*Conceito que apoia as lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, a ter orgulho da sua orientação sexual. Ativistas acreditam que o termo “gay” não abrange ou não representa todos aqueles que fazem parte da comunidade.
“A homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade”. – Goethe
Apesar de sua antiguidade e universalidade, somente a partir do Código Napoleônico (1810) que o amor entre pessoas do mesmo sexo deixou de ser crime, embora ainda hoje, em muitos países muçulmanos e africanos, os homossexuais continuem a ser presos e até condenados à morte. Foi, portanto, somente a partir dos meados do século XIX, quando se cunhou o termo “homossexual”, que os próprios gays iniciaram sua luta pelo respeito social e cidadania. E será apenas nos meados do século XX que se universalizará a celebração do Dia do Orgulho Gay. Entre os pioneiros históricos dessa luta destacam-se o acadêmico alemão Karl Ulrichs, o primeiro homossexual assumido a defender abertamente, em 1867, a descriminalização do amor unissexual; o jornalista húngaro Karol Maria Benkert, criador do neologismo “homossexual” (1869); o médico judeu alemão Magnus Hirschfeld, fundador do primeiro movimento de afirmação homossexual (1897) e, entre nós, o advogado gaúcho João Antonio Mascarenhas, pioneiro e articulador do Movimento Homossexual Brasileiro.
Apesar de um início auspicioso, esse incipiente movimento defensor da cidadania lesbigay foi bruscamente sufocado pelo Nazismo – que destruiu todo o acervo documental sobre homossexualidade até então reunido no Comitê Científico-Humanitário de Berlim – e pelo confinamento nos campos de concentração de mais de trezentos mil homossexuais masculinos. Será somente após o fim da Segunda Guerra Mundial que os homossexuais fundarão grupos organizados de defesa dos direitos humanos das minorias sexuais na Noruega, Holanda, Estados Unidos, tendo como finalidade revogar leis e posturas que condenavam a prática homossexual entre adultos e promover a integração social de gays, lésbicas e transgêneros. Embora não existisse na maioria dos países ocidentais leis específicas condenatórias do homoerotismo, por influência da homofobia de inspiração judaico-cristã, os homossexuais continuavam a ser tratados pela polícia como delinquentes, rotulados de desviantes pela sociologia e doentes mentais pela psicologia, discriminados no trabalho, escolas, exército, igrejas, imprensa e demais instituições, sobretudo no seio do lar. Apesar e pour cause dessa homofobia generalizada, gays, lésbicas e transsexuais de grandes cidades passaram a se reunir em “guetos”, notadamente em bares e boates onde podiam encontrar seus iguais e compartilhar interesses comuns. E foi exatamente num destes locais de encontro e diversão que teve origem o Dia Internacional do Orgulho Gay. Um dia conquistado na luta contra a repressão policial.
O Dia da Consciência Homossexual nasceu no fim de semana de 28 de junho de 1969, em Nova York, quando gays, lésbicas e travestis reunidos no bar Stonewall Inn, em Greenwich Village, cansados de ser humilhados e apanhar da polícia, que toda noite invadia seus espaços de lazer, agredindo e chantageando-os, decidiram reagir à prepotência policial. Era a época dos hippies, dos protestos contra a guerra do Vietnã, das manifestações de rua do movimento negro e feminista, auge da moda unissex.
Na noite de 27 de junho de 1969, sexta-feira, dia de grande movimento na área de Christopher Street, no centro gay nova-iorquino, uma força policial do Departamento de Moral Pública da primeira divisão da polícia, como de costume, irrompeu portas adentro do bar Stonewall Inn, sob o pretexto de reprimir a venda ilegal de bebidas alcoólicas. Também como de praxe, os casais que dançavam de corpos colados imediatamente se separaram para evitar violência e detenção. Naquela noite, em vez de aguentarem passivamente a prepotência policial, os duzentos frequentadores do bar reagiram bravamente, obrigando a polícia a buscar reforço. Na rua, mais de mil transeuntes se associaram aos protestos, gritando slogans: “Porcos”, “Basta de brutalidade policial” e, por horas seguidas, jogaram garrafas, latas e objetos incendiários contra a polícia. Com a chegada de novo reforço policial, foram efetuadas 13 prisões e um saldo de 4 policiais feridos. Na noite seguinte, 28 de junho, a Christopher Street voltou a ser um verdadeiro campo de batalha, com uma multidão de gays, lésbicas e transgêneros gritando: “gay power”, “gay pride” (poder gay, orgulho gay). Esse evento passou para a história como “Stonewall riots” (revoltas de Stonewall).
