No primeiro ano em que dois livros de Linguística são indicados como finalistas do Jabuti, “o mais importante prêmio do livro brasileiro”, os dois são premiados, o que pode abrir espaço para uma categoria exclusiva para estudos sobre a língua, distinta da categoria de Teoria e Crítica Literária. Tive a honra e a felicidade de ser premiado em segundo lugar, com o livro Língua e Sociedade Partidas: a polarização sociolinguística do Brasil. A premiação desse livro tem um significado especial, pelo seu compromisso com a luta contra o preconceito linguístico, que é hoje um dos poderosos mecanismos de legitimação ideológica de uma sociedade absurdamente desigual, injusta e cruel. Em sua análise histórica, o livro revela as raízes racistas da discriminação das formas mais típicas da linguagem, que, dialeticamente, reflete e alimenta o apartheid social brasileiro.
O livro nasce de minha ativa intervenção no episódio do “livro de português do MEC”, de 2011, quando os setores mais reacionários da sociedade, em sua campanha de desestabilização dos governos petistas, atacaram a política governamental de fomentar um estudo de língua materna mais pluralista e inclusivo. O desenvolvimento dessa reflexão foi sistematizado na tese, que defendi, em 2012, para alcançar o posto de Professor Titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Em seguida, veio o trabalho para dar ao texto da tese um formato de livro que pudesse atingir um público mais amplo. Assim, o livro publicado pela Editora Contexto, em 2015, contém uma análise da realidade sociolinguística do Brasil, com base numa ampla reflexão teórica sobre o paradigma da Sociolinguística Variacionista. Apesar de se concentrar no período que vai da Revolução de 1930 aos dias atuais, o livro também lança luzes sobre as raízes históricas da divisão linguística do país, que remontam ao início da colonização portuguesa, nas primeiras décadas do século XVI. Para além de uma discussão acerca do processo de normatização da língua, em que a elite brasileira adota o cânone lusitano, no século XIX, no bojo do projeto de “branqueamento do país”, o livro também apresenta, em sua introdução e conclusão, uma reflexão sobre a posição sui generis da língua na cultura e sobre as barreiras que se colocam para difusão de uma visão científica da linguagem na sociedade.
Pessoalmente, fico muito feliz em ter podido fazer uma digna homenagem à memória do meu irmão Eustachio Ramacciotti (1963-2011), que se elevou entre nós, por seu amor, sua generosidade e solidariedade, e por sua luta por uma sociedade mais justa e igualitária, valores que adquirem uma relevância ainda maior nos tempos que correm, tão sombrios, tão adversos.
Dante Lucchesi é o professor titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense, mestre em Linguística Portuguesa Histórica (Universidade de Lisboa) e doutor em Linguística (UFRJ). Criou e coordena o Projeto Vertentes do Português Popular do Estado da Bahia, com Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq. É autor pela Contexto de “Língua e sociedade partidas”.
A imagem ilustrativa é da obra “Operários”, de Tarsila do Amaral