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Cabe a nós decidir – Jaime Pinsky

Quando professor, na Faculdade de Filosofia de Assis, na USP, ou na Unicamp, gostava de perguntar aos alunos o que os levara a se matricular no curso de História. Os motivos eram variados, mas sempre havia alguém que escolhera a área por sua paixão pelo passado, particularmente pela Idade Média. Havia até quem sonhasse em ser princesa, dessas que moravam em castelos no alto de montanhas… Na função de destruidor de fantasias eu recordava que a chance delas nascerem princesas medievais seria muito remota: havia poucas princesas. Havia mais camponesas, de vida dura e curta, que trabalhavam no campo, em suas casas e ainda eram, com frequência, vítimas de violência sexual. Lembrava que, com todos os defeitos, as sociedades estavam evoluindo, os direitos se universalizando e que, com todos os defeitos, a maioria das pessoas tinha, hoje, vida melhor do que naquela época.

O fato é que temos dificuldade em avaliar adequadamente o próprio tempo em que vivemos. O encurtamento das distâncias, proporcionado pela evolução dos transportes e, principalmente, a anulação do tempo para as notícias percorrerem os espaços faz com que tragédias ocorridas em qualquer lugar do planeta sejam divulgadas de imediato em todas as latitudes. Uma bomba que explodiu na Síria, um maluco armado que atacou colegiais nos EUA, imigrantes somalianos que morreram afogados no Mediterrâneo, uma mulher que foi violentada no Paquistão (ou no Piauí), tudo ouvimos e vemos via TV ou redes sociais. Muitas vezes ao vivo. Com cenas chocantes, que se repetem a ponto de deixarem de ser chocantes.

Temos a impressão de que o mundo nunca foi tão ruim. Tão cruel. E esquecemos (ou não nos damos conta) das conquistas. Por pior que o mundo esteja, ele já foi pior. Em outras palavras, o mundo está bem melhor do que já foi, por mais espantoso que isso possa parecer. Vamos aos fatos.

É bem verdade que há muita fome e miséria no mundo de hoje. Mas, algumas décadas atrás, já foi bem pior. Segundo dados do Banco Mundial (cito o jornalista Nicolas Kristof em artigo recentemente publicado pelo New York Times), no início da década de 1980 (ou seja, há meros trinta e poucos anos) 44% da população mundial viviam na extrema pobreza, enquanto que agora essa proporção não passa de 10%. Claro que um em cada 10 habitantes desse planeta passar fome constante não é exatamente motivo de orgulho para os outros 9. Porém, em comparação com o que acontecia algumas décadas atrás (para não falar da Antiguidade, ou da Idade Média) vemos que estamos avançando. Mas não é só: ao longo de toda a História a esmagadora maioria dos habitantes era analfabeta, não tinha possibilidade de acessar sequer o patrimônio cultural produzido pela humanidade. Hoje, o número de alfabetizados adultos chega a 85%. Pode-se alegar, uma vez mais, que 15% de analfabetos no mundo ainda é um número muito alto. Concordo. Temos muito trabalho à frente. Mas que é um avanço, não há dúvida. Há ainda um terceiro dado interessante. Embora em alguns países tenha havido concentração de renda, a tendência global é de mais igualdade no usufruto dos bens e serviços produzidos pela sociedade.

Olhando para além das últimas décadas fica ainda mais fácil constatar uma evolução significativa em várias áreas, como a da saúde. A mortalidade infantil, que ainda há pouco exigia que os casais tentassem muitos filhos, já que poucos “vingavam”, caiu dramaticamente, este fator contribuiu para que a média de pimpolhos por casal tenha diminuído não só nos países mais industrializados, mas também em sociedades como o indiana ou a indonésia, a mexicana e a brasileira. Vacinas eficazes, medidas higiênicas, gravidez monitorada provocaram um milagre em algumas décadas. Isto não é um mundo melhor?

Um amigo médico chamava minha atenção para as pernas arqueadas das crianças, tão comuns há poucos anos, e agora quase inexistentes. Para a cegueira, que hoje já não existe na mesma proporção de antigamente, por conta da vitamina A, dos antibióticos que combatem o tracoma e da cirurgia de catarata que provoca milagres e tem um custo baixíssimo.

O mundo está melhorando. Mas, atenção: ele não melhora por geração espontânea. Não existe processo histórico sem seres humanos organizados em sociedades. São eles e elas, ou seja, nós, que decidimos fazer com que haja um avanço, ou um retorno à barbárie (como ocorreu com uma das sociedades mais evoluídas do planeta, a alemã, com a adoção do nazismo).

Cabe a nós decidir.


Por Jaime Pinsky, historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Por que gostamos de história, entre outros livros.

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