Foi essa a primeira manifestação/revolta de massa realizada por homossexuais de que se tem notícia na história, e a partir dos anos seguintes, todo dia 28 de junho, primeiro em Nova York depois nas principais cidades do mundo, os homossexuais passaram a celebrar com manifestações de rua e diferentes atividades culturais e políticas, o Gay Pride ou Dia Internacional do Orgulho Gay.
Em São Francisco, Nova York, Toronto, Londres, Paris, Madri, e, mais recentemente, também em Moscou, Bogotá, Buenos Aires e nas principais cidades do Brasil e do mundo ocidental realizam-se concorridas Paradas Gays, muitas delas com a presença de autoridades e políticos que se juntam a milhares de homossexuais que saem às ruas para defender seus direitos de cidadania. No Brasil, desde 1981, o Grupo Gay da Bahia comemora essa data com a realização de seções solenes na Câmara dos Vereadores e leitura de moções de apoio à cidadania homossexual na Assembleia Legislativa.
Embora desde 1980 registrem-se em nosso país passeatas e manifestações de rua de grupos homossexuais protestando contra a homofobia, foi em 1995, quando da fundação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, que teve lugar em Curitiba a primeira Parada Gay brasileira no estilo internacional, com carros alegóricos, muitos balões e bandeiras com o arco-íris, símbolo da diversidade pleiteada pelo movimento LGBT. Em 1996 ocorreu a primeira Parada Gay do Rio de Janeiro, com 3,5 mil participantes (nove anos depois, o número pulou para mais de um milhão de pessoas); em 1997 sucedeu a primeira parada de São Paulo, originalmente com 5 mil participantes e que em menos de uma década consagrou-se como a maior parada gay do mundo, com mais de 2 milhões de pessoas. Em 2005 realizaram-se 65 paradas, em todas as capitais e principais cidades do interior.
Por que os homossexuais proclamam o Dia do Orgulho Gay? Porque não têm vergonha de ser o que são! A livre orientação sexual é um direito inalienável de todo ser humano, seja homossexual, bissexual ou heterossexual. Ser homossexual não é doença: o Conselho Federal de Medicina (desde 1985), a Organização Mundial da Saúde (desde 1993) e o Conselho Federal de Psicologia (desde 1999) excluíram a homossexualidade da classificação de doenças. Ser homossexual não é mais crime e muitos teólogos modernos defendem que o amor entre pessoas do mesmo sexo é tão ético e divino quanto o amor entre sexos opostos. A discriminação, sim, é proibida pela Constituição Federal. Autoestima e afirmação identitária são fundamentais para que os gays conquistem igualdade de direitos, daí a ênfase no orgulho e nessas manifestações massivas. Somos milhões, estamos em toda parte. O povo LGBT não quer privilégios: exigimos, sim, ser tratados como seres humanos, com os mesmos direitos e deveres dos demais cidadãos. Queremos cidadania plena já! E que todos dias, no ano inteiro, seja dia do orgulho homossexual.
Bibliografia:
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Macrae, Edward. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da “Abertura”. Campinas: Unicamp, 1990. (Col. Momento)
Mott, Luiz. O crime anti-homossexual no Brasil. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 2002.
_______. Homossexualidade: mitos e verdades. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 2003.
Trevisan, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Record, 2000.
Luiz Mott – Doutor em Antropologia e professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é fundador e secretário de Direitos Humanos do Grupo Gay da Bahia e decano do Movimento Homossexual Brasileiro.