A história das relações internacionais ao longo do século XVI até o final do século XIX é marcada pela rivalidade crônica que caracterizou o sistema de Estados europeu. As grandes transformações políticas e econômicas que favoreceram o surgimento e a consolidação do Estado-nação europeu e, particularmente, sua expansão pela exploração e pela colonização de territórios ultramarinos contribuíram para a ascensão política e econômica da Europa sobre outras regiões do mundo.
Desse processo, originou-se o sistema de Estados transoceânico e global, que subjugaria, ao longo dos séculos seguintes, os demais centros de cultura e poder, como a China, a Índia e todo o Império Otomano, o qual se construiria especialmente sobre as riquezas e os territórios da América, da África e da Oceania. A história das relações internacionais, a partir do século XVI, é uma tentativa de compreender as causas que permitiram ao sistema europeu de Estados soerguer-se sobre as civilizações que estavam no início da Era Moderna em estágio similar de desenvolvimento e de dominá-las, o que aconteceu até o final do século XIX.
A desintegração das formas políticas medievais e da unidade de ação proporcionada pela cristandade é um processo que subverteu as tradicionais práticas de governo e de construção da autoridade na Europa. No período compreendido entre o final do século XIII e o século XVII, surgiu uma nova forma de organização política, o Estado nacional, que consolidou os recursos materiais e a autoridade política e militar em torno do príncipe, transformando-se na principal instituição política do Ocidente. O surgimento e a consolidação do Estado-nação tiveram causas múltiplas e complexas que levaram ao colapso gradativo do sistema socioeconômico feudal, entre as quais a melhoria dos meios de comunicação, o incremento dos fluxos de comércio, a invenção da imprensa e as descobertas transoceânicas (que deram início à conquista e à colonização de outras partes do mundo).
O arranjo de poder europeu que emergiu no início da Idade Moderna foi uma consequência direta da existência de grandes Estados que tiveram, uns mais do que outros, condições econômicas, tecnológicas, militares e sociais de se erguerem como potências, em conjunturas relativamente similares de desenvolvimento. A existência concomitante dessas múltiplas independências nacionais e a capacidade diferenciada que os Estados demonstraram de manejar, com maior ou menor eficiência, os meios de que dispunham permitiram que alguns desses atores tentassem sobrepor-se aos demais, enquanto estes agiam para impedir a construção de uma grande hegemonia sobre o continente e para estimular o equilíbrio entre as partes do sistema. Do início do século XVI ao final do século XIX, a França, a Grã-Bretanha, a Espanha, a Áustria, a Rússia, a Prússia e a Holanda alternaram-se nos papéis de poderes emergentes e decadentes da cena internacional europeia. Os conflitos que travaram entre si, tanto quanto a evolução das alianças diplomáticas e militares que estabeleceram para atingir os seus objetivos, compõem o pano de fundo da evolução do sistema internacional a partir de então. Mas será que algum dos Estados europeus teria condições de reunir recursos econômicos e poder militar suficientes para se sobrepor aos demais e dominá-los?
O historiador Jean-Baptiste Duroselle, um dos consolidadores da moderna Escola Francesa de História das Relações Internacionais, afirmou que uma das mais importantes regularidades da história – as quais devem ser entendidas como a verificação da repetição de certos tipos de acontecimentos ou de conjuntos de acontecimentos, e que são independentes dos níveis técnicos e sociais, dos regimes políticos ou das regiões geográficas – é observada na longa duração e diz respeito à efemeridade dos impérios, ou seja, todos os projetos hegemônicos tendem a perecer. Ademais, para uma determinada era e em determinado espaço geográfico, aplicam-se regularidades imperfeitas que são denominadas regras temporárias – válidas para explicar as dinâmicas internacionais naquele contexto específico, mas que poderão deixar de sê-lo em uma nova estrutura. Nesse sentido, para as relações internacionais no período compreendido entre o início do século XVI e o final do século XIX, valem tanto a regularidade que prediz que todo império tende a perecer, como uma regra importante que enuncia que se uma grande potência tenta garantir sua hegemonia, suscita contra ela coalizões que terminam sempre vitoriosas.
As lutas travadas entre as grandes potências europeias para a construção de um sentido de equilíbrio entre as partes, nesse grande período, permitem que se observem fases bem precisas, que são estabelecidas justamente pela necessidade de contenção das tentativas de construção da hegemonia de uns sobre os outros. Assim, do início do século XVI a 1648, os esforços dos Estados europeus estão concentrados na contenção da tentativa de dominação dos Habsburgo espanhóis e austríacos. De meados do século XVII a 1815, o ator a ser contido é a França, que tanto sob as pretensões de dominação do regime absolutista quanto sob a expansão revolucionária desafiou, de modo extremamente consistente, o equilíbrio entre os europeus. De 1815, com a derrota dos exércitos napoleônicos, ao final do século XIX, houve uma notável ausência de guerras prolongadas entre os europeus e construiu-se um relativo equilíbrio estratégico apoiado pelos principais países da Europa, entremeado pela ascensão da Grã-Bretanha como principal potência econômica e militar em nível global.
Antônio Carlos Lessa é professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília e pesquisador bolsista de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Doutor em História (Relações Internacionais) pela Universidade de Brasília, atua na área de Política Externa Brasileira e História das Relações Internacionais. Foi professor visitante na University of Illinois at Urbana-Champaign (Estados Unidos), Université Paris-Sorbonne (França), Universidad Nacional de Rosario (Argentina), Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidad de la República (Uruguai).
Carlo Patti é professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás e do programa de doutorado em História, Bens Culturais e Estudos Internacionais da Universidade de Cagliari (Itália). Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Florença, realizou estudos pós-doutorais na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade de Brasília. Foi pesquisador visitante na Syracuse University (Estados Unidos), na Universidade de Roma Tre e na Universidade de Cagliari (Itália). É pesquisador bolsista do Centro de Pesquisa e Documentação em História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.