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Os judeus | Paul Singer

O nacionalismo judaico é um caso sui generis: trata-se da manifestação políticoideológica de um grupo que não apresenta qualquer uma das características nacionais que realmente identificam um povo. Para começar, os judeus não habitam o mesmo território, portanto não integram a mesma economia, não existindo os numerosos laços de interesses comuns e conflitantes que constituem a infraestrutura do que se chama “realidade nacional”. Tampouco falam a mesma língua, do que decorre a extrema diversidade cultural das muitas comunidades judaicas espalhadas pelo mundo. Poder-se-ia supor: pelo menos a religião é a mesma. Só que, a partir da grande vaga da dessacralização que se derrama por toda parte nestes últimos duzentos anos, a parcela de judeus que abandonou a religião é cada vez maior.

Nestas condições, a pergunta que se coloca em primeiro lugar é: o que é judeu? Como é produzido e reproduzido enquanto ser social? E, a partir daí, que nacionalismo é esse que, em lugar de se considerar a encarnação dos interesses nacionais, coloca como seu objetivo primordial suscitar uma nação que ainda não existe?

Os judeus | Paul Singer
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Jaime Pinsky aborda o seu fascinante e espinhoso tema, procurando antes de mais nada responder à primeira questão. E é ao examinar as condições históricas que engendram os judeus – condições alheias e o mais das vezes hostis àqueles que são designados para cumprir este papel – que o autor vai lançar a base para desmistificar as concepções correntes a respeito do “mistério” e do “milagre” da persistência do judaísmo ao longo de vinte séculos da dispersão. Vai se verificar que o judeu persiste não apesar das incontáveis perseguições de que foi objeto, mas precisamente por causa delas.

Neste movimento da análise, da realidade histórica concreta à ideologia, Pinsky incorpora os efeitos da penetração no capitalismo, que destroem a sociedade aldeã judaica da Rússia no século passado. Porque, ao contrário dos outros povos da periferia, que são penetrados pelo capitalismo irradiado pelo centro, os judeus o penetram, à força, já que qualquer outra saída lhes é proibida. E nessa penetração, os judeus se incorporam a diferentes classes sociais, cujos conflitos rompem a antiga unidade do grupo.

O estudo de Pinsky é claro, límpido, enganadoramente fácil: parece tão lógico verificar – uma vez conhecidos todos os fatos relevantes – que o nacionalismo dos judeus aburguesados era a ideologia naturalmente adequada para se livrar da presença não só molesta, mas perigosa, do judeu marginalizado, do “verdadeiro” judeu! Mas essa facilidade é apenas o resultado do pleno domínio de um conteúdo trabalhado a fundo, cuja forma enxuta, gostosa de ler e fácil de entender não revela as dificuldades superadas.

Cabe lembrar, enfim, que o nacionalismo dos judeus não é só um caso sui generis, mas extremo: ele se antecipa à razão de sua existência; como caso extremo, sua desmistificação lança luz sobre muitas facetas de qualquer nacionalismo, mormente dos povos da periferia, que compartem com os judeus a sina de serem, o mais das vezes, objetos e não sujeitos da história.

Não por acaso surge o nacionalismo como ideologia e como movimento político nos momentos em que o conflito de classes se acerba, pondo em perigo a estrutura de dominação minoritária. Criando um corpo místico de união geral – a nação –, o nacionalismo nega as classes sociais e ipso facto assegura sua preservação. No caso dos judeus, o violento ressurgir do antissemitismo, que culminou nos fornos crematórios do hitlerismo, provocou, como não podia deixar de provocar, uma reação nacionalista – o sionismo –, que triunfa em virtude do próprio êxito do nazismo, ao lograr a eliminação do judaísmo europeu pelo extermínio de milhões de pessoas. Essa união dos contrários é magistralmente demonstrada por Pinsky na própria origem do nacionalismo judeu. Em que medida, seria o caso de perguntar, não se poderia encontrar a mesma dialética nas origens do nacionalismo brasileiro?

A verdadeira obra histórica é aquela que, ao desvendar o passado, ilumina ao mesmo tempo o presente e transcende o seu tema, revelando no particular o universal. Penso que, neste sentido, a contribuição de Jaime Pinsky é uma obra histórica no melhor sentido da expressão.


Jaime Pinsky é historiador, tendo publicado mais de 30 livros (como autor solo, participante ou organizador). É professor titular concursado da Unicamp, doutor e livre-docente da USP, e foi professor do campus de Assis da atual Unesp. Desenvolveu atividades acadêmicas nas principais universidades brasileiras, do Acre ao Rio Grande do Sul, de Alagoas ao Mato Grosso. No exterior, esteve na França, EUA, Cuba, Porto Rico e Israel, entre outros países.

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