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Mikhail Gorbachev

26 de dezembro (1991) | Dissolução da URSS

russosLeonid Brezhnev morreu em 10 de novembro de 1982 aos 75 anos. Foi substituído como secretário-geral do partido por Yuri Andropov, ex-chefe da KGB, que morreu pouco mais de um ano depois, em 9 de fevereiro de 1984, aos 69 anos. Menos tempo ainda ficou seu substituto, Konstantin Chernenko. Ele morreu em 10 de março de 1985, com 73 anos. Assim, em três anos, os líderes máximos da URSS, todos idosos, morrem um atrás do outro. Uma piada começou a correr entre a população, de que as marchas fúnebres que tocavam continuamente nas rádios (em vez da programação normal) quando da morte dos líderes estavam se tornando o hit parade da década! Anedotas à parte, estava ficando muito claro a todos que a chamada gerontocracia de líderes que vinha governando a URSS estava não só ideologicamente, mas também fisicamente, chegando aos seus limites. Era uma metáfora dos fenômenos de estagnação econômica e social que pareciam estar tomando conta da URSS nas últimas décadas.

Em 1985, finalmente o Politburo (o órgão executivo máximo do Partido Comunista) elegeu um líder mais jovem. Aos 55 anos, Mikhail Gorbachev era um “garotão” pelos padrões etários então vigentes dos últimos líderes máximos. Ele assumiu o cargo de secretário-geral do PCUS em 15 de março de 1985 e tratou de pôr em prática suas propostas reformistas. Clamou, então, por uma perestroika (literalmente, “reconstrução”) da URSS. Em seu livro Perestroika: novas ideias para meu país e o mundo, explicou por que tal reforma era necessária ao país:

Deixe-me primeiro explicar a situação nada simples que se desenvolveu no país nos anos 80 e que fez com que a perestroika se tornasse necessária e inevitável […]. Analisando a situação, primeiro descobrimos uma diminuição do crescimento econômico. Nos últimos quinze anos, a taxa de crescimento da renda nacional caíra para mais da metade e, no início dos anos 80, chegara a um nível próximo da estagnação econômica. Um país que antes estivera alcançando rapidamente as nações mais avançadas do mundo, agora começava a perder posição. Além disso, o hiato existente na eficiência da produção, na qualidade dos produtos, no desenvolvimento científico e tecnológico, na geração da tecnologia avançada e em seu uso começou a se alargar, e não a nosso favor […]. E tudo isso aconteceu numa época em que a revolução científica e tecnológica abria novos horizontes para o progresso econômico e social.

Essa citação é fundamental, pois mostra que a preocupação central dos líderes soviéticos ao deslanchar a Perestroica era com a economia. Como vimos, a taxa de crescimento do país foi muito alta nas décadas de 1930, 1940 e 1950, mas nos anos 1960 começou a cair. Na década de 1970, caiu para níveis de 5% ao ano e na década de 1980 manteve-se sempre abaixo de 5% ao ano. E por que o número assustava? Afinal, um crescimento de 3% ao ano seria normal para os Estados Unidos, por exemplo. O problema é que a URSS, desde a década de 1930, estava em constante competição para alcançar e ultrapassar o Ocidente avançado. E para isso precisava crescer ao dobro ou ao triplo do ritmo dos Estados Unidos. Nas décadas de 1930, 1940, 1950, e mesmo grande parte da de 1960, isso estava ocorrendo. Mas não na década de 1970. E se o país continuasse nesse passo lento, nunca conseguiria seu intento original. Além disso, como mencionou Gorbachev, na época da Revolução da Informação (Terceira Revolução Industrial ou Revolução Científico-Técnica, como queiram chamar) das duas últimas décadas, a URSS parecia estar perdendo posições no nível de desenvolvimento tecnológico.

Para resolver esses problemas, Gorbachev defendia que o sistema hipercentralizado de planejamento da URSS (pelo qual as empresas estatais eram meras cumpridoras das instruções dos planos centrais da Gosplan, a Comissão de Planejamento), que tinha servido bem nas primeiras décadas da industrialização básica, tornara-se um estorvo na época do desenvolvimento sofisticado como o da Era da Informação. A ideia era descentralizar um pouco o sistema, dando maior autonomia às empresas para buscarem os melhores e mais eficientes métodos de produzir. O planejamento deixaria gradualmente de ser diretivo para ser indicativo. Por exemplo, antes as empresas não escolhiam seus fornecedores e clientes. O governo central já determinava a cada fábrica de onde conseguiriam seus suprimentos e para que empresas venderiam seus produtos. A cada fábrica restava apenas cumprir o plano.

Note-se que nessa primeira fase (que durou uns dois anos) nada havia de capitalismo nas propostas. As empresas continuavam estatais e apenas teriam mais autonomia. E o resultado? Nada de especial. Não houve reaceleração da economia. Além disso, vários membros da burocracia rejeitavam as reformas, que diminuíam o poder dos planejadores centrais. Para superar as resistências da burocracia, a partir do XXVII Congresso do PCUS em 1986, Gorbachev acelerou também reformas pelo lado político com a Glasnost (em russo, “transparência”). A Glasnost visava diminuir a censura e repressão política. A esperança de Gorbachev era que as pessoas se expressassem mais livremente e reclamassem do jogo duro dos burocratas resistentes. E assim a Perestroica iria adiante. Ou seja, a Glasnost veio para salvar a Perestroica.

