Marcos Napolitano, professor de História do Brasil Independente na Universidade de São Paulo (USP), estará na roda de debates do evento 25 anos – O Contexto Histórico, que acontecerá no próximo dia 4 de junho na Livraria Cultura (Conjunto Nacional – SP). Doutor em História Social e Livre-Docente, ambos pela USP, Napolitano foi professor no Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e professor visitante do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) da Universidade de Paris III. Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar e na área de história da cultura, Marcos também possui experiência na área de história e cinema e no uso do audiovisual no ensino, com diversos livros publicados pela Editora. Sobre assuntos que serão debatidos no evento, o professor conversou com o blog da Contexto:
1) Mesmo depois de a democracia ser conquistada, a política no Brasil ainda é conservadora?
Em parte sim. Avançamos em muitos aspectos institucionais, mas o tom geral da política brasileira é conservador. Na minha opinião, isto ocorre por conta de dois processos que se conjugaram nos últimos 25 anos. Em primeiro lugar, a sociedade civil ficou politicamente mais conservadora, se compararmos com os anos finais do regime militar. Em segundo lugar, a própria transição democrática foi fruto de um pacto conservador entre os liberais civis e os militares que estavam no poder. Apesar disso, é inegável que a democracia política brasileira avançou em vários aspectos institucionais. O desafio atual da democracia brasileira é combater a corrupção estrutural, promover uma melhor distribuição de renda e superar a tenaz precariedade dos direitos civis. Ou seja, remover o legado que o conservadorismo histórico nos deixou.
2) Como professor universitário, você acha que o meio acadêmico ainda é um reduto de mobilização política como costumava ser com os movimentos estudantis?
O meio acadêmico está mais burocratizado, especializado e profissionalizado. Ao mesmo tempo, ele perdeu o lugar que tinha na sociedade, qual seja, o de formulador de grandes políticas e pensamento crítico global. O movimento estudantil ainda continua combativo em muitos aspectos, defendendo uma pauta de temas ligados à juventude, mas também perdeu a capacidade de se articular e sintetizar lutas sociais mais amplas. Ao que parece, o fim do regime militar deixou intelectuais e estudantes sem um ponto de referência crítico comum, favorecendo a fragmentação de opiniões, o sectarismo e a divisão interna destes setores (quando não, a pura e simples apatia política). Por outro lado, esta “saída de cena” de intelectuais e estudantes tem um lado interessante: os movimentos sociais de trabalhadores e outros movimentos associativos de base assumiram um papel mais protagonista, deixando de ser tutelados. Uma pergunta que é comum no meio acadêmico hoje em dia, sobretudo na área de humanidades, é “qual a nossa função no mundo contemporâneo”? Alguns mais pessimistas até se perguntam: “ainda temos uma função”?
3) O que mais mudou no ensino de História nas escolas nesses últimos 25 anos? Como devem ser abordados esses novos temas?
O ensino de história perdeu as referências teóricas que o pautavam até meados dos anos 1980. Os grandes esquemas explicativos – marxismo, mentalidades ou estruturalismo – perderam espaço na historiografia, com o retorno do espírito de erudição (ou seja, a pesquisa documental ampla e a explicação detalhada dos eventos e processos) e o predomínio de conceitos e temas ligados à dimensão cultural da vida social. Hoje, os historiadores buscam novos sujeitos, temas e perspectivas que vão além dos domínios historiográficos clássicos (econômico, social ou político). No plano do ensino superior de história, há a deformação da chamada “especialização precoce”, quando o aluno se transforma em especialista sem dominar grandes linhas explicativas, debates bibliográficos amplos ou grandes processos globais. No ensino básico, em que pese a sofisticação dos materiais didáticos, há um excesso de demandas curriculares para o professor de história, fazendo com que curiosidades e fatos diversos ocupem a cena principal da história, impedindo que o aluno tenha uma visão global, crítica e processual do passado. Em resumo, a conquista de novos temas e novas fontes veio para ficar, e são bem vindas, mas os velhos domínios que dão uma idéia de conjunto e sentido não devem ser simplesmente descartados pelos professores. O desafio do ensino de história, em particular, é fazer boas seleções e sínteses de conteúdo, articuladas às devidas atividades que desenvolvam habilidades e competências específicas para pensar a relação passado-presente.