Apesar da marcha acelerada para a construção de uma ordem autoritária escancarada, com novas formulações doutrinárias e novos aparatos burocráticos, o ano de 1937 começou com a promessa do governo de que haveria eleições presidenciais em janeiro de 1938 encerrando o mandato constitucional de Getúlio Vargas. As candidaturas já estavam postas e, no fundo, nenhuma agradava o governo. As principais eram as de José Américo de Almeida, Armando Salles de Oliveira e Plínio Salgado.
José Américo de Almeida, ex-aliado do presidente Vargas, era considerado próximo dos ideais tenentistas, mais sensíveis a um Estado interventor e às questões sociais. Tinha sido ministro de Vargas, mas já não contava com a confiança do presidente. Ainda assim, era visto como o candidato oficial, e tinha apoio de Minas Gerais e de vários estados do Nordeste.
Armando Salles de Oliveira representava o federalismo e o liberalismo, sob uma fachada mais moderna e reformista, defendida pelo Partido Democrático de São Paulo. As velhas elites do PRP não se empolgaram com a sua campanha presidencial, e àquela altura preferiam se aproximar de Getúlio e ganhar postos na burocracia federal a correr o risco de perder o poder para dissidentes em seu próprio estado de origem. Ainda assim, Armando Salles agregava correntes que não tinham simpatia pelo tenentismo, nem pelo autoritarismo como soluções para os problemas nacionais.
Plínio Salgado era o chefe do integralismo e, tal como Hitler fizera na Alemanha, disputava a eleição para, posteriormente, instaurar uma ditadura de partido único, o “Estado Integral” brasileiro. Este consistiria em uma etapa superior de controle dos indivíduos e das massas em nome de ideais nacionalistas e de uma nova mentalidade, que misturava valores católicos com cultos cívicos fascistas, como o culto ao “chefe” e manifestações simbólicas de poder e união, como desfiles uniformizados.
Os candidatos já estavam em campanha aberta, com a maioria dos eleitores preferindo Armando Salles ou José Américo, quando, em meados do ano, a imprensa começou a noticiar a descoberta de um novo levante comunista em preparação. O documento, que supostamente o comprovava, foi batizado de Plano Cohen, em alusão ao líder comunista húngaro Béla Kuhn. O suposto plano de tomada de poder pelos comunistas, conforme descrito no documento, era detalhado e provocou pânico na opinião pública: haveria saques, fuzilamentos de lideranças civis e religiosas, depredações, invasões de propriedades privadas e lares, com violação das mulheres “burguesas”. Mais tarde, revelou-se que o Plano Cohen era falso e tinha sido elaborado pelos integralistas para provocar uma reação das milícias fascistas. O documento, ao ser entregue para o governo, foi aproveitado por este de maneira oportunista para justificar um novo golpe de Estado. Até hoje, não se sabe se a elaboração do Plano foi feita sob encomenda do próprio governo para produzir o pânico e reavivar o anticomunismo e, consequentemente, justificar o reforço do poder de Estado para “proteger” a sociedade.
O fato é que a estratégia favoreceu Vargas. A histeria anticomunista novamente tomou conta da imprensa e de vários setores sociais influentes, entre eles os liberais, dando argumentos para que houvesse um golpe de Estado “preventivo”. Obviamente, ninguém que fosse minimamente informado, a começar pelo alto escalão do governo, levava a sério uma nova ameaça comunista daquele porte. O Partido Comunista estava destroçado, seus dirigentes estavam presos e seus poucos militantes dispersos e clandestinos. Os elos com a Internacional Comunista tinham sido cortados pela repressão.
Naquela conjuntura, o que mais assustava o governo Vargas era a possibilidade de vitória de Armando Salles de Oliveira ou mesmo de Plínio Salgado, e não os comunistas. A opção liberal significaria, na visão de Vargas e de seu círculo de poder, a volta ao contexto pré-1930, quando as oligarquias davam o tom do governo federal. A opção integralista tampouco era bem-vista por setores militares e autoritários que eram contrários à política de mobilização de massas, mesmo de feição ultraconservadora, defendida pela AIB. A opção que se desenhava para Vargas, apoiada pelo Exército e pelos principais ministros, era um regime autoritário e tutelar, inspirado nos intelectuais da corrente autoritária “cientificista”, mas não necessariamente fascista. Assim, a opção pelo golpe de Estado tornou-se declarada e dominante dentro do próprio governo que já estava no poder, com apoio passivo ou ativo de outras forças políticas atuantes na sociedade. O Exército foi o fiador definitivo dessa opção.
Em fins de setembro de 1937, o Congresso Nacional, acuado e dominado pelos governistas, aprovou o novo “estado de guerra” e suspendeu as garantias constitucionais por um período de três meses. O caminho para o golpe ficou mais fácil. Em outubro, ministros e assessores políticos defendiam a continuidade do mandato de Getúlio Vargas, convencendo os governadores e elites políticas regionais de que não seria possível a realização de eleições em 1938, sob o risco de um novo período de instabilidade política.
Os integralistas tinham sido convencidos pelo governo a apoiar o golpe em troca da nomeação de Plínio Salgado como ministro da Educação do novo regime. Na verdade, alguns meses depois da instauração do novo regime, os integralistas se rebelaram ao perceberem a armadilha de Getúlio, que nunca esteve disposto a ceder de fato espaço ao movimento integralista ou permitir-lhe o acesso aos altos postos de Estado. Getúlio era um profissional da política. Plínio Salgado revelou-se um amador.
No dia 10 de novembro de 1937, sob a justificativa de nova “comoção intestina grave”, Vargas anunciou o seu golpe de Estado, o fechamento do Congresso Nacional e a suspensão da Constituição vigente. No lugar dela, o governo apresentou uma das constituições mais autoritárias da história brasileira: previa a pena de morte, o fim da autonomia administrativa federativa e a eleição indireta para presidente com mandato de seis anos. Caso curioso na história das constituições modernas, incluía o “estado de emergência” como artigo perene da Constituição, durante o qual ficariam suspensas, paradoxalmente, as garantias constitucionais aos cidadãos, já escassas.
Com apoio militar e político, a autoridade pessoal de Vargas foi reforçada pelo “autogolpe” que inaugurou o Estado Novo. De tão esperado e discutido, o ato de força não surpreendeu ninguém. Os que poderiam eventualmente reagir, como os comunistas, socialistas e aliancistas, já estavam reprimidos havia algum tempo. Não existia ninguém forte o suficiente para evitar a morte da frágil democracia ou relembrar as promessas democratizantes traídas da Revolução de 1930.
Fonte: NAPOLITANO, Marcos. “O Golpe de 1937 e a criação do Estado Novo”. História do Brasil República: da queda da Monarquia ao fim do Estado Novo. Editora Contexto.
EM TEMPO:
Assista aos vídeos sobre a ERA VARGAS – que durou 15 anos, de 1930 a 1945.
(Caso o vídeo não apareça, veja diretamente no Youtube)
(Caso o vídeo não apareça, veja diretamente no Youtube)