A Glasnost, porém, fez mais do que isso. Deu um impulso extra ao processo. Agora as reformas afetavam não apenas o lado econômico, mas também o lado político. As publicações soviéticas começaram a tratar mais livremente dos erros do passado.

AS FASES DA PERESTROICA

A Perestroica durou de março de 1985 (ascensão de Gorbachev ao poder) a 26 de dezembro de 1991, quando foi oficializada a dissolução da URSS. Ela passou por quatro fases principais:

– 1985-1987: fase da “descentralização socialista”
– 1988: fase de transição e discussões do caminho a seguir
– 1989 e início de 1990: fase da “economia de mercado”
– Final de 1990 e 1991: fase da “desintegração e restauração capitalista”

Na primeira fase, a ideia era apenas descentralizar o sistema socialista soviético para torná-lo mais dinâmico. Entretanto, após dois anos, a economia não tinha se reacelerado e alguns problemas novos tinham aparecido. Pelo lado econômico, alguns “gargalos” surgiram. Pelo sistema anterior, bem ou mal, cada firma sabia exatamente o que tinha que fazer: bastava seguir o plano. Quando foi dada autonomia às empresas para buscarem elas mesmas seus próprios fornecedores e clientes, algumas ficaram desabastecidas: seus antigos fornecedores preferiam vender a outras empresas (ou exportar para receber em dólares). Houve casos de pátios de fabricantes de automóveis plenos de carros prontinhos, exceto pela falta dos volantes de guiar, pois o fornecedor anterior não estava mais lhes vendendo e nenhuma alternativa imediata foi encontrada.

Mas foi pelo lado político que problemas mais sérios ideologicamente foram aparecendo. A partir do início de 1986, Gorbachev passou a enfatizar também a abertura política, com a Glasnost. De início, as críticas se concentravam no excesso de burocracia ou nas antigas práticas stalinistas de repressão. No final de 1987, alguns órgãos de imprensa ou comentaristas ousados começaram a levantar questões mais globais, que podiam ser lidas como uma crítica ao sistema soviético como um todo, e não apenas ao stalinismo ou excesso de burocracia. Isso acendeu um sinal amarelo. Alguns membros mais conservadores da liderança do partido começaram a dizer que as reformas até ali não tinham trazido melhora econômica significativa e, pelo lado político, incorriam em riscos. Talvez fosse melhor parar ou repensar. Por isso, no ano de 1988, entra-se numa fase de discussões sobre o caminho a seguir.

Nessa fase de transição e discussão de 1988, o Politburo dividiu-se em dois grandes grupos, com Gorbachev como um grande árbitro. Por um lado, havia o grupo dos que seguiam Egor Ligachev, um conservador que achava que a Perestroica estava ameaçando abrir uma caixa de Pandora política e não tinha mostrado realmente bons resultados econômicos: assim, o melhor seria diminuir o ritmo das reformas. Já Aleksandr Yakovlev, ex-embaixador da URSS no Canadá, liderava a ala mais liberal do Politburo, isto é, aqueles que queriam prosseguir com a Perestroica e torná-la ainda mais radical, com novas liberdades políticas e econômicas. Por exemplo, em relação aos gargalos formados na economia com a descentralização inicial da Perestroica, diziam que o problema era que a economia russa era excessivamente monopolizada, formada por algumas poucas empresas gigantescas que dominavam seus ramos de produção. Assim, um problema em apenas uma dessas empresas-chave se generalizava por toda a economia. A solução seria, então, desmonopolizar a economia. Dividir essas empresas gigantescas em um grupo de empresas estatais menores concorrendo entre si para baixar preços e custos e evitar gargalos. E pelo lado político, pregavam um aprofundamento da Glasnost, dizendo que o partido não deveria ter medo do debate crítico, mesmo com verdades duras sendo colocadas.

No embate titânico dessas duas alas e visões de mundo em 1988, venceu a ala mais liberal, com aprovação de Gorbachev. Assim, a Perestroica iniciaria fases ainda mais radicais, entrando agora em águas desconhecidas.

Chamamos esse novo período em 1989 de “fase da economia de mercado”. Ainda não se falava em capitalismo, mas sim em utilizar alguns elementos da economia de mercado para tornar o sistema produtivo socialista mais dinâmico. Assim, as empresas continuariam estatais (socialistas), mas seriam colocadas em posição de concorrência umas com as outras para que as melhores fossem à frente e as perdedoras tivessem que se recuperar ou enfrentar falência (conceito desconhecido por elas até então, que sempre contavam com ajuda do Estado para sobreviver). Os planos estatais passariam a ser mais indicativos que diretivos. Os salários e preços seriam mais flexíveis em vez de serem fixos e tabelados como antes. Joint ventures com empresas estrangeiras foram criadas (inicialmente com capital soviético majoritário).

