Houve um tempo em que se discutia o futuro do Brasil. O escritor Stefan Zweig, muito famoso na ocasião, saiu da Áustria e veio se refugiar nestas terras tropicais, tentando fugir do nazismo. Após escrever um livro em homenagem à terra que o recebeu (“Brasil, país do futuro”), deu fim à sua própria vida. Os Estados Unidos haviam crescido de forma vertiginosa no século XIX, enquanto nós havíamos marcado passo, graças a um sistema agrário arcaico, que explorou mão de obra escrava até nos tornarmos o último país ocidental a conservar esse tipo de força de trabalho, humilhante para explorados e exploradores (além de pouco eficaz). Mesmo assim havia os que acreditavam no futuro do país e Zweig não foi o primeiro nem o último.
Minha geração também acreditou. Em alguns momentos parecia faltar pouco para deslancharmos de vez. Mas, alguma coisa sempre acontecia. Ou era um governo particularmente ruim, ou a conjuntura internacional que nos desfavorecia, ou falta de infraestrutura, ou pouca gente fazendo faculdade, ou muita gente fazendo faculdade, ou dengue, ou tantas outras coisas… E a gente acreditando no futuro do Brasil. A triste conclusão, depois de tudo, é que o país não vai. Vai é ser sempre o que já é: uma terra de gente simpática, agradável, sociável, mas um país de segunda, com enorme desigualdade social, uma elite econômica tendendo para a arrogância, o povo defendendo-se com certa dissimulação, corrupção endêmica e estrutural, governantes de todos os poderes usufruindo as benesses de seus cargos e o país, como um todo, distanciando-se, cada vez mais, das economias principais, seja dos tigres asiáticos, dos ursos europeus, dos cangurus australianos e até das lhamas andinas.
Sim, temos um motivo estrutural para isso: o Brasil tornou-se em 1822, formalmente, um estado nacional, mas não era nada disso. A maior parte dos países se organiza de baixo para cima, criando, paulatinamente uma consciência de identidade nacional e só depois busca se constituir politicamente, desvincular-se de ligações que eventualmente tinha (dependência política, heterogeneidade cultural e/ou religiosa, libertação nacional, etc.). O estado nacional vem depois, não antes. Basta pensar como se constituíram estados nacionais tão diversos como Estados Unidos, França, Rússia, Israel ou Angola para que esses processos históricos fiquem claros. No Brasil ocorreu algo bem diferente: tivemos um filho do rei de Portugal liderando um suposto movimento em um país onde representantes de povos indígenas e africanos, que constituíam a maioria da população, não foram sequer consultados e, no caso dos cativos (formalmente escravizados ou não), sequer libertados.
Por outro lado, temos que reconhecer que a razão estrutural, esse “pecado original” de nossa formação, não pode explicar tudo. Afinal, tivemos mais de duzentos anos depois da independência formal para superar esse problema e não o fizemos. Entra governo, sai governo e continuamos atrás. Pesquisas recentes, publicadas por economistas respeitáveis, chamam a atenção para o fato de continuarmos atrasados. Há décadas corríamos atrás da China. Depois, dos demais “tigres asiáticos”. Também ficamos vendo a poeira levantada pelos grandes felinos. O diagnóstico é o de sempre: nossa mão de obra é pouco eficaz, tanto técnica quanto cientificamente. Não preparamos adequadamente as pessoas e o resultado é a baixa rentabilidade. Isso não tem a ver com inteligência ou habilidade de nossa mão de obra. Tem a ver com formação, escolaridade.
Ora, uma boa escola precisa de bons professores. Não adianta ter programas e mais programas de livros para os alunos. Um bom professor consegue dar aulas com livros de alunos de qualidade sofrível, mas para um professor mal formado não adianta os alunos terem os melhores livros. São os professores que precisam ter os melhores livros, os mais atualizados. São eles os formadores de cientistas, técnicos e operários. Se não tivermos bons professores, decentemente remunerados e sabiamente exigidos, não poderemos ter gente qualificada e eficaz em suas atividades. Há 30 anos, no governo Itamar Franco, uma comissão de professores, intelectuais e representantes da sociedade foi formada para discutir o assunto no Ministério de Educação e a conclusão foi que professores do ensino público deveriam receber livros de qualidade para sua formação. Essa comissão, dirigida pela grande educadora recentemente falecida, Magda Soares, fez um belo trabalho. Contudo, como aqui não há política de Estado e sim política de Governo, a coisa não se manteve.
Hoje precisamos de muito mais que livros para professores (embora esses continuem imprescindíveis). Contudo, pelo que se vê e lê, o Brasil parece ter outras prioridades. Mas como não falta combustível para levar o pessoal de volta aos currais eleitorais nos fins de semana, está tudo bem por aqui.
Jaime Pinsky é historiador e editor. Completou sua pós-graduação na USP, onde também obteve os títulos de doutor e livre-docente. Foi professor na Unesp, na própria USP e na Unicamp, onde foi efetivado como professor adjunto e professor titular. Participa de congressos, profere palestras e desenvolve cursos. Atuou nos EUA, no México, em Porto Rico, em Cuba, na França, em Israel, e nas principais instituições universitárias brasileiras, do Acre ao Rio Grande do Sul. Criou e dirigiu as revistas de Ciências Sociais, Debate & Crítica e Contexto. Escreve regularmente no Correio Braziliense e, eventualmente, em outros jornais e revistas.