Paulo Saldiva teme que seja muito tarde para fazer uma proteção completa da população, mas ainda é tempo de começar
Eu vou retornar a um tema que abordei muitas vezes, que são as ondas de calor que estão vigentes no Brasil e se tornarão mais frequentes e talvez mais intensas ao longo do próximo verão. Acho que todo mundo desta vez sentiu um enorme desconforto que nos causa problemas para dormir, nos causa uma dificuldade e uma espécie de mal-estar para executar as nossas tarefas. Mas o que para alguns é um mal-estar e uma dificuldade de sono, para outros significa agravamento das doenças crônicas, especialmente doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças renais. Esse agravamento pode ser de tal ordem que necessite uma internação, como tem aumentado na cidade de São Paulo e aumentou nesses dias extremos que experimentamos, e infelizmente de mortalidade.
Bom, se alguém precisava de uma demonstração prática da necessidade de combater as mudanças climáticas e de investir em infraestrutura urbana para reduzir os efeitos, essa lição já nos foi dada, fazendo-nos sentir na pele, literalmente, o calor e o desconforto que ele trouxe.
Talvez com essa sequência de eventos nós tenhamos condições, um argumento suficiente para mudar políticas urbanas e redirecionar recursos, porque seguramente não vai haver consenso entre os diferentes segmentos da sociedade. O solo, o uso e ocupação do solo, como colocar árvores, como reduzir a temperatura dentro dos coletivos, onde quem utiliza sofre bastante, pela proximidade das pessoas e porque nós vamos ver que o asfalto, o leito carroçável, além de ser uma fonte de emissão de poluentes, uma fonte onde se concentra os poluentes de curta permanência com partículas de gases, o asfalto, pelas suas características, funciona como um acumulador de calor, fazendo com que a temperatura, para todos aqueles que se deslocam pelas cidades, seja particularmente alta. Bom, eu acho que é possível, mas a gente até agora fez muito pouco e eu temo que tenha sido muito tarde para fazer uma proteção completa da população, mas nunca é tarde para começar.
Fonte: Jornal da USP por Paulo Saldiva
O professor Paulo Saldiva é autor do livro Vida urbana e saúde
Somos um país urbano: 84% da população brasileira concentra-se em cidades e ao menos metade vive em municípios com mais de 100 mil habitantes. Mas a vida urbana não traz apenas novas oportunidades. Ela propicia doenças provocadas por falta de saneamento, picadas de mosquitos, poluição, violência, ritmo frenético… E tudo isso não ocorre mais apenas nas grandes cidades, mas também nas médias e mesmo pequenas, quase sempre negligenciadas pelo poder público e pelos próprios cidadãos. Mas, afinal, o que fazer para ter boa qualidade de vida nas cidades? Assim como o médico deve pensar na saúde dos seus pacientes – e não apenas em tratar determinada doença –, uma cidade saudável é aquela em que seus cidadãos têm boa qualidade de vida. E o médico Paulo Saldiva, pesquisador apaixonado pelo tema, mostra que é possível, sim, melhorar e muito o nosso dia a dia.