A blogueira Yoani Sánchez não pode sair de Cuba
Impedida de sair do país por causa de suas críticas ao regime castrista, escritora não deverá comparecer ao lançamento de seu livro no Brasil
Juliano Machado
VIDA CUBANA – Yoani no prédio em que vive, com a cidade de Havana ao fundo. Abaixo, a capa do livro que será lançado no Brasil
Em qualquer lugar do mundo, a presença do autor é comum no lançamento de um livro. O evento para lançar no Brasil a obra De Cuba, com carinho (Contexto, 208 páginas, R$ 29,90), da blogueira cubana Yoani Sánchez, tem tudo para ser incomum. A própria Yoani, de 34 anos, admite que dificilmente vai poder comparecer à cerimônia, prevista para a segunda quinzena deste mês. Não porque ela não queira vir. Com suas críticas às condições de vida impostas pelo regime castrista, postadas quase diariamente no blog Generación Y, Yoani já foi impedida diversas vezes de viajar para fora do país. Só do ano passado para cá, foram sete tentativas fracassadas de obter a “carta branca”, o documento que permite aos cubanos sair do país. “Nunca me deram uma justificativa clara para negar os pedidos. Não sei até quando vão me aplicar esse castigo”, afirma Yoani. O “castigo” é aplicado a Yoani apesar de Cuba, no ano passado, ter assinado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. O pacto dá garantias expressas ao direito de livre circulação dentro de um país e para fora dele.
O esforço para trazer a blogueira ao Brasil é liderado pelo diretor da Editora Contexto, Jaime Pinsky, e ganhou o apoio de alguns senadores. Na tribuna, Eduardo Suplicy (PT-SP) afirmou que a liberação de Yoani seria um “sinal muito positivo” de abertura do governo de Raúl Castro. Bem relacionado com autoridades cubanas, Suplicy intermediou uma conversa entre Pinsky e o ministro-conselheiro Alejandro Díaz Palacios, da embaixada cubana em Brasília. “Não foi um diálogo muito agradável, principalmente quando o diplomata me disse que poderia indicar outros autores cubanos para ser publicados”, diz Pinsky. Seguindo a orientação de Palacios, Pinsky redigiu um convite formal a Yoani, a ser entregue ao Consulado-Geral de Cuba em São Paulo. Até o fim da semana passada, o pedido estava no escritório de representação do Itamaraty em São Paulo. Por exigência do governo cubano, o convite a Yoani, além de reconhecido em cartório, terá de ser formalizado por meio do Itamaraty. ÉPOCA procurou Palacios, mas a embaixada não retornou as ligações.
Outra iniciativa partiu do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que convidou Yoani a participar de uma audiência pública no Senado. Após o aval do presidente José Sarney (PMDB-AP), o convite seria entregue à embaixada cubana, o que não ocorrera até a quinta-feira 1o. Por causa da morosidade dos trâmites diplomáticos, é pouco provável que Yoani consiga vir para o lançamento do livro.
A blogueira já está acostumada a marcar presença “virtual” em eventos no exterior. Em maio, ela foi convidada a participar da Feira do Livro de Turim, na Itália, para o lançamento de seu livro Cuba libre, mas teve de se contentar em falar com o público pelo telefone, de seu apartamento em Havana. O Generación Y ganhou prêmios na Espanha e na Alemanha, mas Yoani não pôde comparecer às cerimônias para recebê-los. No dia 14, ela será agraciada com o tradicional Prêmio Maria Moors Cabot, da Escola de Jornalismo da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos. Resignada, está pensando em gravar um vídeo para a solenidade de entrega.
Os problemas de Yoani com a imigração de Cuba começaram em 2004, quando ela voltou de uma temporada de quase dois anos na Suíça. Por uma imposição do regime castrista, o cubano que volta após mais de 11 meses no exterior não tem mais direito a morar na ilha. Para evitar sua expulsão, Yoani rasgou seu passaporte e somente se apresentou aos oficiais da imigração meses depois. O governo a perdoou, mas desde então impede qualquer viagem dela. Quando Yoani criou o Generación Y, em abril de 2007, a situação, é claro, só piorou.