Um grande ponto simbólico da vitória da ala liberal sobre a conservadora na fase de transição e discussão de 1988 foi a Lei das Cooperativas, de 26 de maio de 1988. Ela ainda não permitia empresas completamente privadas, mas admitia a abertura de sociedades com pelo menos três sócios para atuar como uma cooperativa, com direito a temporariamente contratar mão de obra alheia. Teoricamente, era uma propriedade “social” (apesar de não estatal), pois era formalmente uma cooperativa, mas, na prática, derivariam posteriormente para verdadeiras empresas privadas, com dois sócios “testas de ferro” e apenas um verdadeiro dono do negócio. Às cooperativas era permitido vender produtos por preços de mercado, diferentemente dos tabelados nas lojas estatais, o que levaria algumas delas a serem acusadas de fazer especulação com produtos e preços.

Pelo lado político, o ponto de viragem ocorreu em março de 1989. Nas eleições para o Congresso de Deputados do Povo, foram permitidos candidatos independentes que não pertenciam ao Partido Comunista da União Soviética e defendiam diferentes plataformas. Os candidatos do PCUS foram maioria no novo Congresso, mas, pela primeira vez, havia uma bancada de oposição, formada por figuras como o físico dissidente Andrei Sakharov e (um pouco depois) Boris Yeltsin, que abandonaria o PCUS para passar à oposição. O grupo oposicionista dentro do Congresso chamava-se Grupo Interdistrital de Deputados. Reunia os futuros democratas, isto é, aqueles que dentro em pouco estariam pregando o fim do monopartidarismo e a instalação de uma democracia multipartidária no país. Os futuros democratas passariam, inclusive, a defender uma economia de mercado não socialista. Ou seja, o capitalismo – mesmo que tal palavra ainda não fosse pronunciada.

Como tudo o que acontecia na URSS afetava o bloco comunista inteiro, o novo clima chegou à Alemanha. Em novembro de 1989, caiu o muro de Berlim. Foi o fim da separação da cidade. E do país. A simbólica queda tornou-se o marco do fim da Guerra Fria.

Internamente, porém, os problemas prosseguiam. Os resultados econômicos dessa fase da economia de mercado também não foram bons. Em meados de 1990, o país entrou em um período mais caótico, que podemos classificar de “fase da desintegração e restauração capitalista”. Em 13 de março de 1990 é extinto o monopartidarismo e imediatamente ocorre uma proliferação de partidos de todos os tipos, muitos de oposição. A luta política se torna aberta e as expressões “capitalismo” ou “retorno ao capitalismo” já são ditas em voz alta pelos oposicionistas. A lei “Sobre os Princípios Gerais das Empresas Privadas na URSS”, de 12 de abril de 1991, formaliza a existência jurídica legal das empresas completamente privadas no país (que, na prática, já existiam nas frestas da legalidade desde a Lei das Cooperativas de maio de 1988).

Concomitantemente, explodem uma série de conflitos interétnicos (armênios vs. azerbaijanos por Nagorno-karabakh, uzbeques contra meskhes em Fergana) e movimentos separatistas (como nas repúblicas bálticas). Essa efervescência política aumentou ainda mais a sensível crise econômica, pois muitas vezes interrompia o fluxo de suprimentos normal para as regiões envolvidas. As demandas separatistas e independentistas em algumas repúblicas da URSS fazem com que Gorbachev se disponha, em 1991, a renegociar o tratado da União, de modo a suavizar o controle do centro sobre as repúblicas e até permitir eventuais secessões. Nas vésperas da assinatura do novo tratado da União, um grupo de membros descontentes do governo (incluindo o vice-presidente, o chefe da KGB, o ministro do Exército e o presidente do Parlamento) tenta dar um golpe de Estado em Gorbachev, que é mantido em prisão domiciliar. Por três dias (19 a 21 agosto), o futuro da URSS é mantido no ar. O mundo acompanha de perto o futuro da superpotência.

O então presidente da República da Rússia, Boris Yeltsin, comanda a resistência aos golpistas. Quando a resistência é bem-sucedida, Gorbachev volta ao poder central, mas toda a autoridade agora está com Yeltsin, herói da defesa. Todo o segundo semestre de 1991 é dedicado a negociações de como encaminhar o fim da URSS e a independência de suas repúblicas constitutivas. Finalmente, após muitos contratempos, em 21 de dezembro de 1991, 11 das 15 repúblicas assinam a criação da CEI (Comunidade dos Estados Independentes), que pretendia ser uma espécie de “mercado comum” das ex-repúblicas soviéticas que se tornariam agora países politicamente independentes. Em 26 de dezembro, a extinção da URSS é oficialmente votada por membros do parlamento soviético. Um dia antes, Gorbachev havia renunciado.

Toda a época histórica iniciada pela Revolução Socialista de 1917 chegava ao fim.

Fonte: SEGRILLO, Angelo. “O fim da URSS”. Os Russos. Editora Contexto.
Imagem: Mikhail Gorbachev


EM TEMPO:

Notícia sobre o fim da URSS no Jornal Nacional (1991):

(Caso o vídeo não apareça, veja diretamente no Youtube)