão crítica e reflexiva sobre a aprendizagem.

Como alfabetizar e letrar o deficiente intelectual

Depois de mais de 100 anos do modelo republicano de escola, é observável o fracasso escolar na alfabetização. Esse é um problema estratégico que necessita de soluções urgentes e que tem mobilizado administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais, educadores e professores. Muitos pesquisadores atribuem tal fracasso aos modelos tradicionais de alfabetização.

A alfabetização tradicional, focada em um sistema de notação nada natural, é regida por convenções e regras que não são mais suficientes. Atualmente, as variedades linguísticas têm se tornado cada vez mais relevantes para as formas de interação em diversos contextos sociais. Por esse motivo, a alfabetização tradicional, focada primordialmente nas regras formais e no princípio literário de um único padrão de uma língua, não é mais adequada, além de não ser em nada atrativa aos alunos. Se isso é fato para todas as crianças, é verdade ainda mais evidente para alunos com DI.

As condições sociolinguísticas do dia a dia requerem que preparemos os alunos para estarem aptos a transitar pelos vários ambientes sociais com convenções da comunicação diferentes.

Recorro à Magda Soares para explicar os conceitos básicos deste livro: alfabetização e letramento. Eles “são processos cognitivos e linguísticos distintos, portanto, a aprendizagem e o ensino de um e de outro é de natureza essencialmente diferente; entretanto, as ciências em que se baseiam esses processos e a pedagogia por elas sugeridas evidenciam que são processos simultâneos e interdependentes. A alfabetização – a aquisição da tecnologia da escrita – não precede nem é pré-requisito para o letramento, ao contrário, a criança aprende a ler e escrever envolvendo-se em atividades de letramento, isto é, de leitura e produção de textos reais, de práticas sociais de leitura e de escrita” (Soares, 2022).

Além disso, os processos de ler e escrever implicam habilidades linguísticas, cognitivas e psicológicas que se complementam, ainda que distintas e peculiares. Por leitura, entende-se a habilidade de decodificar palavras escritas e de compreender aquilo que lê; já as habilidades de escrita abrangem desde registrar sons até transmitir significados ao leitor (Soares, 2002).

Há, ainda, a questão da multimodalidade, ou seja, a comunicação não se dá apenas pela escrita, a palavra não é a única forma de expressão do indivíduo. Há diferentes meios de comunicação, tais como oral, visual, auditiva, táctil, gestual e espacial, com suas próprias regras e padrões de significado, e esses meios se relacionam com a escrita. Por isso, é tão necessário, nos ambientes de aprendizado de hoje, suplementar a tradição da leitura e escrita com representações multimodais; particularmente, com os novos meios digitais, como computadores, tablets, celular etc.

Como alfabetizar e letrar o deficiente intelectual

É sobre essa perspectiva de alfabetizar e letrar simultaneamente os alunos nos primeiros anos escolares, e, principalmente, o aluno com deficiência intelectual, que trata este livro. O professor alfabetizador encontrará aqui práticas que podem ser personalizadas para o aluno com DI, de acordo com seu ritmo de aprendizagem, por meio de estratégias e recursos para uma educação efetivamente inclusiva, colaborativa, prazerosa e criativa. Através de um ambiente alfabetizador, com a utilização de todos os recursos disponíveis, inclusive os tecnológicos, o aluno com DI poderá ser alfabetizado/letrado, participando ativamente das situações sociais de leitura e escrita em sala de aula.

A mediação do professor, as atividades personalizadas para o aluno com DI e a interação deste com seus pares em um ambiente colaborativo são fatores que influenciam consideravelmente a evolução das suas habilidades de leitura e escrita. É nesta perspectiva não excludente, de participação efetiva em todas as atividades em sala de aula, que as práticas aqui descritas podem fazer a diferença para a alfabetização e o letramento do aluno com DI. Com caminhos flexíveis e práticas que podem ser adaptadas e incrementadas, de acordo com o cotidiano do professor e do aluno com deficiência intelectual.


Rosângela Alcântara possui graduação em Pedagogia, pós-graduação em Psicopedagogia e em Educação Especial: Deficiência Intelectual. Tem larga experiência atuando como professora de educação infantil e ensino fundamental, trabalhando com alfabetização em salas de inclusão no ensino regular. 

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