Fechar

A primeira fase da campanha da França | 2ª Guerra Mundial

Primeira fase, 10 de maio-3 de junho de 1940.
Investida no centro e cerco das forças aliadas na Bélgica.


Ao amanhecer do dia 10 de maio, a Wehrmacht (as forças armadas de Hitler)passa à ofensiva no oeste, violando sem declaração de guerra a neutralidade da Holanda e da Bélgica. A Luftwaffee bombardeia os aeródromos belgas e holandeses, solta paraquedistas perto de Haia e de Leyde, na Holanda, e nas pontes do Meuse, na Bélgica. Persuadido de que os alemães reeditam o plano Schlieffen de 1914, Gamelin exibe uma clara serenidade e às 6h30 ele desencadeia, a mando do rei da Bélgica, a “manobra Dyle”, que aperfeiçoou durante a drôle de guerre. Única sombra no cenário: a extensão imprevista do ataque aerotransportado alemão.

Em conexão com os belgas recuados para o campo fortificado de Antuérpia, a bef (British Expeditionary Force) do general Gort deve tomar posição no Dyle enquanto o sétimo exército (general Billotte) deve instalar-se em posição defensiva, de Bruxelas a Namur. Ao mesmo tempo, no âmbito da “variante Breda”, o 7º Exército (general Giraud) deve descolocar-se a partir de Lille para o território holandês, de maneira a apoiar as forças holandesas, montar a segurança no estuário do Escalda e permitir o funcionamento do porto de Antuérpia. Assim, desde o começo das operações, Gamelin, persuadido de ter adivinhado o eixo principal do esforço alemão, não dispõe de mais nenhuma tropa de reserva.

Como previsto, o corpo de cavalaria do general Prioux (2º e 3º dlm) (divisão ligeira mecânica) atinge Tirlemont-Huy além do Dyle; as divisões e brigadas de cavalaria do 9º e do 2º Exércitos penetram nas Ardenas belgas. E o primeiro problema é que a 3ª dlc (divisão ligeira de cavalaria) do 3º Exército não pode penetrar em Luxemburgo, já ocupado pelos alemães.

Em 11 de maio, os imprevistos se multiplicam. As forças alemãs neutralizam o forte de Eben-Emael que protege a junção do Meuse com o canal Albert, dois obstáculos-chave da defesa belga. Apoderando-se de Maastricht, estabelecem uma passagem sobre o Meuse e progridem a oeste do rio e do canal Albert, dos quais duas pontes em cada três estão intactas, confundindo assim a “manobra Dyle”. As divisões belgas estão desfalcadas, sendo previstos cinco dias para que as unidades franco-britânicas ganhem sua posição. O general Prioux sugere progredir apenas até o Escalda. O general Billotte recusa-se a isso e faz acelerar a progressão dos 1º e 7º Exércitos e da bef.

Na Holanda, a situação se degrada rapidamente. O 7º Exército fracassa em sua missão de reforço aos holandeses e apoio ao flanco esquerdo belga. Atrasado em relação ao 15º Exército alemão (general Kuchler), seu avanço termina próximo a Breda. No dia seguinte, recebe a ordem de recuar para proteger o flanco esquerdo da linha Dyle perto de Antuérpia. O exército holandês abandona então suas posições avançadas para se refugiar na “fortaleza Holanda” (Vesting holland), em direção a Amsterdã e Roterdã, descobrindo o flanco esquerdo dos Belgas no canal Albert, que é transposto pela 9a pzd. A “fortaleza Holanda” é literalmente submersa pelo assalto do 18º Exército alemão. Em 14 de maio, o bombardeio de Roterdã (três mil vítimas), desencadeado por engano, acelera a derrocada holandesa. A rainha deixa o país a bordo de um destróier britânico. No dia 15 de maio, o alto-comando holandês capitula.

Na Bélgica, um restabelecimento parece ainda possível.

De 12 a 14 de maio, as forças belgas recuam de maneira organizada sobre sua posição de resistência kw (Antuérpia-Lovaina), enquanto a bef se instala sem dificuldade à sua direita entre Lovaina e Wavre. Em 12 de maio, no entanto, o batalhão de cavalaria é muito visado em sua posição de cobertura Tirlemont-Huy. No dia seguinte, sob a pressão do 14º cb, é obrigado a recuar enquanto o 1º Exército instala às pressas suas primeiras linhas na posição Wavre-Gembloux-Namur. Apesar de reforços que incluem a 1ª dcr (Division Cuirassée), três divisões, e mais a 2ª dcr, o 1º Exército deve recuar em 15 de maio, estando sua direita completamente descoberta pela retirada do 9º Exército que abandonou o Meuse. Torna-se evidente que Gamelin foi vítima de engano. O ataque do grupo de exércitos B de von Bock, em Flandres, era uma isca para atrair as melhores tropas aliadas, enquanto o Schwerpunkt (centro de gravidade) do plano efetuado por Hitler e Manstein incide sobre as Ardenas e visa à ruptura da frente francesa em seu centro.

