Eu estava abrindo grandes canais de comunicação entre Israel e os Estados Unidos, mas ainda assim muita gente parecia não saber onde, ou mesmo o quê, Israel era exatamente. A percepção de que Israel tinha um enorme problema de relações públicas surgiu assim que comecei a vir aos EUA e falar com, bem, pessoas. Percebi que o que era de conhecimento comum para mim era uma novidade total para quase todo mundo. Só porque eu sabia sobre Cristóvão Colombo, a Declaração de Independência e a Proclamação da Emancipação não significava que alguém conhecesse a história de Israel, seus antecedentes e os perigos com que o país lidava diariamente. Não significava que alguém soubesse quem eram os israelenses. Fiquei chocada. Quer dizer, Israel era um assunto tão polêmico para tantas pessoas ao redor do mundo que, certamente, se as pessoas têm opiniões tão fortes sobre um país, devem estar um pouco familiarizadas com pelo menos alguns fatos básicos, certo? Deus, como eu estava errada.
Encontrei desinformação sob todas as formas, mesmo das pessoas mais bem-intencionadas e instruídas. Um dia, num encontro com minha antiga equipe de jovens atores, escritores e diretores, uma pessoa que já na época era promissora e hoje faz muito sucesso, que todos vocês conhecem, que iria ganhar muitos prêmios, um Oscar entre eles, se aproximou de mim.
“Então, você é de Israel!”, ela falou em tom anasalado.
“Sim, eu sou”, respondi.
“Bem, eu fico imaginando como seus pais se sentem em relação a você.”
Olhei para ela, confusa. “Tenho certeza de que eles estão orgulhosos de mim”, eu disse. “Por quê? Há algo que eu deveria saber?”
Ela piscou, a cabeça inclinada para o lado, e continuou. “Eu só fico imaginando como eles se sentem sobre você ser, você sabe, moderna e tudo o mais, sem todos os acessórios para a cabeça”, ela disse, fazendo movimentos circulares com as mãos envolvendo o rosto e a cabeça, no que só pode ser explicado como a mímica descritiva de um hijab.
Só para esclarecer as coisas: enquanto cobrir os cabelos pode ser uma escolha causada por fatores que variam da tradição à modéstia e à autoexpressão, os hijabs são usados principalmente por mulheres muçulmanas na frente de homens que não são de sua família. Embora eu ame um acessório foda tanto quanto qualquer mulher, minha experiência com os hijabs é limitada a um dia ensolarado ou ao Burning Man (para saber mais sobre isso, ver o capítulo “Uma breve história do Oriente Médio no último século”).
Histórias como essa se repetiram em centenas de variações nos anos seguintes. Inúmeras vezes eu me via contando a história de Israel. Explicando que não somos, de fato, o Afeganistão. Explicando como surgiu o país, como surgiram as fronteiras, desenhando centenas de mapas da região em inumeráveis guardanapos em festas e jantares. Tive que explicar que Israel é moderno pra caramba e qual é exatamente a diferença entre um kibutz e um assentamento (há grande diferença, só para deixar claro).
Percebi que as pessoas desconheciam alguns fatos básicos, tais como Israel ser o único país do Oriente Médio a ser uma democracia ininterrupta desde a sua fundação, em 1948, quando as Nações Unidas concederam aos judeus um Estado após os horrores do Holocausto. Também aos árabes foi oferecido um Estado na época, mas eles optaram por recusá-lo e começar uma guerra. Ouvi pessoas chamarem Israel de Estado colonialista, o que é absurdo, visto que é um Estado de refugiados que foi descolonizado do domínio britânico. Ouvi outras chamarem Israel de Estado de apartheid, o que também é absurdo quando o terceiro maior partido político em Israel é um partido árabe. Percebi que algumas pessoas veem todo o problema no Oriente Médio como um conflito israelo-palestino – uma história de Davi e Golias que coloca um povo sem força militar (os palestinos) contra uma das forças militares tecnologicamente mais avançadas do mundo (Israel). É fácil torcer para o azarão, mas essa dinâmica não é categoricamente o caso. O conflito não é entre o povo palestino e o povo israelense, porém entre todo o mundo árabe e Israel. São 21 países árabes, com uma população de aproximadamente 423 milhões, e um Estado judeu, com uma população de aproximadamente 9 milhões. Nesse confronto, quem é o Davi e quem é o Golias Percebi que as pessoas eram desproporcionalmente fascinadas por Israel, que quase todo mundo tinha uma opinião, mas que muita gente simplesmente não sabia do que estava falando. Eu me peguei explicando isso e muito mais, e acabei por me converter em fonte de informações e esclarecimentos sobre o tema para a minha comunidade.
