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A Revolução Pernambucana de 1817

Enquanto o Rio de Janeiro avançava com as iniciativas progressistas após a chegada da Corte, as regiões açucareiras do Nordeste como Bahia e Pernambuco se sentiam desprestigiadas, apesar dos lucros que ainda advinham da grande produção açucareira. Velhos ressentimentos do período colonial foram lembrados quando a Bahia perdeu as oportunidades de voltar a abrigar a capital da colônia. E Pernambuco continuava com a memória das derrotas do século anterior.

Os pernambucanos se sentiram particularmente injustiçados pela escolha do Rio de Janeiro para capital da Corte e depois do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, porque entre eles ainda predominava a ilusão de que o Nordeste era o responsável pela exportação da maior riqueza colonial, o açúcar. (Na verdade, essa região já tinha sido economicamente superada por outras áreas produtivas.) Alegavam ainda que a importância da sua luta contra os holandeses lhes garantia direitos especiais não respeitados pela monarquia. Além do apelo do velho regionalismo, contribuíam para a insatisfação dos pernambucanos – contra os “exploradores” (chamados por eles de marinheiros) e a Coroa – várias das ideias revolucionárias iluministas em voga na época. Essas ideias tinham lugar especial na Maçonaria. (A Maçonaria era uma sociedade criada no fim do século XVII e início do XVIII na Escócia e na Inglaterra por comerciantes e nobres de tendência liberal. Essa instituição defendia o progresso da ciência, a educação geral, a liberdade de produção e comércio e a liberdade religiosa, constituindo-se em um núcleo difusor do ideário do iluminismo e do combate ao absolutismo. No Brasil, do século XIX havia vários grupos maçons clandestinos.) O costume das elites de enviar seus filhos para serem educados na Europa (de onde traziam para o Brasil o ideário iluminista) somava-se aos contatos comerciais e ideológicos com membros da maçonaria inglesa que acabariam por influir no movimento que passaria à História com o nome de “Revolução Pernambucana”.

O descontentamento dos pernambucanos em 1817 desembocaria em um movimento revolucionário que chegaria à ação com lutas contra o poder real e se estenderia pelos arredores de Pernambuco. Os conspiradores queriam, entre outras coisas, cortar os laços com a monarquia portuguesa (e, consequentemente, deixar de pagar-lhe impostos) e instituir um regime republicano na região.

Mas as autoridades ligadas à Coroa estavam atentas. O desembargador da Alçada informava o governador-geral por carta da existência de uma loja maçônica em Recife frequentada pela maioria das autoridades militares de ordenanças e milícias, pelos filhos de senhores de engenho, por comerciantes franceses e pelo cônsul americano. Contudo, não se sabe ao certo seu nível de envolvimento no movimento revolucionário pernambucano. O personagem mais ativo era o comerciante Domingos José Martins, que se estabelecera em Recife em 1814, depois de chegar de Londres, onde aderira à Maçonaria. Contudo, os maiores propagandistas, até para fora da capitania, eram os religiosos formados pelo Seminário de Olinda, onde as ideias do iluminismo eram livremente discutidas na época.

De fato, os conspiradores não eram muito discretos (até um jornal português publicado em Londres, O Português, mencionou o clima de revolta que vigorava em Recife), e muitas denúncias chegaram aos ouvidos do governador capitão general Caetano Pinto de Miranda Montenegro.

Bênção das bandeiras da Revolução de 1817, óleo sobre tela de Antônio Parreiras.

Em 6 de março de 1817, o governador convocou para o palácio os comandantes da tropa para discutir detalhes da repressão à conspiração em curso, que incluíam castigos físicos e até mesmo assassinatos. Em seguida, os suspeitos civis Domingos José Martins, padre João Ribeiro, o negociante Antônio Cabugá, o cirurgião Guimarães Peixoto e outros foram convocados. A ordem de apresentação dos oficias não foi obedecida e a tentativa de prendê-los resultou em mortes de vários deles.

Os rebelados responderam ao governador exigindo que deixasse Pernambuco. Montenegro fugiu de barco e, após sua partida, explodiu a alegria popular contra os portugueses com gritos de “Mata marinheiro” (marinheiro era um apelido dado aos lusitanos). Na algazarra, gritava-se ainda “Viva a pátria, morra marinheiro!”. O líder da revolta, Domingos José Martins, organizou uma junta, à guisa de governo provisório, com seus companheiros de luta, da qual fez parte um representante de cada grupo de interesse contrário à dominação da Coroa portuguesa: ligado aos eclesiásticos, o padre e professor João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro; ligado ao grupo militar, Domingos Teotônio Jorge; pela magistratura, o advogado José Luis de Mendonça; ligado aos proprietários de terra, coronel Manoel Correia de Araújo; do grupo dos comerciantes, o próprio Domingos José Martins. Em 14 de março de 1817, para auxiliar o novo governo, foi criado um conselho de cinco pessoas: o comerciante Gervásio Pires Ferreira; o capitão-mor de Recife Antonio de Morais e Silva (autor do primeiro dicionário brasileiro); o ouvidor Antonio Carlos de Andrada, paulista, irmão de José Bonifácio (de brilhante carreira política no futuro); o deão de Olinda Bernardo Luis Ferreira; e o proprietário Manoel José Pereira Caldas.