De 10 a 14 de maio, as sete divisões Panzers (1ª, 2ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 10ª pzd) do grupo do exército A, de von Rundstedt, alinhando 1,8 mil tanques, avançam nos desfiladeiros das Ardenas, tendo como únicos obstáculos a lentidão causada pelo acúmulo de seus próprios veículos. O mito da “impermeabilidade aos tanques” foi vencido. À saída das Ardenas, as pzd encontram o 9º Exército (general Corap), que domina o Meuse de Dinant na confluência com o Bar (oeste de Sedan), e uma parte do 2º Exército (general Huntziger) estendendo-se a leste até Longuyon. As vanguardas alemãs abrem caminho na junção dos dois exércitos, guardada por uma divisão de fortaleza e uma divisão de reservistas.

Em 12 de maio, à tarde, a 7ª pzd (general Rommel) aborda o Meuse e infiltra-se na margem esquerda durante a noite pela barragem da ilha de Houx, ao norte de Dinant, que é transposta à força aos 13 de maio. No mesmo dia, a 102ª di, no centro do dispositivo do 9º Exército, não logra impedir a travessia das unidades do 60º cb (general Reinhardt) em Monthermé. No setor de Sedan, o 19º cb (general Guderian) empreende igualmente a travessia do Meuse com cobertura aérea; seus elementos de assalto progridem até o bosque de Marfée.

Em 13 de maio, à noite, duas cabeças de ponte estão colocadas nas respectivas alas esquerdas dos 9º e 2º Exércitos franceses. À noite, os tanques alemães começam sua travessia nas pontes lançadas pela Engenharia e são atacados em vão pelas aviações francesa e britânica em 14 de maio. Um segundo mito acaba de se desfazer: a “intransponibilidade” do Meuse. O pânico domina nas fileiras francesas.

O alto-comando tenta cortar o avanço alemão. Em 13 de maio, a 3ª dcr é colocada à disposição do 2º Exército para contra-atacar no dia seguinte na direção de Sedan contra o flanco do batalhão de Guderian sem proteção. Por diversas razões, a 3ª dcr não passa à ação e se dispersa à noite. Em 14 de maio, o bolsão de Sedan constitui uma brecha entre os dois exércitos franceses. O 9º Exército, ameaçado pelo sul, resiste no centro, mas sua frente é rompida ao norte entre Dinant e Ham. A 1ª dcr, imobilizada entre Charleroi e Dinant, por problemas de abastecimento, não pode contribuir para um contra-ataque eficaz. Corap dá a ordem de recuar para a posição fronteiriça, pondo a descoberto assim o 1º Exército que se retira em direção ao Escaut. O 2º Exército é rechaçado ao sul.

O alto-comando francês fica na expectativa sobre as intenções inimigas. O grupo B poderia prosseguir o ataque das forças aliadas do norte, enquanto o grupo A se dirigiria para Paris e tomaria por detrás a linha Maginot. A manobra alemã se revela claramente aos 17 e 18 de maio. As Panzers não se dirigem para Paris e se precipitam em direção ao mar, procedendo a um gigantesco “golpe de foice” (Sichelschnitt) destinado a cercar as forças do norte. Curiosamente, os dirigentes franceses ficam aliviados, a tal ponto que Paul Reynaud acredita ser positivo evocar o erro de von Kluck em 1914.

A retirada dos exércitos do norte em direção ao Escaut se efetua sem sobressaltos, de 15 a 20 de maio, diante de um 4º Exército alemão pouco agressivo, e que deixa acontecer ao sul o movimento de cerco do grupo A. Este, com sua vanguarda blindada, transpõe os obstáculos do Oise e do Sambre. Ao norte, o grupamento Hoth no eixo Philippeville-Landrecies-Cambrai contorna Arras aos 23 de maio. O batalhão Reinhardt, indo por Mézières, Guise e Bapaume, alcança Saint-Omer aos 24. Quanto ao 19º cb, com a marcha interrompida por duas vezes, aos 15 e 17 de maio, pelo alto-comando alemão assustado com sua rapidez e com medo de uma reação francesa, consegue chegar, em 20 de maio, a Amiens, Abbeville e ao mar, criando duas cabeças de ponte na margem sul do Somme. Um vasto corredor de 100 km de largura é constituído, mantido a oeste por 7 pzd isoladas, que avançam com os flancos descobertos, seguidas de longe pela infantaria.

