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As sociedades africanas da África Ocidental – História e Cultura Afro-brasileira

A lei nº 10.639 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. O texto abaixo é um trecho do livro História e Cultura Afro-brasileira, publicado pela Editora Contexto.

A África Subsaariana, isto é, ao sul do deserto do Saara, costuma ser dividida em três grandes áreas: Ocidental, Centro-Ocidental e Oriental.

A África Ocidental compreende os territórios entre os rios Senegal e Cross. Além desses, estão localizados nessa região os rios Gâmbia, Volta e Níger, 800px-Ecowas_map.svgtodos considerados os mais importantes meios de comunicação, desaguando no oceano Atlântico. Também se insere nessa área as terras ao redor do lago Chade. Quanto à vegetação, a parte ocidental africana abarca uma faixa de estepes, ao sul do Saara, conhecida como Sael, as savanas (campos de poucas plantas rasteiras) e, em direção ao interior do continente, as florestas.

Os reinos sudaneses

Os povos que viviam no Sael (território de savanas ao sul do Saara) eram conhecidos como sudaneses, pois essa área também era denominada Sudão (Bilad al-Sudan, que em árabe significa terra dos negros). Eram bons agricultores, plantavam milhete (espécie de milho de grão miúdo), sorgo (cereal semelhante ao milho), arroz e cereais. Também caçavam, pescavam e criavam gado. Conheciam a metalurgia, confeccionando pontas de lanças, enxadas e flechas com o ferro. Habitavam vilas com casas de taipa ou palha, próximas às terras cultivadas. Organizavam-se em torno de linhagens e dos conselhos dos anciãos, sendo estes os responsáveis pela resolução das disputas nas aldeias.

A formação de reinos no Sudão foi, em certa medida, incentivada pelo comércio transaariano de cereais e outros produtos agrícolas, além de âmbar, pimenta, marfim e escravos, que eram trocados por cavalos, sal, cobre, conchas, panos de algodão e tâmaras. As aldeias que se tornaram pontos comerciais entre os povos do deserto e os do Sael procuraram controlar esse comércio, passaram a cobrar tributos e desenvolveram atividades, como a fabricação de utensílios de carga de animais, manufaturas e hospedagem.


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As rotas comerciais na área do deserto eram controladas pelos berberes, que ofereciam guias e camelos. O camelo era o meio de transporte de mercadorias mais utilizado, sobretudo ao norte do Níger. Depois, em certos trechos, os produtos eram transferidos para os burros, que comparativamente eram mais custosos, porque não podiam ser utilizados nas estações chuvosas, nem em áreas infestadas pela mosca tsé-tsé. Por outro lado, o meio de transporte mais barato era o fluvial, feito em canoas.

Os berberes dividiam-se em azenegues e asnagas. Os azenegues comandavam, no século IX, a cidade de Audagoste, importante centro comercial de sal, tâmaras, cereais, jóias e armas de ferro. O comércio no deserto também era realizado por mouros e tuaregues, povos nômades que eram originários dos berberes.

Uma das rotas mais difíceis era a que ligava o Mediterrâneo ao Sael, com duração em média de 2 meses, e os mercadores poderiam ficar até 14 dias sem encontrar água pelo caminho.

O comércio transaariano proporcionou também o contato com o islamismo, religião monoteísta, fundada por Maomé (570-632) e baseada nas escrituras do Alcorão. Em muitos reinos sudaneses, sobretudo entre os reis e as elites, o islamismo foi bem recebido e conseguiu vários adeptos, tendo chegado à região da savana africana, provavelmente, antes do século xi, trazido pela família árabe-berbere dos Kunta.

CAPA HISTORIA E CULTURA_IMPRESSOO islamismo possuía alguns preceitos atraentes e aceitáveis pelas concepções religiosas africanas. Incorporava amuletos, associava as histórias sagradas às genealogias, acreditava na revelação divina, na existência de um criador e no destino. O que aconteceu de um modo geral na África Ocidental foi uma harmonização das crenças, incluindo-se Alá no conjunto de deuses ou associando-o ao Ser Supremo, e comparando as figuras de anjos e demônios às forças sobrenaturais. O escritor árabe Ibn Batuta relatou, no século xiv, que o rei do Mali, numa manhã, comemorou a data islâmica do fim do Ramadã e, à tarde, presenciou um ritual da religião tradicional realizado por trovadores com máscaras de aves. Esse fato demonstra a incorporação dessa crença e a convivência entre o islamismo e as religiões tradicionais africanas. Embora em alguns lugares os muçulmanos parecessem não aceitar essa mistura de crenças, pois se opunham a determinados rituais, como os sacrifícios humanos em funerais.

