Governantes autoritários, insatisfeitos em torturar pessoas, torturam a História para ver se ela confessa e declara aquilo que eles querem ouvir. Governos antidemocráticos odeiam a verdade. Eles se alimentam e alimentam seus seguidores com mentiras. Atentados contra os cidadãos, a ciência, a natureza, a educação são perpetrados a toda hora e tenta-se escondê-los com a contratação de especialistas em marketing orientando a propaganda governamental. Verbas astronômicas, desviadas da Saúde, da Educação, da Habitação, do bem-estar dos cidadãos são usadas em propaganda.
Ser infiel à verdade dos fatos é algo que governantes e políticos praticam há muitos séculos. Pelo menos desde o tempo do faraó Ramsés II, dirigentes tentam distorcer episódios históricos (Ramsés mandava raspar o nome de outros faraós de monumentos e colocava o seu, para ficar com o crédito de obras e conquistas militares). Mas nunca se fez isso de forma mais intensa e desavergonhada do que hoje em dia. Governantes se comunicam diretamente com os cidadãos pelas redes sociais, bancam a difusão de fake news, politizam questões científicas, distorcem acontecimentos para plantar versões que lhes agradem com a finalidade de favorecer sua ideologia ou seu projeto de poder.
Infelizmente, o ataque à verdade histórica não provém apenas de governos. Militantes organizados também se acham no direito (e, segundo suas convicções, na obrigação) de nos impingir sua versão sobre os fatos. Muitas vezes há choque frontal entre o que aconteceu e a “interpretação” que eles dão ao acontecido. Nesses casos, pior para os fatos, que saem perdendo, uma vez que o compromisso do militante – que, às vezes, até pode ter boas causas – é apenas com sua militância. Interpretações “convenientes” também são ataques contra a História.
Por incrível que pareça, até aquela nossa tia, tão pacífica e gentil, até ela, que parecia tão discreta com suas convicções políticas, até ela, tão boazinha e tranquila, tão cordata, pode tornar-se uma ameaça quando reproduz, acriticamente, bobagens que “um amigo confiável” ou “uma ex-colega de escola” lhe enviou pelas redes sociais. São mensagens geradas e colocadas em circulação contando com a ingenuidade de muitos, cuidadosamente produzidas com objetivos políticos muito bem estudados. Mensagens que afrontam a ciência, que reproduzem as alegações de Trump contra a democracia, que lembram que Matusalém nunca se vacinou e viveu quase mil anos; mensagens que asseguram que problemas de saúde pública são questões religiosas e que reiteram que remédios inócuos podem salvar mais vidas do que as vacinas…
Até em nome da democracia a História chega a ser atacada. Há pseudo-historiadores relativistas, que dizem não há histórias, mas apenas versões e narrativas. Há os que, por ignorância ou malícia, alegam que qualquer um tem o direito de opinar, como se a História fosse questão de opinião, não de pesquisa, de estudo, de formação séria. Como se a cultura histórica não existisse. Ela existe. É evidente que um historiador bem preparado (e falar em historiador inculto seria uma contradição em termos) passa mais credibilidade do que um “chutador” emérito, por mais que este fale muito, grite alto ou profira palavrões. Temos a obrigação de enfrentar e sobrepujar a ignorância, mesmo quando ela se apresenta de forma ameaçadora.
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Organizadores e autores: Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky
Autores: Carlos Fico, Maria Ligia Prado, Marcos Napolitano, Pedro Paulo Funari, Bruno Leal, Icles Rodrigues, Luanna Jales e Alex Degan