A incerteza é uma constante em nossas vidas, onipresente e desafiadora. Ela provoca um anseio por estabilidade e compreensão que, muitas vezes, parece escapar por entre nossos dedos. Esse é o terreno fértil para a ascensão de crenças não fundamentadas e teorias da conspiração que oferecem falsas sensações de controle e de compreensão simplificada sobre o mundo à nossa volta. Contudo, é neste mesmo solo de dúvidas que o pensamento científico pode florescer, oferecendo-nos não um falso senso de domínio, mas uma ferramenta robusta para navegarmos nas águas turbulentas do desconhecido.
O exercício do pensamento científico é, por essência, um ato de coragem. Coragem para questionar, para aceitar a mudança e para se manter firme frente à comodidade das certezas infundadas. É um compromisso pessoal e coletivo de investigação e aprendizado contínuos que deve ser cultivado desde a mais tenra idade até os nossos últimos dias. Ao educarmos (e nos educarmos) cientificamente, não estamos apenas transmitindo conhecimento, mas também fomentando a resiliência intelectual e emocional necessária tanto para enfrentar os vendavais da vida quanto para simplesmente saciar nossa curiosidade a respeito do mundo.
Sob esta ótica, a alfabetização científica é muito mais que o mero acúmulo de fatos. É o desenvolvimento da capacidade de pensar criticamente, de discernir entre evidências e falsidades e de aplicar um olhar cético sobre o universo ao nosso redor. Essa educação cientifica, de caráter mais emancipatório e menos paternalista, quando bem conduzida, se torna a espinha dorsal de uma sociedade capaz de inovar e se autocorrigir. Afinal, em uma era onde a informação é abundante e muitas vezes duvidosa, a habilidade de analisar e sintetizar o que consumimos é vital para nossa sobrevivência enquanto indivíduos e comunidades.
No entanto, a disseminação do pensamento científico não é isenta de obstáculos. Em uma cultura saturada por simplificações e reducionismos, mensagens baseadas em rigor e evidências podem ser vistas como desafiadoras ou até ameaçadoras. Neste contexto, é imperativo que nós, como educadores e comunicadores, encontremos maneiras de, ao mesmo tempo, engajar o público sem subestimar sua inteligência ou ceder à tentação do sensacionalismo. Devemos buscar pontos de contato entre a ciência e os interesses cotidianos das pessoas, desvelando como o método científico (e toda sua diversidade metodológica) está intrinsecamente conectado às nossas vidas, nossas escolhas e nosso futuro.
Durante a pandemia de COVID-19, presenciei de perto o impacto assustador da falta de acesso ao Pensamento Científico. A proliferação de informações equivocadas e a confusão generalizada ressaltaram a urgência de uma base sólida e acessível a respeito da Ciência e sua forma de “pensar”. Vi inúmeras pessoas lutando para discernir fatos de ficção, um desafio que reforçou minha paixão e responsabilidade em promover uma divulgação científica clara e acessível. Esta experiência catalisou meu compromisso em escrever um livro que de alguma forma pudesse equipar as pessoas com ferramentas para navegar e filtrar informações em tempos de crise (e de não-crise também).
A obra Afinal, o que é Ciência?… e o que não é tenta, portanto, contribuir com este cenário. Ao longo dos meus quase 20 anos de vida acadêmica, tive dificuldade em encontrar um material acessível e em língua portuguesa que reunisse os pontos fundamentais que norteiam a Ciência e o pensamento científico. Ao contrário, este tipo de conhecimento costuma ser altamente pulverizado nas diversas obras de autores que pensaram ou difundiram algum aspecto particular sobre a Ciência. O título é uma brincadeira e uma provocação com o livro O que é Ciência, afinal?, de Alan Chalmers, apresentado como um livro introdutório sobre o pensamento científico, mas que se aprofunda em questões complexas, algumas das quais desnecessárias, alienando o leitor e reduzindo sua capacidade de democratização do pensamento científico.
Nesse sentido, o que fiz foi nada mais do que escrever o livro que eu mesmo gostaria de ter lido quando comecei a refletir sobre o papel da Ciência em nossas vidas. Algo que possa introduzir qualquer pessoa interessada, de maneira leve e acessível, no caminho do pensamento científico e da sua aplicação prática, tomando o cuidado de não incorrer em reducionismos.
Nessa missão de promover o pensamento científico, cada um de nós é um veículo de mudança. Devemos lembrar que as decisões cruciais sobre nosso futuro coletivo – incluindo a forma como educamos nossas crianças e moldamos os cidadãos do amanhã – estão sendo feitas agora, e estão em nossas mãos. Ao nos recusarmos a delegar essa responsabilidade, reforçamos o alicerce de um mundo mais esclarecido, mais justo e mais verdadeiramente comprometido com a razão e com o conhecimento.
Com isso em mente, meu convite para a ação é mais do que um mero pedido – é um apelo à participação ativa de cada indivíduo neste empreendimento. Estamos juntos nessa jornada para iluminar os cantos obscuros da ignorância e fortalecer as estruturas da nossa sociedade com os tijolos da compreensão científica. Este é um chamado para que cada um assuma seu papel na edificação de um futuro racional. Eu conto com a sua ajuda para isso.
André Demambre Bacchi é doutor e mestre em Ciências Fisiológicas com ênfase em Farmacologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Desde 2010 atua como docente nas áreas de Farmacologia, Toxicologia e, mais recentemente, também nas áreas de Epidemiologia e Bioestatística. Atualmente é professor adjunto do curso de Medicina da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e divulgador científico.