No dia 13 de maio de 1888 foi assinada a Lei Áurea estabelecendo a abolição da escravatura no Brasil. A população invadiu as ruas comemorando o fim de um sistema de trabalho de três séculos e meio. Na ocasião, quase oitocentos mil brasileiros foram libertados. Nos anos seguintes, ex-escravos retomaram as comemorações. E, em 1890, o governo republicano instituiu o 13 de maio como o Dia da Fraternidade dos Brasileiros.
O sistema escravista havia sido introduzido na América pelos europeus. Envolveu populações indígenas e, a partir de 1532, também provenientes da África. Em 1758, o marquês de Pombal proibiu definitivamente a submissão dos índios, e a escravidão africana permaneceu lucrativa para senhores de terra, comerciantes brasileiros e europeus por mais 130 anos.
A produção, tanto nas grandes propriedades de cana-de-açúcar, quanto na exploração do ouro, no trabalho doméstico e na produção de café, era baseada na mão de obra escrava. Calcula-se que o Brasil tenha recebido entre quatro a seis milhões de africanos escravizados. O país foi o último país da América a acabar com a escravidão.
É claro que a manutenção da escravidão no Brasil não se deu sem obstáculos. No século XVII já havia notícias de revoltas e fugas e, com o passar do tempo, foram comuns as rebeliões, os quilombos e o esforço de retorno à África.
Mas foi apenas no século XIX que algumas leis no sentido de inibir a escravidão foram estabelecidas. Em 1807, o parlamento inglês pôs fim ao tráfico para suas colônias, diante do excedente de açúcar das Índias Ocidentais Britânicas e da pressão dos liberais. Assim, os ingleses, que tanto haviam se beneficiado com o tráfico negreiro, agora pregavam o fim da escravidão também em outros locais, com o propósito de que sua produção não fosse prejudicada pela concorrência de outras colônias. O sistema escravista solidamente implantado no Brasil atrapalhava os planos da nação mais poderosa no início do século xix. Portanto, a Inglaterra pressionou Portugal até que, no Tratado Anglo-Português de 1815, a nação lusa concordou em restringir o tráfico negreiro ao sul do Equador. Sete anos depois, com a Independência do Brasil, os escravistas nacionais mantiveram o tráfico africano. Na negociação para o reconhecimento da Independência, o Brasil, economicamente dependente da Inglaterra, comprometeu-se a tratar o tráfico como pirataria, sem, contudo, manter o acordo na prática. A pressão inglesa levou a um novo tratado que proibia o tráfico em 1831. Novamente, o acordo não foi cumprido e, nos 20 anos seguintes, o Brasil importou 550 mil escravos.
Em 1845, o parlamento inglês votou o Bill Aberdeen, declarando ser lícito apreender navios negreiros. O governo imperial brasileiro protestou, mas a Marinha inglesa começou a reprimir o tráfico com vigor. Diante dessa postura e das pressões diplomáticas, no Brasil foi votada uma lei que tornava ilegal o tráfico de escravos: a Lei Eusébio de Queirós. Intensificaram-se, então, as revoltas de escravos e as ações promovidas por abolicionistas (que auxiliavam nas fugas, protegiam quilombos e lançavam campanhas nos jornais). Todo esse quadro colaborou para a promulgação da Lei do Ventre Livre (1871), a Lei dos Sexagenários (1885) e a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.
Com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que o 13 de maio, mais do que marcar uma ruptura, fazia parte de um longo processo de desenvolvimento do sistema capitalista. A extinção da escravidão,sem m inimizar sua importância, estava incluída em uma política gradual de transformação do trabalho escravo em livre, resguardando o interesse dos grandes proprietários de terra. Garantir mão de obra para o sistema produtivo e leis para reprimir quem optasse pelo “não trabalho” eram algumas das preocupações das elites da época.
No mesmo ano do fim do tráfico de escravos (1850), foi decretada a Lei de Terras, proibindo a aquisição de terras públicas sem ser através da compra. Tanto na Europa como na América, o controle sobre a terra fez parte do processo de desenvolvimento do capitalismo com base no trabalho livre. Uma das formas de obrigar o trabalhador a vender sua força de trabalho, em vez de produzir seu próprio sustento, era a dificuldade de acesso à terra. Assim, essa mudança repercutia no trabalho, ou seja, diante da pobreza da maior parte da população, isso significava impor a sobrevivência através de salários. Nesse sentido, a Lei de Terras complementava projetos de importação de mão de obra livre e de controle sobre a força de trabalho do liberto, restringindo o acesso à terra ao imigrante e ao nacional sem recursos para comprá-la. Em outras palavras: aos imigrantes só restava trabalhar para os grandes proprietários e aos recém-libertados – preteridos pelos seus ex-proprietários que preferiam o trabalhador europeu, considerado laborioso e representante do mundo branco “civilizado” – restava a liberdade sem muitas escolhas de sobrevivência, estando sujeitos também à discriminação racial, pois, vinculada à escravidão, perpetuou-se a crença de que ser negro era sinônimo de inferioridade. Depois de 1888, especialmente para o ex-escravo, foram criadas leis coercitivas: antivagabundagem, antimendicância e anticrime.
As vivências das populações negras no Brasil após a Lei Áurea instigaram revisões pela memória e pela História dessa efeméride, que logo deixou de ser festejada de modo unânime. Parte das novas gerações passou a encarar a lei apenas como uma conquista jurídica, já que a população negra permaneceu em uma situação desprivilegiada e com o encargo de lutar contra o preconceito racial.
Na luta contra o racismo, muitas críticas recaíram sobre o 13 de maio, entendido como uma data oficial que atribuía à princesa Isabel o papel de redentora, sem mencionar a resistência e a luta dos próprios escravos contra o cativeiro. Como contraponto, os movimentos negros no final do século XX criaram outras datas, simbolizando outras lutas e outras memórias. O 13 de maio passou a ser o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo no Brasil; o 20 de novembro, data do assassinato de Zumbi, o Dia da Consciência Negra; e o 7 de julho, o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo.
Graças à militância contra o racismo, o dia 21 de março foi escolhido pela ONU como o Dia Internacional Para a Eliminação da Discriminação Racial; o 2 de dezembro, como o Dia Internacional para Abolição da Escravatura , considerando a permanência no mundo de situações de servidão e escravidão. O ano de 2004 – bicentenário da Revolução Haitiana – foi definido pela Unesco como Ano Internacional em Comemoração às Lutas Contra a Escravidão e sua Abolição.
Por Antonia Terra, no livro Dicionário de Datas da História do Brasil, publicado pela Editora Contexto