Por Leda Tenório da Motta e Marco Calil
Se a Semiótica pode ser definida, de modo geral, como a Ciência dos Signos, conforme o significado da palavra grega semeion, e se tal ciência é frequentemente associada à Linguística Geral — domínio científico, também recente, que investiga os signos verbais como elementos estruturais em movimento no tabuleiro da linguagem —, fica evidente que o foco dos estudos semióticos é a mecânica da significação. Trata-se, portanto, de compreender como percepções sobre a realidade externa são precedidas por uma atividade significante de codificação e representação que opera de maneira autônoma. Como Roland Barthes afirmava, a ordem do mundo é a ordem do discurso; até mesmo os objetos mais utilitários, dizia ele, requerem uma análise de sua mecânica significante, o que se chamaria – e notemos a morfologia do conceito – de “semio-lógica”.
É assim que se explica por que, no Brasil, certas correntes de pensamento voltadas para a realidade material — principalmente aquelas influenciadas pelo prestígio dos intelectuais marxistas focados em questões sociais — viram a Semiótica como uma moda passageira ou mesmo irrelevante. A chacota contra o “febrão estruturalista” de sociólogos, por exemplo, nas Letras, na Filosofia ou na História Social reflete a resistência à adoção dos argumentos formais que, a partir dos anos 1960, redefiniram os paradigmas das Ciências Humanas. Mesmo na França, a nouvelle critique de Barthes enfrentou resistência por parte de historiadores tradicionais. O Estruturalismo transformou campos tradicionalmente empíricos do conhecimento sobre o ser humano, apresentando-os como essencialmente representacionais, controlados e informáticos até.

No entanto, dois desafios centrais emergem na abordagem da Semiótica Francesa. O primeiro é mostrar que o giro linguístico promovido pelo Estruturalismo não deve ser entendido como uma exaltação do logos, no sentido socrático desse termo: não se trata, como hoje se valoriza no mercado de ideias, de tomar o “debate público” com ideias gerais de extração estrutural. Nenhum grande expoente desse movimento afirmou que a linguagem esgota o sentido. Pelo contrário, os principais autores destacaram a violência inerente à palavra em sua capacidade discriminante e a consistência estereotípica do discurso.
Disto decorre o segundo desafio. Trata-se de enfatizar que, nos melhores casos, o Estruturalismo já se presta a uma Pós-Filosofia, vide a Desconstrução de Jacques Derrida — que, neste caso, pode ser justamente reconhecido como um dos grandes semioticistas, mais até do que filósofo, por compreender que a Questão do Ser da Filosofia na verdade seria a Questão do Signo, da Mediação ou das Mídias ontológicas. Daí a dinâmica interconversão entre a lógica estruturalista e a pós-estruturalista: a saturação da ação do signo torna-o insaturado, o sentido é invertido e pervertido, a atenção passa para o negativo da significação como face mais formal desta última, que encontra sua gênese em um fundo assemiótico. Tudo isso já havia sido notado desde uma Julia Kristeva mais pós-estrutural até um Claude Lévi-Strauss achadamente estruturalista.
É dado esse contexto que Semiótica francesa: manual de teoria e prática apresenta a Semiótica Francesa, em suas fontes pós-estruturalistas. Exploramos a bibliografia de Julia Kristeva, Roland Barthes e Jacques Derrida, semioticistas-chave da geração pós-estrutural. O livro está proposto como um guia para estudantes e pesquisadores interessados em linguagem e processos de significação. Produto de nossas pesquisas acadêmicas mais recentes, percebemos a possibilidade de transpor esses sofisticados autores e seus conceitos complexos para um público mais amplo, em parceria com a editora de peso que a Contexto é. Assim, publicizamos um conteúdo antes restrito ao ambiente acadêmico, para fomentarmos os estudos em Semiótica Francesa Pós-Estruturalista.
O manual é organizado em capítulos que se dedicam a cada um dos autores, tratando de suas trajetórias, principais obras e conceitos fundamentais. Por meio de uma linguagem clara e objetiva, queríamos tornar compreensíveis ideias que, é bem sabido, não são das mais fáceis: falamos da Semanálise e Significância de Julia Kristeva; do Império dos Signos e Neutro de Roland Barthes, e da Gramatologia e Desconstrução de Jacques Derrida. Nesse sentido, o principal foco do manual é tanto a instabilidade do sentido quanto o falhanço dos processos de significação: para isso, há nonsense, linguagem indireta e jogos de palavras, o que desafia o desejo por significados fixos e universais. Globalmente, apresentamos os méritos da Semiótica Francesa Pós-Estruturalista como um método de análise produtivo, não obstante difícil, e escrita acadêmica estilizada, o que valida a leitura de textos, imagens e discursos de forma não padrão.
Para ampliar sua aplicabilidade, o livro vem acompanhado de exercícios a fim dos leitores experimentarem com os autores e seus conceitos em contextos práticos. Dirigido tanto a estudantes e pesquisadores de áreas como Letras, Linguística, Comunicação e Artes, quanto a interessados em Teoria Literária, Crítica Cultural e Filosofia da Linguagem, o manual reflete a interdisciplinaridade dos autores tratados e das Ciências de Comunicação e Semiótica. Ao adotar uma abordagem didática e acessível, esperamos que o livro acabe tornando-se uma introdução indispensável à Semiótica Francesa Pós-Estruturalista, cultivando sua relevância aos interesses de leitura atuais.
Autores: Leda Tenório da Motta e Marco Calil