No entanto, o que aconteceu nos anos seguintes é o que me qualifica para escrever este livro. Afinal, ninguém quer ler um livro histórico e um tanto político sobre um dos países mais controversos no planeta, de autoria de uma atriz/produtora aleatória, não importa quão adorável ela seja.
Tudo veio à tona numa noite em 2010. Eram cerca de onze horas e eu estava sentada diante do meu computador, navegando na então nova e excitante plataforma chamada Twitter, quando me dei conta de que Israel estava nos assuntos mais comentados. Na língua turca: “Israil”. Eu sabia o suficiente sobre relações internacionais para entender que provavelmente não era coisa boa. E não era. As manchetes eram agressivas: “Militar israelense mata nove ativistas da paz turcos tentando entregar ajuda a Gaza.” A internet estava em chamas, com posts indignados sendo compartilhados. Lembre-se que isso aconteceu em 2010: a mídia social estava apenas começando a tomar forma. Ainda participávamos ingenuamente do que pensávamos ser divertido, autêntico, com transparência de conexão e comunicação, não um monstro virtual que tomaria conta de nossas vidas e cortaria nossos cérebros (parafraseando meu conterrâneo, o grande best-seller Yuval Noah Harari). Entretanto, mesmo assim, a notícia não parecia certa. Servi nas forças militares, e isso simplesmente não era algo que faríamos.
Vasculhei, e – nenhuma surpresa – os fatos estavam completamente em desacordo com a história que estava viralizando. A flotilha turca compreendia 6 navios e quase 700 passageiros. Embora alguns provavelmente fossem ativistas bem-intencionados, pelo menos 40 eram ferrenhos islamistas ligados ao terrorismo que navegavam da Turquia para Gaza, com a intenção de quebrar o bloqueio na Faixa de Gaza imposto por Israel e pelo Egito (sim, e pelo Egito). O bloqueio foi consequência de atividades terroristas do Hamas, que incluíram disparo de mísseis sobre Israel e um desejo geral de varrer o país do mapa (conforme declarado na carta de princípios do Hamas; chegaremos a isso também). Os israelenses tentaram primeiro fazer um acordo com os turcos, sugerindo que os navios ancorassem em um porto israelense no qual as mercadorias seriam verificadas e levadas a Gaza por terra, mas os turcos recusaram. Israel então tentou fazer o navio parar, e, somente depois de serem ignorados, os agentes da marinha israelense embarcaram. Quando os comandos desceram de um helicóptero, enfrentaram “resistência organizada e violenta”,1 incluindo ataques com barras de ferro.
Quando um manifestante agarrou a arma de um dos comandos, os soldados abriram fogo. Dez2 cidadãos turcos foram de fato mortos, o que foi uma lamentável perda de vidas, porém é fundamental assinalar que pelo menos alguns desses homens vieram preparados para lutar, e uma luta foi o que tiveram.
Demorou alguns dias para que os vídeos do ataque fossem levados a público, e eles validaram a versão de Israel sobre os acontecimentos. Contudo, àquela altura, a opinião pública e o universo da internet já haviam decidido que Israel, numa bela manhã, assim do nada, matou nove ativistas da paz que estavam relaxando no convés do Barco do Amor.