Do contato que alguns povos tiveram com o islamismo nasceram sistemas de sinais como o Nsibidi, utilizado pela sociedade secreta Ekpe, do sudeste da Nigéria. Em Tombuctu existiram quase duzentas escolas que ensinavam as leis do Alcorão, mas essas eram memorizadas, prevalecendo o princípio da oralidade.

Os principais reinos sudaneses foram: Gana, Mali, Songai, Tecrur Canem e Bornu.

A Senegâmbia: os sereres e os jalofos

A área entre o deserto do Saara e a floresta equatorial, nas bacias dos rios Senegal e Gâmbia, era conhecida como Senegâmbia. Habitada pelos povos sereres e jalofos, que no segundo milênio da era cristã, vindos do vale do Senegal aí se fixaram, fugindo das secas e da expansão do islamismo.

Até o século XIV, os jalofos estavam sob a influência do reino do Mali, quando, então, o rei Andiadiane Andiaje se impôs sobre outros agrupamentos jalofos e sereres e formou o reino Jalofo. Algum tempo depois, esse rei incorporou como vassalos outros reinos: Ualo, Caior, Baol e Sine, este último formado, essencialmente por sereres. Dessa maneira, os jalofos passaram a comandar um grande Império, que abarcava o território compreendido entre o litoral e a foz do rio Gâmbia e cuja capital ficava a 300 km da costa.

O grande rei do Império Jalofo, conhecido como burba, recebia dos reinos vassalos tributos anuais, a veneração (como um ser sagrado que era) e a garantia de que nenhum outro reino lhe ocasionaria a guerra.

A sociedade dos jalofos e sereres dividia-se de forma hierárquica em famílias reais, linhagens aristocráticas, grandes homens livres, camponeses, trabalhadores em ofícios (ferreiros, músicos etc.) e, por fim, os escravos. Havia ainda uma distinção entre os escravos do rei (tiedo), os escravos de nascimento (jam juundu) e os capturados (jam sayor). Os escravos do rei tinham uma vida estável, formavam exércitos ou ocupavam cargos na administração. Os capturados podiam ser vendidos, mortos e maltratados, diferentemente dos escravos de nascimento, que só eram vendidos se praticassem algum delito, e eram incorporados de modo mais fácil à família do senhor.

A maior parte da população era adepta das religiões tradicionais, oferecia sacrifícios aos ancestrais e participava de rituais para obter fertilidade e chuvas. Embora os reis e a nobreza tivessem aderido ao islamismo, para preservar o poder, também praticavam os rituais tradicionais.

Na metade do século XV, o Império Jalofo incorporou os estados mandingas do lado esquerdo do rio Gâmbia. No entanto, algumas décadas depois, o rei de Sine submeteu toda a área que abarcava o Império Jalofo, originando as chefias sereres de Salum.

Com a expansão do islamismo na região ao sul do deserto do Saara e na costa oriental do continente, os africanos passaram a combinar a escrita árabe à tradição oral. Assim, nasceram obras escritas, em sua maioria, pelas elites africanas de Kano, Tombuctu (África Ocidental), Quíloa, Kilwa (África Oriental). Uma delas é Tarikh-al-Sudan escrita no século XVII, por um habitante letrado de Tombuctu, Al-Sadi, que conta a história dos reinos sudaneses. Do mesmo século é a crônica Tarikh-al-Fattash, de Mahamud Kati e Ibne al-Maktar.

A partir do século XV, os europeus também começaram a estabelecer relações comerciais com a África, resultando em um conjunto de relatos, crônicas e descrições, de autores como Alvise de Cadamosto, Gomes Eanes de Zurara, Duarte Pacheco Pereira, João de Barros, Rui de Pina, André Álvares d'Almada. Nos dois séculos seguintes, os missionários católicos foram os principais responsáveis pelas obras escritas sobre a Etiópia (Pedro Paez, Manoel de Almeida e Hiob Ludolf). Para o baixo vale do Congo e em Angola são importantes as obras de Filippo Pigafetta, Duarte Lopes, Cavazzi de Montecucculo e Antonio de Oliveira Cadornega, pois trazem elementos históricos relevantes.

Há ainda relatos deixados pelos próprios africanos sobre as suas regiões de origem e as experiências como escravos na América e na Europa, como A narrativa da vida de Olaudah Equiano ou Gustavus Vassa, o Africano, escrito em 1789. africa_arte

Chegado o século XIX, os europeus iniciaram a exploração da África, direcionada à conquista dos mercados consumidores africanos, após o fim do tráfico de escravos. Uma nova literatura foi produzida por exploradores que recolheram documentos escritos e testemunhos orais, tais como as obras de James Bruce, T. E. Bowdich, Joseph Dupuis, Mungo Park, Gustav Nachtigal, Hugh Clapperton, Richard Burton, entre outros.