A parede sul do corredor é constituída a oeste pelo 2º Exército, pelo 4º (general Touchon) estabelecido no Aisne e no Ailette, e pelo 10º Exército (general Altmayer) que domina o Somme. Ao norte do corredor, o grupo I deixou o Sambre aos18 de maio para se instalar, aos 20 de maio, no Escaut e no Scarpe. Arras constitui um posto avançado que reduz a largura do corredor a 40 km diante de Péronne. Consciente da vulnerabilidade das Panzers, o okh teme uma interrupção do tipo da Batalha do Marne. Ora, as únicas operações de envergadura contra o “corredor das Panzers” limitam-se aos dois contra-ataques em direção a Montcomet e Crécy, aos 17 e 19 de maio, da 4ª dcr (coronel De Gaulle), em vias de constituição, lançadas com audácia, mas sem sucesso contra os eixos das 1ª e 2ª pzd.

Em 19 de maio, Gamelin, em sua instrução secreta nº 12, preconiza a manobra em pinça destinada a capturar o “corredor das Panzers”, temida pelo okh e completada por uma ofensiva do 2º Exército em direção às pontes de Mézières para neutralizar as passagens do Meuse tomadas pelos alemães. Nesse mesma noite, ele é substituído pelo general Weygand, chamado da Síria. Essa troca de comando acontece no ponto culminante da crise e traz consequências funestas. Por ocasião da reunião de Ypres, em 21 de maio, Weygand acaba por retomar, com alguns retoques, o plano de seu antecessor, mas enquanto isso, a evolução do mapa militar o torna impossível de ser executado. De todo modo, Gort, retardado por engarrafamentos, não pôde participar da reunião. O general Billotte, ao voltar, morre num acidente de automóvel antes de conseguir transmitir suas instruções. O fechamento da brecha continua previsto para o dia 24 de maio.

Gort antecipa a contraofensiva de Weygand e tenta abrir a rota do Somme a partir da saliência de Arras com duas divisões e uma brigada blindada. A 7ª pzd de Rommel é seriamente atingida, mas a tentativa fracassa. A retomada da ofensiva do 19º cb alemão em direção a Boulogne e Calais corta a bef de suas bases logísticas. Ameaçado de cerco e convencido, após o fracasso de Arras, da ineficiência do plano de Weygand, Gort só procura salvar a bef e ordena, em 25 de maio, seu recuo geral ao único porto ainda acessível, Dunquerque, condenando com isso, definitivamente a manobra do generalíssimo. Os exércitos do norte giram num bolsão que encolhe como um pergaminho. Weygand resolve ordenar o recuo para Dunquerque e ali organizar uma cabeça de ponte, abastecida por mar. Essa improvisação implica que os belgas assegurem a cobertura. Ora, a frente belga se desmancha sob os ataques inesperados dos 18º e 6º Exércitos alemães.

Em 28 de maio, o exército belga capitula com seu rei. Weygand abandona seu projeto de cabeça de ponte e ordena a evacuação geral por Dunquerque.

A providencial decisão de Hitler em 24 de maio, de deter as Panzers na linha Lens-Aire-Gravelinas, vai permitir o “milagre de Dunquerque”. A operação Dínamoefetuada pela Royal Navy em combinação com a marinha francesa, permite, de 26 de maio ao alvorecer de 3 de junho, a evacuação de 342.618 soldados, dos quais 123.095 franceses, à custa de 8 destróieres e 5 torpedeiros, o que é bastante dispendioso. A ordem de recuo muito tardia sacrifica seis divisões do 1º Exército que não puderam livrar-se a tempo. Cercadas nas proximidades de Lille, travam um combate de retardamento até 1º de junho, assegurando um tempo de repouso às tropas anglo-francesas que escaparam do cerco.

O episódio de Dunquerque pontua uma campanha calamitosa. Churchill, com sua lucidez, lembra que “não se ganham guerras com evacuações.” Os alemães se vangloriam da destruição de 61 divisões, isto é, de 50% das grandes unidades aliadas e de seu material e da perda de 1,2 milhão de soldados mortos, feridos ou prisioneiros.

A partir de 29 de maio, Hitler requisita os elementos blindados e motorizados em combate diante de Dunquerque para preparar a segunda fase da campanha da França e desfechar o golpe de misericórdia no exército francês, que nunca se recuperou da surpresa provocada pelo Schwerpunkt ao sair das Ardenas.


Philippe Masson, professor universitário, historiador, doutor em letras e especialista em conflitos do século XX, publicou inúmeras obras, dentre as quais La Marine Française et la Guerre: 1939-1945, histoire de l’armée allemande, de la mer et de sa stratégie e le drame du Titanic.

Imagem de capa: Cena de Dunkirk, de Cristopher Nolan