A dificuldade de sair do país é só um dos aspectos da vida dos cubanos abordados por De Cuba, com carinho. O livro reúne 103 posts do blog, escolhidos pela própria Yoani a pedido da Contexto. Quase todos foram escritos entre dezembro de 2008 e julho deste ano, embora as datas não apareçam na obra. “É uma forma de mostrar que o cenário social em Cuba é tão marcado pela falta de perspectivas de mudança que praticamente tanto faz um post ter sido escrito há um ano ou agora”, diz Yoani.
Um exemplo dessa penúria é o diálogo, testemunhado pela blogueira, entre um pai e uma filha pequena voltando do açougue. A criança lhe pergunta quantos frangos ele comeu na vida. O pai diz não ter ideia, mas a menina começa a fazer cálculos com base na idade dele e na média de meio quilo de frango a que a família tem direito a comprar. Em Cuba, o racionamento de comida tornou-se uma realidade diária, principalmente depois de 1991, quando a então União Soviética se desintegrou e parou de financiar a ineficiente economia cubana. O homem a interrompe e diz: “Minha filha, quando eu nasci, os frangos não vinham pela caderneta”. E a filha responde: “Ai, papai, você quer que eu acredite que antes, nos açougues, vendiam todo o frango que a gente queria?”.
Outro retrato de privação está no lanche com refrigerante oferecido a guardas e vigilantes de centros estatais. Yoani conta que esses funcionários vendem sua módica refeição para, algumas vezes, duplicar seus proventos. “Umas fatias de presunto e outras de queijo podem fazer a diferença entre ir todo dia ao trabalho ou ficar em casa”, diz Yoani. Num país em que o salário do funcionalismo não costuma passar de 20 pesos conversíveis por mês (cerca de R$ 35) e 1 litro de leite custa 2,40 pesos conversíveis, é fácil entender a importância de conseguir uns trocados com um sanduíche. Pelo menos os sistemas públicos de saúde e ensino ainda funcionam razoavelmente. O analfabetismo é próximo de zero; a taxa de mortalidade infantil é de 7,24 para cada mil nascidos vivos (a média da América Latina é de 26) e a expectativa de vida é de 77,4 anos (72 anos na América Latina).
Acostumada desde a adolescência com promessas de um dinamismo maior na economia e na política, Yoani não alimenta muitas esperanças de mudanças em Cuba. A ascensão de Raúl Castro em fevereiro de 2008, após a saída do poder de seu irmão e eterno líder, Fidel, trouxe a impressão de que algo poderia mudar. Entre outras medidas, Raúl liberou para os cubanos a venda de celulares e computadores e a hospedagem em hotéis, mas nada que animasse a blogueira (leia a entrevista na próxima página) : “Essas mudanças foram cosméticas. No fundo, Raúl é como Fidel, só que mais discreto”. Yoani também critica Raúl por ter ordenado, tão logo se instalou na Presidência, a adoção de um filtro que impede os cubanos de acessar o Generación Y dentro do país. Isso obriga Yoani a postar “às cegas”. O blog que ela mesma não vê tem uma média de 10 milhões a 12 milhões de acessos por mês, isso só para a versão em espanhol – voluntários fazem a tradução dos posts para outros 15 idiomas. Neste ano, foi escolhido um dos 25 blogs mais influentes do mundo, segundo a revista Time e a rede CNN.
Yoani teria muitas razões para querer ir embora de Cuba, mas isso não está em seus planos. “Queria muito viajar, mas meu lugar é aqui, com meu filho (Teo, de 14 anos) e meu marido (Reinaldo, de 62) . Amo esta ilha.” Um dos posts do livro resume bem o misto de descrença e teimosia que é a vida de Yoani. “O mar não será, em meu caso, a solução para este novo ciclo de calamidades que se inicia.”