Anomalias térmicas vão se manifestar através do agravamento de doenças, destaca Paulo Saldiva
O contexto que vivemos nos obriga, de certa forma, a falar sobre clima no momento em que o Brasil se defronta com tempestades e acidentes, com deslizamentos e inundações no Sul, enquanto no Sudeste temos temperaturas altas, inusitadas e que se prolongam por dias. O que era previsto no futuro, o futuro chegou ao presente. Nós vamos passar por alterações de clima que vão permanecer, vieram para ficar.
Muito se fala das lamentáveis mortes que houve por impactos diretos ou por afogamentos na região Sul. Mas aqui, na cidade de São Paulo, também houve aumento de admissões hospitalares e também de mortalidade. Elas não vão aparecer de uma forma tão evidente, o diagnóstico dessas mortes não vai aparecer tão claramente como acontece num desastre natural como deslizamento de terra, no desabamento, ou você ser levado pelas águas, ali a demonstração é clara. Esses adoecimentos, infelizmente essas mortes, elas vão se manifestar através do agravamento de doenças que já dispúnhamos. Doenças cardíacas, diabete descompensada, infecções respiratórias, distúrbios da própria gestação, com a prematuridade e parto prematuro, e também devido à dificuldade de se conciliar o sono nesses momentos de anomalias térmicas.
Existe um trabalho primoroso que foi publicado recentemente pelo grupo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, liderado pela professora Lígia Vizeu Barrozo, que mostra claramente que, dentro da cidade de São Paulo, essa vulnerabilidade das mortes, do adoecimento causado pelas variações de temperatura ocorrem de forma distinta, ou seja, há lugares que são mais vulneráveis do que outros, a depender de fatores como a cobertura vegetal, a estrutura de saúde, o tipo de habitação, efeitos locais que podem modular a temperatura e consequentemente a resposta das pessoas que vivem nessas regiões.
Nós já temos o suficiente de informações na ciência, em vários estudos, inclusive com participação do Brasil, para mostrar que esses períodos vieram para ser parte do elenco dos agravos de saúde. Temperatura e suas variações vão ser agora ocupação também da saúde. Também se sabe muito sobre o que se tem que fazer para reduzir isso, mas as soluções não estão na caixa da saúde para resolvê-las. Elas vão depender de políticas públicas de média duração. Espero que nós, pesquisadores e na academia, possamos dialogar com gestores para que se implementem, de fato, o que a ciência já disse: medidas de proteção dos habitantes das nossas grandes cidades em face aos futuros desafios climáticos.
Fonte: Jornal da USP por Paulo Saldiva
O professor Paulo Saldiva é autor do livro Vida urbana e saúde
Somos um país urbano: 84% da população brasileira concentra-se em cidades e ao menos metade vive em municípios com mais de 100 mil habitantes. Mas a vida urbana não traz apenas novas oportunidades. Ela propicia doenças provocadas por falta de saneamento, picadas de mosquitos, poluição, violência, ritmo frenético… E tudo isso não ocorre mais apenas nas grandes cidades, mas também nas médias e mesmo pequenas, quase sempre negligenciadas pelo poder público e pelos próprios cidadãos. Mas, afinal, o que fazer para ter boa qualidade de vida nas cidades? Assim como o médico deve pensar na saúde dos seus pacientes – e não apenas em tratar determinada doença –, uma cidade saudável é aquela em que seus cidadãos têm boa qualidade de vida. E o médico Paulo Saldiva, pesquisador apaixonado pelo tema, mostra que é possível, sim, melhorar e muito o nosso dia a dia.