Todas essas obras retratam as principais sociedades da África Subsaariana e contribuem, junto com a arqueologia e a história oral, para a construção da História desse continente.

Hauçalândia

Os povos de língua haúça ocupavam, no século XI, a faixa que abarcava o Air até o planalto de Jos, a curva do rio Kaduna até o vale do Gulkin-Kebbi.

Em cada comunidade haúça, o poder político estava concentrado no chefe da linhagem. À medida que ocorria a expansão das aldeias com a incorporação de novas pessoas, o poder tendia a se concentrar nas mãos de um chefe. Um, dentre todos os chefes das aldeias, era escolhido como autori-dade maior, tendo como critério a descendência do fundador da comunidade.

Os haúças eram grandes agricultores, tecelões – as terras eram propícias ao cultivo de algodão –, artesãos de couro e ferreiros. Kano era uma das principais cidades haúças, com terrenos férteis para a produção de cereais, algodão, e rica em minério de ferro. Comercializavam escravos em troca de cavalos ao norte e ao sul.

No século XV, Kano dedicava-se, essencialmente, ao cultivo de sorgo, arroz, milhete, algodão, pimentas e às manufaturas em couro (sandálias, rédeas, almofadas), algodão, cobre e ferro. O comércio desses produtos, mais o sal, vindo de Bilma, o natrão (um produto equivalente ao sal, utilizado para fazer medicamentos, sabão, curtir a carne e o couro, e tingir tecidos), oriundo do Chade, os escravos, a noz-de-cola e o marfim era realizado com Air, Songai, Bornu, Nupe e com os cuararafas, conhecidos como 'o povo do sal', responsáveis pela extração e comércio desse produto na região entre Gongola e Benué.

No século XVII, o sal chegou a ser o produto mais importante comercializado na África Ocidental. Os haúças utilizavam mais de cinqüenta palavras para diferenciar os tipos de sal. Ele era produzido por escravos em grandes reservas no Saara e transportado para o sul, em especial, por tuaregues em caravanas de vinte a trinta mil camelos e vendido em troca de ouro e cereais da savana.

O reino haúça de Gobir, formado pelos gobirauas, habitantes das montanhas do Air que, a partir do século XI, foram para o sul, empurrados pelos berberes, tornou-se um centro importante de comércio de cobre, trazido de Takedda e de ouro de Zamfara. Outro Estado haúça, também importante centro comercial de ouro, escravos, marfim, noz-de-cola, era Zazau, ao sul. Sua capital era Dutsen-Kufena, atual cidade de Zária.

Quanto à religião, os haúças acreditavam na existência de um ser supremo – Ubanjiji – e em outros seres ou forças – iscóquis – responsáveis pelo destino das pessoas. Em geral, os iscóquis eram relacionados aos elementos da natureza, árvores, fontes d'água e bosques. Na cidade de Katsina, havia um santuário conhecido por Bauda e um centro de aprendizagem das religiões tradicionais, cujas cerimônias de entronização eram baseadas nessas crenças.

Nos séculos XV e XVI, os haúças sofreram várias transformações. Os pequenos estados integraram-se em reinos, talvez por influências externas, sobretudo pelo contato com o reino do Mali. Cidades como Kano e Katsina, grandes centros comerciais e artesanais, foram cercadas por muralhas. Na primeira, a muralha abarcava 7 km2. Administradores foram nomeados, mais cavalos foram importados, a pilhagem de escravos entre os povos do sul foi intensificada e a classe dominante passou a praticar o islamismo, gerando conflitos entre seus governantes adeptos ao Islã e os súditos que continuavam fiéis às crenças tradicionais.

Essas mudanças políticas também podem ter sido promovidas por novas condições militares, sobretudo a partir do século XIII, com o uso de cavalos de raças maiores. Os cavalos eram tão importantes nessa região que representavam status social, custando, em média, entre 9 e 14 escravos, na costa da Senegâmbia.

A utilização da cavalaria nas guerras promoveu o aumento do número de escravos. Por um lado, porque os escravos eram utilizados como moeda de troca pelos cavalos e, por outro, porque com os cavalos era mais fácil capturar escravos. A maior parte dos escravos eram mulheres destinadas ao trabalho doméstico, servindo também como concubinas. Os homens escravos trabalhavam como criados, artesãos, soldados, carregadores, funcionários públicos e agricultores.


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