Eu me vi grudada na tela do meu computador nos dias seguintes, em guerra contra trolls no Twitter e percebendo: “Jerusalém, temos um problema.” Israel tinha relações públicas ruins o suficiente na mídia da velha escola, mas um tsunami terrível estava prestes a ocorrer on-line, onde mentiras, desinformação e “fatos” se tornam “realidade” em um piscar de olhos. As FDI e o governo israelense ainda estavam operando na Idade da Pedra, na base do “estamos verificando os fatos antes de divulgá-los, então, por favor, seja paciente, isso pode levar alguns dias”. Porém, nesse novo mundo on-line não era mais uma questão de dias, mas de segundos. Pela primeira vez temi pelo futuro do meu país. Os problemas de relações públicas de Israel estavam prestes a se transformar em uma ameaça existencial.
Tornou-se minha missão pessoal me colocar on-line para tentar chegar à verdade. Enquanto eu tuitava como uma possessa e ficava maluca, umas poucas pessoas afins me enviaram mensagens. Todos nós nos reunimos em torno do mesmo pensamento: alguém tinha que assumir a mídia social, e como o governo israelense não estava prestando atenção suficiente na época, ele precisava de nós. Em 2011, nosso grupo incrivelmente automotivado formou o Act for Israel, a primeira organização on-line de defesa e resposta rápida, dedicada à divulgação da verdade e à luta contra trolagens pré-bots. Era como dirigir no Velho Oeste com um iPhone e um MacBook Pro.
Foi quando minha defesa se tornou não só o que eu fazia em jantares e festas, mas uma verdadeira vocação. Comecei a trabalhar com organizações pró-Israel nos EUA, com ONGs e extraoficialmente com o governo de Israel. Criamos tuítes e postagens com o propósito de divulgar notícias positivas e desmascarar falsidades quando as víamos. O Act for Israel também criou apresentações para explicar às pessoas em posições de poder, no governo israelense e em outras grandes organizações, como este novo mundo operava. Nós nos apoiávamos em dados, como no fato de que 87% das pessoas com menos de 30 anos de idade recebiam notícias pelo Facebook. Na época, esse tipo de coisa era um choque total para qualquer um com quem nos encontrássemos.
Espalhamos o evangelho dessa realidade on-line em mudança, enviando blogueiros para Israel, coletando dados sobre tuítes e postagens, e nos reunindo com ONGs, o governo e os oficiais das Forças de Defesa de Israel, como seu porta-voz, o brigadeiro-general Yoav (Poli) Mordechai. Quando eu o informei sobre essa intifada eletrônica, uma segunda flotilha da Turquia estava a caminho de Gaza, e nós a seguimos de perto enquanto eu o acompanhava em nossa apresentação.
Poli me disse mais tarde que, tão logo saí de seu escritório, ele ligou para sua equipe e a instruiu a revisar completamente como as Forças de Defesa de Israel usavam as redes sociais. Com base em nossa apresentação e na reunião que tive com ele, as FDI reformularam totalmente sua estratégia on-line, passando a ser ativas nas mídias sociais. E, independentemente da nossa apresentação, o incidente com aquela segunda flotilha terminou rápida e silenciosamente e, felizmente, sem perda de vidas.
Foi assim que a defesa de Israel e o ativismo político se converteram em uma parte importante da minha vida, do meu trabalho e da minha identidade. Mas foi preciso outro evento viral para que o público israelense me apoiasse. E, como sempre, estava fora do meu controle.
Conheça mais sobre o livro Israel: uma nação fascinante e incompreendida (leia um trecho)
Noa Tishby é atriz, produtora, escritora e ativista. Nasceu e cresceu em Tel Aviv e serviu nas forças militares por dois anos e meio antes de fazer o papel de protagonista na série dramática de maior audiência em horário nobre local, Ramat Aviv Gimel. Ela se tornou referência, participando de inúmeros programas televisivos, filmes, produções teatrais e campanhas de moda nacionais, antes de se mudar para Los Angeles, onde vendeu a série televisiva israelense In Treatment para a HBO. Tishby fundou o Act for Israel, organização sem fins lucrativos, que foi a primeira trincheira on-line de combate às fake news sobre o país e, em 2022, foi nomeada pelo governo de Israel enviada especial no combate ao antissemitismo e à deslegitimização.