No dia 30 de abril de 1854, com a presença do imperador D. Pedro II, da imperatriz D. Teresa Cristina, do bispo e de várias autoridades, foi inaugurada a primeira ferrovia
do Brasil.
A comitiva embarcou no trem com dois vagões para uma viagem nos 14 km construídos, que ligavam o porto de Mauá, na baía de Guanabara, ao vilarejo de Fragoso, na raiz da serra de Petrópolis. Era o primeiro trecho de uma estrada que deveria alcançar a serra para fazer escoar o café fluminense e mineiro.
A construção dessa estrada vinha atender à necessidade de um transporte mais rápido e com maior capacidade de carga que substituísse as tropas de mulas, muito lentas e que necessitavam de muitos escravos, utilizadas para transportar as sacas de café até o porto do Rio de Janeiro.
Na Europa, as ferrovias eram vistas como símbolos do novo mundo industrial. Introduzidas no Brasil na década de 1850, as estradas de ferro assumiram um papel decisivo na dinamização da economia agroexportadora, tendo seus traçados estabelecidos para a ligação dos centros produtores aos portos de exportação: Rio de Janeiro e, posteriormente, Santos.
No Segundo Reinado, a partir da década de 1840, a economia brasileira começara a apresentar um grande dinamismo graças, em grande parte, às rendas proporcionadas pela lavoura cafeeira. Em 1860, o café brasileiro representava cerca de 50% da produção mundial e respondia por 45% do valor total das exportações do Império.
Esse crescimento criou a necessidade de expansão e melhoria no sistema de transportes, expansão essa que encontrava obstáculos para ser atendida uma vez que os possíveis investidores brasileiros preferiam aplicar seus capitais em terras e escravos.
A lavoura cafeeira no sudeste brasileiro se desenvolvia baseada na grande propriedade escravista voltada para o mercado externo, o que gerava entraves e dificuldades para uma expansão em moldes capitalistas. No entanto, algumas medidas econômicas, adotadas para atender aos interesses dos cafeicultores, acabaram por gerar impulsos positivos para uma diversificação de investimentos em novas bases.
Inclui-se nesse caso, por exemplo, a chamada Tarifa Alves Branco. Preocupado com os constantes déficits em nossa balança comercial, o ministro da Fazenda, Alves Branco, aumentou, em 1844, as tarifas alfandegárias.
Outra medida adotada foi a elaboração do Código Comercial, que vinha atender a demandas junto ao governo de grupos envolvidos com a comercialização do café. O Código, que foi aprovado em 1850, regulamentava a constituição de novas empresas, inclusive as sociedades por ações.
Finalmente, a abolição do tráfico de escravos, nesse mesmo ano, veio contribuir para o incentivo ao desenvolvimento de atividades capitalistas no interior da sociedade escravista brasileira, pois liberou capitais utilizados naquele comércio para novos empreendimentos.
Essas medidas criaram uma conjuntura interna favorável aos investimentos econômicos, situação essa que foi reforçada com a oferta de capitais ingleses trazidos por grupos interessados em investir no Brasil. Nesse contexto, destacou-se Irineu Evangelista de Souza, futuro Barão de Mauá, que se lançou em novos e diversos empreendimentos contando, principalmente, com os capitais que atraiu dos ex-traficantes de escravos e que passou a administrar através do Banco do Commercio e da Indústria do Brasil, fundado em 2 de março de 1851.
Irineu Evangelista de Souza, que havia enriquecido com o comércio de importados, adquiriu, em 1846, uma pequena fundição situada na Ponta de Areia, em Niterói, Rio de Janeiro. No ano seguinte, o Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta de Areia já multiplicara por quatro seu patrimônio inicial. Da Ponta de Areia, a partir de 1850, por 11 anos seguidos, saíram 72 navios para serem usados no transporte de tropas durante as campanhas do Prata, no embarque e transporte de passageiros, e embarcações para o tráfego no rio Amazonas, cujos direitos de navegação Mauá havia conseguido por trinta anos.
Depois de estudar os fluxos de carga do país, Irineu Evangelista percebeu a viabilidade econômica de se criar uma estrada de ferro unindo a província do Rio de Janeiro ao interior de Minas Gerais.
A estrada de terra que existia atravessava, no Rio de Janeiro, o vale do rio Paraíba que era, então, a maior região produtora de café do Brasil. Cruzando Minas Gerais, funcionava como elo com o centro do país.
Mauá encarregou o inglês Wiliam Bagge de substituir o caminho de terra por uma estrada de ferro. Depois de muitos estudos, Bagge chegou à conclusão de que seria fácil construir o primeiro trecho da estrada que uniria o porto de Estrela (atualmente em Magé, no estado do Rio de Janeiro) ao sopé da serra de Petrópolis. A vantagem do traçado escolhido era que ele tornava menor o trecho a ser percorrido por terra até Minas Gerais, mas, por outro lado, ficava longe do Rio de Janeiro.
Mauá conseguiu estabelecer um contrato entre o poder público e as companhias encarregadas de construir estradas de ferro, pelo qual essas passariam a deter, por prazo determinado, direitos exclusivos de exploração da ferrovia em determinada região.
A obra teria o aporte de capitais privados, fato que contribuiu para a aprovação rápida do projeto, o que ocorreu no dia 27 de abril de1852. Irineu Evangelista reuniu, em um mês, 26 interessados no projeto. O grupo incluía negociantes ingleses, políticos, comerciantes de origem portuguesa e alguns brasileiros provavelmente ex-traficantes de escravos.
No dia 29 de agosto de 1852, com a presença do imperador D. Pedro ii, foram inauguradas as obras da estrada de ferro. O primeiro trecho da estrada, unindo o porto de Estrela à raiz da Serra, foi executado com grandes dificuldades. Grande parte dos materiais de construção não era fabricada no país, os tijolos não existiam em número suficiente e tinham que ser importados (posteriormente, para agilizar a obra, Irineu Evangelista mandou construir a sua própria olaria), as locomotivas e os vagões eram comprados na Inglaterra. Mas houve também os empecilhos naturais para a plena execução da obra. Ao final do primeiro trecho da estrada, a Serra dos Órgãos, com seus 800 m de altitude, constituía-se numa barreira que a engenharia mundial ainda não havia conseguido resolver. Irineu Evangelista mandou seus técnicos à Europa e aos Estados Unidos, onde eram ensaiadas tentativas para construção de estradas nos Alpes e nas Montanhas Rochosas, respectivamente. Mas eles não conseguiram resolver o problema.
Finalmente, no dia 30de abril de1854, foi inaugurada a primeira ferrovia do Brasil. A locomotiva foi denominada Baronesa, numa homenagem à Maria Joaquina, esposa de Irineu Evangelista de Souza, que recebeu o título de barão de Mauá de D. Pedro II nesse mesmo dia.
Em 1882, as dificuldades técnicas para a subida da serra foram vencidas e os trilhos chegaram a Petrópolis. Mas a Estrada de Ferro Mauá não era mais de Irineu Evangelista de Souza, que cedera sua parte para pagar dívidas.
Ana Maria Monteiro – Professora de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj). Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (uff) e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-rj).