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Os criminosos que ninguém quis ver | Nazistas entre nós

Refugiados em outros países, seis oficiais nazistas viveram (ou morreram) tranquilamente, alguns sem responder por suas atrocidades

Por Carlota Cafiero para o Jornal A Tribuna

 

naz-entre-nosWolfgang Gerhard era um senhor de bigodes fartos e origem austríaca, que passava os dias assistindo novelas. Solitário, reclamava do custo de vida em São Paulo e pensou em suicídio ao ser abandonado por uma namorada. Mas ele morreu depois de sofrer um derrame, em 1979, durante um banho de mar em Bertioga.

Enterrado em Embu das Artes, Região Metropolitana de São Paulo, Gerhard, na verdade, era o médico alemão Josef Mengele, que ganhou a alcunha de Anjo da Morte por causa de suas experiências nos campos de extermínio nazistas, especialmente com crianças gêmeas. Sobre seus ombros pesa a morte de 400 mil pessoas no Terceiro Reich, mas ele morreu 35 anos após a Segunda Guerra, sem ser julgado.

O caso de Mengele é o mais emblemático para os brasileiros, mas o jornalista Marcos Guterman levantou a história de mais cinco oficiais das forças armadas hitlerianas que, graças a uma rede mundial de auxílio aos nazistas – e à nossa capacidade de esquecer –, fugiram para a América Latina.

Neto de sobreviventes do Holocausto, o jornalista de 48 anos é autor do livro Nazistas Entre Nós – A Trajetória dos oficiais de Hitler depois da Guerra (Editora Contexto, R$ 39,90) e, curiosamente, carrega o sobrenome de origem alemã, que significa Homem Bom. Doutor em História pela Universidade de São Paulo e pesquisador do Laboratório de Estudos Sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP, Guterman é editorialista do jornal O Estado de S. Paulo, e levou dois anos entre a pesquisa e a escrita. Ele conseguiu sintetizar o vasto material consultado em um texto ágil e acessível, e em apenas 192 páginas (a prática em redação de jornal, com certeza, colaborou).

“Eu tinha muita coisa levantada para o meu doutorado, mas foi conversando com o historiador, professor e fundador da Editora Contexto, Jaime Pinsky, que cheguei a esse recorte da história”, conta o jornalista, que seguiu a dica para “olhar para frente”, ou seja, para o período pós-Holocausto.

PROSPERIDADE NO BRASIL

O título do livro, ressalta o autor, chama atenção para um fato que passou despercebido para muita gente: “Eu queria passar a ideia do modo tranquilo com que os nazistas desenvolveram suas vidas entre nós”.

O entre nós engloba países da América Latina (especialmente, Argentina, Brasil, Bolívia e Paraguai), onde os nazistas, às vistas do serviço secreto americano e com ajuda de membros do Vaticano e da Cruz Vermelha, se refugiaram.

O oficial austríaco Franz Stangl, por exemplo, esteve na linha de frente do programa de assassinatos de deficientes mentais na Alemanha, e comandou dois campos de extermínio na Polônia: Sobibor e Treblinka. Em 1951, ele desembarcou com a família no Porto de Santos, vindo de Gênova, na Itália. “Era um homem amoroso, apaixonado pela mulher e os filhos, que negava os crimes que cometeu”, conta Guterman, que desenvolve teorias à luz da psicanálise, como a ideia do duplo eu. “Seria um outro eu o responsável por lidar com assassinatos em massa. Assim, era esse outro eu quem fazia o trabalho sujo”, escreve no livro.

Stangl trabalhou e prosperou no Brasil, onde construiu casas em São Bernardo do Campo, no Grande ABC, e no Brooklin, zona sul de São Paulo, antes de ser condenado à prisão perpétua pelo Tribunal de Düsseldorf, em 1970, e morrer no ano seguinte, aos 63 anos, em sua cela.

O livro ainda conta os destinos de mais quatro nazistas: Albert Speer, Klaus Barbie (o Açougueiro de Lyon), Gustav Wagner e Adolf Eichmann.

 

TRECHO

“A Bolívia foi escolhida por (Klaus) Barbie, em 1951, provavelmente porque se tratava de um destino distante dos radares dos caçadores de nazistas, mais preocupados em procurá-los na Argentina, notório santuário dos integrantes do Terceiro Reich. Mesmo num país com as características exóticas da Bolívia, Barbie encontrou por lá muitos alemães simpatizantes do nazismo, que costumavam se reunir especialmente num clube alemão, em La Paz, onde podiam celebrar os velhos tempos. Ademais, o carrasco obteve ali a ajuda necessária para se estabelecer, possivelmente graças à rede internacional de auxílio para nazistas que atuaria em diversos outros casos. Foi graças a essa solidariedade que Barbie logo arranjou um trabalho, como administrador de uma serralheria que pertencia a alguns judeus, em La Paz. Com seu sobrenome tipicamente judeu, aliás, Barbie conseguiu até mesmo fazer negócios com a pequena comunidade judaica da Bolívia”.

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