Profissional referência nas discussões sobre saúde defende rótulo de advertência nas mídias sociais para preservar bem-estar mental da juventude
A figura do Surgeon General dos Estados Unidos representa uma espécie de médico-chefe do país, uma bússola para recomendações na área da saúde. E o atual ocupante do cargo, Vivek Murthy, se preocupa há anos com o impacto das redes sociais no equilíbrio mental de crianças e adolescentes.
Em maio de 2023, Murthy divulgou um comunicado sugerindo que as redes sociais possivelmente não eram seguras para a saúde mental dos mais jovens e alertando que o uso dessas plataformas apresentava “um risco profundo de dano” para a nova geração. O anúncio estava embasado em uma série de evidências científicas, embora esse campo de estudos ainda esteja em desenvolvimento.
Agora, o Surgeon General deu um passo além. Em um movimento amplamente divulgado nos EUA, ele propõe o uso de um rótulo de advertência com seu selo nas plataformas de redes sociais. A proposta, que segue um modelo semelhante ao usado para reduzir o consumo de tabaco, visa alterar o comportamento em relação ao uso de Instagram, TikTok e companhia, informando às famílias que o médico-chefe do país considera prejudicial a exposição dos filhos a essas mídias.
A proposta do rótulo seria uma medida inicial de combate aos danos impostos pelo consumo desenfreado de conteúdo digital e pela hiperconexão mantida pelos aplicativos. Murthy não acredita ser justo (nem eficaz) que toda a responsabilidade recaia sobre as famílias.
Ele apoia que ações sejam tomadas pelos formuladores de políticas e pelas empresas responsáveis por essas tecnologias – elas deveriam, por exemplo, ser mais transparentes e compartilhar seus dados com o público e pesquisadores independentes.
Há razões para nos preocuparmos com a saúde mental dos nossos adolescentes, particularmente as meninas. Pesquisas recentes mostram um aumento preocupante nos comportamentos de autoagressão e propensão ao suicídio entre crianças e adolescentes nos EUA, na Europa e no Brasil.
Em solo americano, visitas hospitalares por tentativas de suicídio em jovens aumentaram 31% entre 2019 e 2021. Na Europa, internações por tentativas de suicídio cresceram em países como Reino Unido e França. No Brasil, entre 2011 e 2022, houve um aumento anual de 6% na taxa de suicídio entre jovens, enquanto as notificações de autolesões na faixa etária de 10 a 24 anos cresceram 29% ao ano durante o mesmo período.
Embora a pandemia de Covid-19 pareça ter deixado um legado negativo, a tendência de piora começou bem antes disso. A psicóloga Jean Twenge, professora da San Diego State University, conduziu uma extensa pesquisa que revelou um declínio significativo na saúde mental de crianças e adolescentes a partir de 2012, período que coincide com a ampla adoção de smartphones e redes sociais.
Os estudos de Twenge sugerem uma forte correlação entre o aumento do uso de celulares e aplicativos e as taxas crescentes de depressão, ansiedade e solidão entre os jovens desde então. Quanto maior o uso, piores os resultados.
As mídias sociais são construídas para estimular uma exposição crescente a seus conteúdos, gerando dependência, sentimentos de isolamento, redução na qualidade do sono e piora na autoestima e autoimagem dos jovens.
Jonathan Haidt é outro psicólogo amplamente conhecido por suas pesquisas sobre os efeitos nocivos das redes sociais na saúde mental dos adolescentes. Professor da Universidade de Nova York e autor do best-seller A Geração Ansiosa (Companhia das Letras), ele destaca que essas mídias intensificam a comparação social e a ideia de inadequação entre os mais jovens, que contrastam sua vida “comum” com a exuberância irreal das experiências divulgadas nas redes.
Os problemas vão além disso. Haidt aponta o impacto da comunicação digital no desenvolvimento de habilidades sociais e nos relacionamentos pessoais diretos, evidenciando os riscos relacionados à diminuição da interação presencial e ao aumento da dependência das interações digitais.
Os sinais de alerta estão claros. E há muitas possibilidades de ação e intervenção. Quer um exemplo? No Brasil, um grupo de pais e mães, apoiados por profissionais da saúde, lançou um movimento para promover “redução, controle e adiamento do acesso a smartphones e redes sociais” por crianças e adolescentes.
O Movimento Desconecta se inspira nas recomendações de Haidt e outros especialistas, propondo medidas para pais, escolas e legisladores. As principais iniciativas incluem restringir o acesso a smartphones até o ensino médio, evitar o uso de mídias sociais até os 16 anos e estabelecer escolas como ambientes livres de celulares.
Fonte: Revista Veja
Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora ligada à Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto) e foi consultora da OMS e professora da Unifesp e da Universidade Colúmbia (EUA)
Começamos navegando na internet, hoje estamos nos afogando nela.
Oi, Rodolfo! As redes sociais hoje tem um papel bem diferente do que era no início.
Que bom que gostou do artigo da nossa autora.
Esperamos que tenha sempre ótimas leituras.