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Vamos entender o final de “A dona do pedaço” | Rubens Marchioni

Vamos entender o final de “A dona do pedaço”:

Primeiro: independentemente da questão da dramaturgia, a empresa Rede Globo de Televisão SA tem, na TV Record, do “bispo” evangélico Edir Macedo, sob a bênção do desafeto global Jair Bolsonaro, a sua grande concorrente. Ora, nesse caso, do ponto de vista comercial, não seria coerente colocar uma personagem recém-convertida, crente de carteirinha, brilhando como missionária no Amazonas, recebendo o Prêmio Nobel da Paz e discursando na ONU. Os personagens representantes da Record teriam, necessariamente, de se dar mal, e o roteirista soube exatamente o que fazer. Caso contrário, a “Vênus Platinada” estaria credenciando a Igreja Universal do Reino de Deus. Porém, como se sabe, nessa praia não é assim que a banda toca.

Segundo: novela é ficção. Não se trata de reportagem, documentário, relatório, nada que deva representar fielmente a realidade e ter lógica. O escritor William Faulkner lembra que “O escritor tem uma incapacidade congênita para contar a verdade e é por isso que escreve ficção.” Portanto, é fácil entender como, depois de apanhar tanto e ficar semimorto, inviável, o personagem Camilo ressurge, com uma faca estranha aos objetos cenográficos na mão. De tudo isso, apenas o seu retorno, para o acerto final de contas com o rival, importa e é essencial à trama. Assim como tem pouca importância o nascimento de todos os filhos da Vivi Guedes, se isso aconteceu etc. etc.

Lembro-me de quando estudava Teologia, no seminário, alguém me perguntou por que a Bíblia nunca mencionou o fato de que, em dado momento, Jesus tomou banho usando determinado sabonete. Bem, isso não significa que o Messias fosse pouco higiênico ou tivesse acontecido um cochilo do evangelista ao não registrar o detalhe. Apenas sugere que o fato é irrelevante para o projeto de salvação que Deus preparou para a humanidade, tema central da Sagrada Escritura. Daí, por que o assunto não ocupa uma linha sequer nos Evangelhos, que se dedicam à vida pública do Filho de Deus e da sua missão terrena.

Terceiro: a ex-presidiária Josi não era necessariamente do mal. Ao contrário do que muitos acreditam, sua conversão pode muito bem ter sido autêntica, condição alterada por se tornar palco da luta do Mal contra o Bem, como sugerido no Evangelho de João, por exemplo – o depoimento não é meu, é de Jesus Cristo, eu apenas o transcrevo: “O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância.” [capítulo 10, versículo 10]. Um exemplo prático? Quando um voluntário prepara dezenas de pratos de sopa e vai, de madrugada, levar o alimento e distribuí-lo aos famintos de uma comunidade esquecida, não é incomum ocorrer um incidente, algo que comprometa a realização do propósito, como furar o pneu do carro exatamente no meio do nada e o motorista ainda ser assaltado. A morte, criativa, se sente pouco à vontade diante da vida, e precisa destruí-la a qualquer custo. É do jogo.

A propósito, quem se lembra das últimas cenas da novela, também vai se lembrar de que a fisionomia da Josi se transforma no momento em que beija o Régis, um estágio profundo de envolvimento entre duas pessoas decididas a fazer um trabalho humanitário. Por fim, e em questão de segundos, o rosto da jovem assume ares demoníacos – orelhas longas, pele esverdeada, olhos ameaçadores –, ao modo da personagem do filme “O exorcista”, um caso explícito de possessão.

Possuída pelo diabo, até mesmo uma linda garota como aquela personagem, cheia de boas intenções, se torna assustadora. Sobem créditos.


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RUBENS MARCHIONI é palestrante, publicitário, jornalista e escritor. Eleito Professor do Ano no curso de pós-graduação em Propaganda da Faap. Autor de Criatividade e redação, A conquista Escrita criativa. Da ideia ao texto[email protected] — https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao