O livro Política Externa e Jornalismo poderia se chamar, alternativamente, “Política Externa e Comércio Exterior do Brasil: história de três décadas, de 1970 a 2003 – ensinamentos para o presente e o futuro das relações globais do País”. O subtítulo reflete o conteúdo do livro, com passagens históricas da diplomacia e do setor privado que ajudam a montar o quebra-cabeça do País no mundo atual.
Vejamos a política africana do Brasil na década de 1970, tema da dissertação que apresentei no Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Paris I, Panthéon-Sorbonne, e que consta no livro. Os governos militares, sobretudo dos generais Médici e Geisel, fizeram uma guinada histórica em direção aos países africanos, que se tornaram independentes das metrópoles europeias. A partir daqueles gestos de aproximação com a África, entre 1973 e 1976, o Brasil estabeleceu um relacionamento de investimentos e de comércio que hoje rende bons frutos, e poderia render muito mais, de acordo com especialistas citados no livro.
“O Brasil precisa atualizar sua visão sobre o continente africano, que hoje é o que mais cresce no mundo depois da Ásia. A África do século 21 quer investimentos e desenvolvimento econômico a partir de novas bases, industrializar-se e pular etapas, já visando uma agenda do futuro, mais tecnológica e sustentável. O mundo está fazendo negócios com os países africanos, o Brasil está ficando para trás”, declara Natália Dias, CEO do Standard Bank Brasil, banco de origem sul-africana. Natália, assim como outros estudiosos da África, fazem comentários bastante oportunos no livro Política Externa e Jornalismo.
Na década de 1980, nos governos do general João Baptista Figueiredo, o último da ditadura militar, e de José Sarney, o Brasil vivia às voltas com o problema da dívida externa, altíssimas taxas de inflação, escassez de recursos no mercado internacional, desemprego e necessidade de fazer malabarismos para alavancar o comércio exterior, responsável por trazer divisas ao País. Estudantes de economia e de relações internacionais certamente gostarão de aprender como funcionavam mecanismos como countertrade, com suas modalidades de barter, clearing e buyback, de uma forma mais simples, por meio de reportagens que o livro traz. E a famosa “gaveta da Cacex”, e o Conselho Interministerial de Preços, o temido CIP? Os empresários que viveram aqueles anos de controle de preços e das dificuldades para importar sabem muito bem dos caminhos pedregosos que percorreram.
As matérias citadas no livro são como tijolinhos, que ajudam a entender o Brasil econômico dos anos 1980 e a sua interface na diplomacia. O País enfrentava o protecionismo dos EUA e da União Europeia, que dificultava as exportações de têxteis, siderúrgicos e outros produtos, a retaliação americana relacionada à falta de proteção às patentes de medicamentos no Brasil, e outros entraves. A punição, nesse caso, foi a imposição de 100% de tarifa ad valorem sobre exportações de papel e derivados, produtos químicos e eletrônicos. E a proibição dos EUA para a Petrobras importar um supercomputador? Estávamos na última década da Guerra Fria e os EUA temiam que a venda ao Brasil de tecnologias sensíveis, para fins civis e militares, pudesse cair em mãos de países inimigos, capazes de usá-las na construção de artefatos nucleares.
Cobri todo o processo de integração entre o Brasil e a Argentina, a criação do Mercosul e as discussões para a constituição de uma área hemisférica de livre comércio, a Alca. São muitas histórias reveladas em 23 anos de reportagens (de 1980 a 2003) que escrevi para a Gazeta Mercantil, um dos mais importantes jornais brasileiros, aquele que foi por muito tempo a leitura indispensável de figuras do poder e do empresariado nacional.
A China, hoje a segunda potência econômica mundial, que rivaliza com os EUA em alta tecnologia, é a principal parceira comercial do Brasil e o maior investidor asiático na economia brasileira. Era um país em desenvolvimento na década de 1980, como mostro no livro, e teve no Brasil seu grande aliado para ser aceita como país-membro da Organização Mundial do Comércio. Em 2024, comemoram-se os 50 anos da relação Brasil-China. Convido os leitores a conhecerem os esforços desenvolvidos por diplomatas e empresários, nas décadas passadas, para atingirmos mais de US$ 100 bilhões de exportações ao mercado chinês, em 2023.
Interessados em jornalismo, em comunicações e no debate sobre inteligência artificial, assunto com o qual nos deparamos todos os dias no noticiário, poderão achar um absurdo, ou uma insensatez, o que se discutia na década de 1970: uma nova ordem mundial da informação e da comunicação, patrocinada pela Unesco. É que, no contexto da Guerra Fria, conflito ideológico entre o capitalismo, defendido pelos EUA, e o socialismo, pela União Soviética, debatiam-se conceitos e modelos de imprensa – a capitalista ou liberal, a socialista e a terceiro-mundista. Os países em desenvolvimento, que queriam ter voz própria na comunicação, enxergavam as agências internacionais de notícias, sediadas no mudo capitalista — EUA e Europa —, como propagadoras de informações tendenciosas sobre o Terceiro Mundo: eram acusadas de noticiar apenas golpes de Estado e catástrofes.
Pode-se questionar as agências internacionais de notícias sobre o que elas não escreveram, ou sobre o que elas não cobriram, ou o viés utilizado, mas o que elas publicam observa certos métodos, critérios, parâmetros técnicos e éticos, analisa o jornalista, professor e autor de livros sobre ética e comunicação Eugênio Bucci, um dos meus entrevistados no livro.
Hoje, o controle da informação está em mãos de quem detém capital e tecnologia, como as cinco grandes da internet – Google, Facebook, X (antigo Twitter), Instagram e WhatsApp, conglomerados monopolísticos. Ou seja, o controle da informação, que estudei na década de 1970, continua atual, mas não mais no contexto da Guerra Fria, e sim na era da internet, das fake news e de seus desdobramentos na sociedade global, que precisa cada vez mais discernir entre a informação-verdade e as notícias fraudulentas. E a esses acontecimentos se somam a Inteligência Artificial e seus reflexos nas redações que produzem notícias, nesta terceira década do século 21.
O livro Política Externa e Jornalismo é destinado a jornalistas, estudantes de jornalismo e de comunicações, aos profissionais e estudantes de relações internacionais e comércio exterior, a economistas, empresários, diplomatas, estudantes do Instituto Rio Branco e historiadores.
Maria Helena Tachinardi trabalhou 23 anos na Gazeta Mercantil (1980-2003). Foi correspondente do jornal em Washington, DC (1996-1998). Estudou jornalismo na Espanha (Universidade de Navarra) e na França (Centre de Formation et Perfectionnement des Journalistes). Cursou Relações Internacionais na Universidade Paris I – Panthéon Sorbonne, no Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine (Paris III) e na Universidade de Brasília (UnB). Na Universidade de Maryland (EUA) estudou processos de tomada de decisão na política externa norte-americana.