Todos os oficiais foram promovidos. Os impostos foram suspensos. As pessoas passaram a ser obrigadas, sob pena de morte, a assinar “Patriota” junto a seus nomes. Na Quarta-Feira Santa, uma nova bandeira, a republicana (dividida ao meio: na parte de cima azul-escuro, uma estrela e um arco-íris e, na de baixo, um sol – segundo uma simbologia maçônica) foi batizada, numa curiosa mistura de crenças e doutrinas. A questão de criar ou não um novo país (desligado do Brasil) não ficou muito definida, principalmente pela heterogeneidade dos revolucionários e de seus níveis de informação. Alguns queriam se separar do Sul, mas a maioria esperava a adesão do resto do Brasil ao movimento.

Os revolucionários estabeleceram contatos com outros maçons em Londres e na Filadélfia (EUA) e proclamaram a fraternidade republicana com os Estados Unidos e a França. Contudo, os Estados Unidos não os apoiaram e até embargaram o envio de armas para os rebeldes porque, envolvidos em conflitos próprios, não queriam participar de um assunto tão longínquo e desconhecido.

O sucesso do movimento foi propagandeado pelos padres, obtendo, com isso, a adesão até dos oligarcas das famílias Cavalcante e Albuquerque, além de outros do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Alagoas. Apesar desses sucessos, a expansão do movimento revolucionário para as províncias vizinhas também conheceu fracassos, além de decepções com ex-partidários mudando de lado conforme seus interesses familiares e os ventos da reação.

Na Bahia, o governador conde dos Arcos mandou executar o padre Roma, ex-carmelita de Recife, participante e propagandista enviado para divulgar o movimento entre os baianos. No Ceará, foram presos os irmãos Alencar (José e Tristão) e sua mãe dona Barbara de Alencar (só seriam libertados em 1820), representantes de uma antiga oligarquia muito respeitada (e que existe até hoje). Outros revoltosos (como Cipriano Barata, proprietário que já participara do movimento baiano), no entanto, não foram punidos pelo governador de Pernambuco, apesar de denunciados desde 1798.

A reação repressiva organizada no Rio de Janeiro, Bahia, Alagoas, Ceará e Recife foi financiada pelos comerciantes dessas praças e que temiam prejuízos nos seus negócios com Portugal. A Coroa enviou tropas que reprimiram os revoltosos com violência e eficiência, conseguindo sufocar a resistência comandada por Domingos José Martins. Nos festejos da chegada da esquadra do Rio de Janeiro, enviada por D. João para combater o movimento separatista, até mulheres brancas, pardas, negras a saudaram com bandeiras por temor da violenta repressão que certamente viria.

Em 19 de maio, os revolucionários Domingos Teotônio Jorge, José de Barros Lima e o padre João Ribeiro fizeram uma retirada para o norte, rumo ao Ceará, com seus 2 mil soldados; ficaram acampados no Engenho da Paulista. Dissolveu-se a “República” e o padre João Ribeiro, desiludido, enforcou-se.

Como sempre no país, o comando da repressão começou pelos mulatos forros e crioulos, que foram postos a ferro e açoitados (300, 400 e 500 açoites). A participação popular na Revolução Pernambucana ainda é um aspecto pouco estudado, mas é fato que esse segmento – sempre disposto a participar de movimentos que lhe dessem vagas promessas de liberdade e melhoria de condições de vida – era facilmente punido em caso de fracasso, pois os vencedores temiam qualquer manifestação popular que pudesse desembocar em mudanças sociais radicais.

Domingos José Martins, o rábula Mendonça e o padre Miguelinho foram levados a ferros até Salvador, onde acabaram fuzilados. Domingos Teotônio, José de Barros Lima, Pedro de Sousa Tenório (vigário de Itamaracá) e o tenente de artilharia Antônio Henriques foram fuzilados em Pernambuco. Cento e quatro outros presos de mais peso social (membros da elite) foram mandados para a Bahia como condenados à morte, mas acabaram perdoados pelo rei com objetivo de acalmar os nordestinos.

O prestígio da monarquia no Nordeste ficou abalado por bastante tempo e o descontentamento pernambucano continuou existindo de forma latente (isso fica comprovado pela Revolução de 1824, feita depois da Independência).


Laima Mesgravis é doutora e livre-docente pela USP, universidade em que se formou e onde lecionou até a aposentadoria, tendo sido assistente de Sérgio Buarque de Holanda. Dotada de profunda cultura histórica, particularmente no que se refere ao período colonial, é autora do livro “História do Brasil Colônia“.


Fonte: MESGRAVIS, Laima. “A Revolução Pernambucana de 1817”. História do Brasil Colônia. Editora Contexto.
Imagem de capa: A bandeira da Revolução Pernambucana de 1817 inspirou a atual bandeira de Pernambuco. As três estrelas representam Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, e outras estrelas seriam inseridas ao passo que outras capitanias do Brasil aderissem oficialmente à confederação.