No capítulo XXVII de Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis apresenta sua “teoria das edições humanas”:
Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
No capítulo XXXVIII, mostra em que edição estava no momento de seu reencontro com Marcela e na ocasião de sua relação amorosa com ela:
Lembra-vos ainda a minha teoria das edições humanas? Pois sabei que, naquele tempo, estava eu na quarta edição, revista e emendada, mas ainda inçada de descuidos e barbarismos; defeito que, aliás, achava alguma compensação no tipo, que era elegante, e na encadernação, que era luxuosa. […]
Marcela lançou os olhos para a rua, com a atonia de quem reflete ou relembra; eu deixei-me ir então ao passado, e, no meio das recordações e saudades, perguntei a mim mesmo por que motivo fizera tanto desatino. Não era esta certamente a Marcela de 1822; mas a beleza de outro tempo valia uma terça parte dos meus sacrifícios? Era o que eu buscava saber, interrogando o rosto de Marcela. O rosto dizia-me que não; ao mesmo tempo os olhos me contavam que, já outrora, como hoje, ardia neles a flama da cobiça. Os meus é que não souberam ver-lha; eram olhos da primeira edição.
É curioso que Machado de Assis compare as fases da vida a edições de um livro. Essa teoria mostra a relatividade da visão dos acontecimentos da existência, bem como a possibilidade de aperfeiçoamento da vida. Cada edição vai corrigindo e melhorando a anterior. Mais do que na história dos seres humanos, nos livros é que há uma ilimitada perfectibilidade. Os textos podem ser aprimorados ad infinitum. Cada nova edição vai escoimando imperfeições, erros, falhas, desacertos, defeitos, deslizes…
Este livro sobre argumentação teve uma boa acolhida. No entanto, ao longo do tempo, fui notando algumas imperfeições: erros tipográficos, passagens que mereciam ser aclaradas e assim por diante. Resolvi então fazer emendas, acertos, acréscimos e, assim, preparar uma nova edição. Corrigi os erros que encontrei; acrescentei passagens para elucidar trechos que me pareceram pouco claros ou para ajudar o leitor a compreender melhor certos textos; adicionei novos exemplos, acresci alguns elementos que faltavam à edição anterior… Com isso, creio ter preparado uma edição melhor que a anterior e agora a entrego aos leitores revista e aumentada.
Mais uma vez, o autor pede que não se tire nenhuma conclusão sobre sua posição política a partir da escolha dos exemplos. Eles são somente casos que foram sendo coligidos ao longo dos anos, em revistas e jornais, e que, por isso, servem apenas para exemplificar um ponto em discussão.
José Luiz Fiorin