“O que pareciam problemas graves, depois do bode parecem plenamente suportáveis”, dizia o editorial do jornal. Lia Souza, lá de Formosa, estranhou a construção. “Será o verbo parecer diferente dos demais? Ele foge à regra geral de concordância?”, pergunta.
O sujeito da frase está na cara. É o pronome que. Ele se relaciona ao antecedente o, que significa aquilo (Aquilo que pareciam problemas graves, depois do bode parecem plenamente suportáveis). Por que o verbo está no plural?
Parecer é verbinho curioso. Mais flexível que arbusto na ventania. Mais volúvel que o coração dos homens. Ora anda de mãos dadas com o sujeito. Concorda com ele em pessoa e número. Ora cai de amores pelo predicativo. Faz de conta que nem conhece o pobre sujeito. O malandro joga dos dois lados.
Sem saber disso, os candidatos a uma vaga na universidade ou no serviço público morrem de medo. Volta e meia ele figura em questões ardilosas. Os desavisados caem como peixe. Olho vivo!
1. Parecer pode ser tratado como os demais verbos. No caso, concorda com o sujeito: O cachorro parece manso. Os candidatos parecem nervosos.
2. Há ocasiões em que ele é mais igual que os outros. Pode concordar com o predicativo (termo que vem depois dele). Quando? Só se o sujeito for o, aquilo, isso, isto, tudo, que: Isto parecem histórias. Tudo parecem ciladas armadas contra os pobres falantes. Aquilo parecem recordações muito antigas.
Viu? O verbo ignora o sujeito (isto, tudo, aquilo). Fica atraído, caidinho pelo vizinho, o predicativo (histórias, recordações, ciladas).
É o exemplo que Lia estranhou. O sujeito é o pronome que. O verbo esnobou-o. Foi para juntinho do predicativo (problemas).
Poderia, de acordo com o humor, concordar com o sujeito: O que parecia problemas graves… Isto parece histórias. Tudo parece ciladas. Aquilo parece recordações muito antigas.
Há mais. O verbo versátil às vezes vem em frases assim:
• Os jogadores parecem estar doentes.
• Os jogadores parece estarem doentes.
Qual a forma correta? As duas. Quando o sujeito está no plural, parecer é outra vez volúvel. Ora se inclina por uma construção; ora por outra.
Cuidado com a armadilha. Só um verbo vai para o plural.
MAIS UMA
Cara de um, focinho do outro
(parecer-se)
No sentido de assemelhar-se, ter a cara de um e o focinho do outro, o verbo parecer é pronominal:
• João Marcelo se parece com Rafael, o irmão caçula.
• Você não se parece com sua irmã.
• Eu me pareço com minha mãe.
• Nós nos parecemos com os outros concorrentes.
Desacompanhado do pronome, o verbo fica manco. Quer ver?
• O defensor do Estado gigante parece com os dinossauros pré-históricos. Feio, não? Maltrata o ouvido. Melhor dizer: Ele se parece com os dinossauros pré-históricos.
Fonte: Blog da Dad
Dad Squarisi transita com desenvoltura pelo universo da língua. É editora de Opinião do Correio Braziliense, comentarista da TV Brasília, blogueira, articulista e escritora. Assina as colunas Dicas de Português e Diquinhas de Português, publicadas por jornais de norte a sul do país; Com Todas as Letras, na revista Agitação, e Língua Afiada, na Revista do Ministério Público de Pernambuco. Formada em Letras, com especialização em Linguística e mestrado em Teoria da Literatura, concentra o interesse, sobretudo, na redação profissional – o jeitinho de dizer de cada especialidade, cada grupo, cada mídia. Mas é tudo português. A experiência como professora do Instituto Rio Branco, consultora legislativa do Senado Federal e jornalista do Correio Braziliense iluminou o caminho dos livros Dicas da Dad – Português com humor, Mais dicas da Dad – Português com humor, A arte de escrever bem, Escrever melhor (com Arlete Salvador), Redação para concursos e vestibulares (com Célia Curto), Como escrever na internet, 1001 dicas de português – manual descomplicado, Sete pecados da língua, publicados pela Contexto, além de Superdicas de ortografia, Manual de redação e estilo para mídias convergentes, dos Diários Associados, e de livros infantis – de mitologia e fábulas.