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22 de outubro de 1912 | Guerra do contestado

No dia 22 de outubro de 1912, na localidade de Irani, então município de Palmas, em região contestada entre os estados de Santa Catarina e do Paraná, travou-se violento combate entre a força do Regimento de Segurança do Paraná e os sertanejos que seguiam o “monge” José Maria. Na peleja, conhecida como Combate de Irani, morreram 11 soldados e 6 caboclos, entre eles o comandante do Regimento, coronel João Gualberto Gomes de Sá e o curandeiro José Maria. Esse foi o primeiro combate da Guerra do Contestado, conflito que se estendeu até janeiro de 1916.

22 de outubro de 1912 | Guerra do contestado

Antes de Irani, José Maria e os sertanejos já haviam sido expulsos da localidade de Taquaruçu, município de Curitibanos, no planalto catarinense. O coronel Albuquerque, superintendente municipal de Curitibanos, temia que a aglomeração de pobres e doentes em torno do curandeiro fosse utilizada em favor da oposição política local. Por seu lado, os paranaenses deram pronto combate ao grupo migrante de José Maria, interpretando sua entrada no Irani como uma “invasão catarinense”, algo que criaria tumulto para justificar o emprego de força federal. O governo do Paraná temia uma intervenção federal na região contestada, algo que poderia viabilizar a execução de três sentenças do Supremo Tribunal Federal (stf), as quais destinavam a região litigiosa para Santa Catarina.

Desde 1979, o município do Irani, com o apoio do governo do estado de Santa Catarina, comemora esse combate através da apresentação de um grande espetáculo em que a batalha é encenada por atores e figurantes locais. Próximo ao cruzamento das BRs 282 e 470, local presumido do combate, há um grande monumento de concreto, o Museu e o Cemitério do Irani. Atualmente, está em construção o Parque do Contestado, que possuirá dois auditórios, uma “cidade santa” e uma pequena linha de trem. Tudo servirá como centro de uma série de atividades turísticas, inclusive com um espetáculo de luz e som.

Após o combate, consta que os sertanejos enterraram José Maria em uma cova tapada por tábuas, uma vez que aguardavam por seu “retorno” junto ao “Exército Encantado de São Sebastião”. Pouco mais de um ano depois desse combate, os sertanejos voltaram a se reunir na localidade de Taquaruçu. Quem comandava esse novo reduto sertanejo era a “virgem” Teodora, uma menina de 11 anos que comunicava sonhos que tinha com José Maria. A partir de dezembro de 1913, as forças oficiais passam a preocupar-se com nova reunião dos sertanejos em Taquaruçu. A linguagem de “guerra santa”, com fortes características milenares e messiânicas, proporcionou uma fusão do discurso religioso tradicional com o descontentamento social.

Não se tratava mais de uma festa ou de uma reunião em torno do curandeiro. Os que agora se dirigiam a Taquaruçu desafiavam diretamente as autoridades locais. Além dos devotos iniciais, que passaram a santificar a trajetória do curandeiro José Maria (identificando sua vida com o rezador itinerante João Maria, chamado de São João Maria pelos sertanejos), passou a dirigir-se à “cidade santa” de Taquaruçu um grupo heterogêneo de pessoas, formado por posseiros, pequenos lavradores, peões e agregados provenientes de Lages, Canoinhas, Campos Novos e outras partes do planalto. Entre estes, havia muitos que haviam perdido suas posses para a Brazil Railway, empresa norte-americana que adquirira a concessão para a construção e exploração da Estrada de Ferro São Paulo–Rio Grande. O governo federal cedeu à ferrovia, para cada margem da linha, até 15 km de terras devolutas, território que teria suas madeiras extraídas pela empresa subsidiária Lumber and Colonization. Como muitos posseiros sem títulos viviam nessas regiões, o Corpo de Segurança da Lumber agiu com energia para expulsar os sertanejos “intrusos”.

Junto aos devotos e posseiros, agregaram-se também opositores dos “coronéis” que dominavam a política local. Muitos desses opositores eram veteranos federalistas, rio-grandenses e paranaenses que viviam exilados em Santa Catarina. Após a destruição de Taquaruçu, em fevereiro de 1914, os sertanejos fundaram a “cidade santa” de Caraguatá, mais ao norte. A força do exército tentou liquidar esse segundo reduto rebelde, mas foi derrotada pelos sertanejos (pelados, como se autointitulavam) em março de 1914. No segundo semestre de 1914, houve uma expansão do movimento rebelde, com a multiplicação das “cidades santas” por um território de 28 mil km2. Nessa fase, os rebeldes escolheram como alvos as estações da estrada de ferro, a serraria da Lumber e os prédios públicos e cartórios das vilas de Papanduva, Itaiópolis e Curitibanos. Chegaram a ameaçar seriamente a cidade de Lages.

O projeto rebelde de “cidade santa”, baseado num processo de reelaboração mística e de invenção de uma vida terrena com justiça e bem-estar, tinha como alvo a defesa de uma “monarquia celeste” e a vida nos redutos em regime de irmandade, onde “quem tem, mói, quem não tem, também mói e no fim todos ficam iguais”, como afirmavam os sertanejos. Moer aqui se referia à prática de pilar milho para fazer beiju, alimento habitual dos caboclos do planalto. Dessa forma, as terras, as lavouras e os rebanhos trabalhados e administrados pelos “irmãos” eram de posse coletiva.

As “cidades santas” possuíam uma quadra central, em forma de quadrado, ladeada por cruzes, onde os sertanejos reuniam-se diariamente através de formas, momentos nos quais os líderes discursavam, praticavam-se rezas e distribuíam-se tarefas cotidianas. Uma guarda sertaneja de elite foi criada, os Pares de França ou Pares de São Sebastião – eram sertanejos conhecidos pela habilidade no combate aos peludos (assim chamavam os representantes do governo).

Para sufocar o movimento sertanejo, o Exército, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, enviou mais de 8 mil soldados (mais da metade de seu efetivo total naquela época) associados às forças policiais do Paraná e de Santa Catarina, sem contar milhares de vaqueanos civis (capangas contratados por fazendeiros). Um dos combates mais importantes foi o que levou à destruição do reduto de Santa Maria, que possuía uma população superior a 25 mil pessoas. A última “cidade santa”, São Pedro, foi destruída por uma força de vaqueanos em dezembro de 1915. Até janeiro de 1916, os últimos 10 mil rebeldes apresentaram-se em massa às forças oficiais, tangidos pela fome proveniente do longo cerco militar.


Paulo Pinheiro Machado – Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (ufsc), é doutor em História pela Universidade de Campinas (Unicamp).