Caroline Fanizzi é doutora em educação, sob área de concentração em filosofia, pela Universidade de São Paulo (FEUSP), mestre em educação na área de psicologia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), graduada em Pedagogia pela mesma instituição. No campo profissional, teve atuação como professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da educação básica na cidade de São Paulo. Atualmente, também atua como membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Educação e o Pensamento Contemporâneo (GEEPC-FEUSP).
A obra de FANIZZI (2023) intitulada: O sofrimento docente, publicada pela Editora Contexto em 2023, possui em sua composição estrutural 224 páginas que versam sobre a temática da precarização na carreira docente. Este ensaio trás profundas contribuições para o campo educacional, contudo, o caráter multidisciplinar da nova obra merece destaque, pois constantemente a autora dialoga com a psicologia, a história, a sociologia e a filosofia na construção de suas reflexões.
Na obra a autora apresenta uma temática sensível para a carreira docente: a produção e a constituição do sofrimento em seu ofício. Por mais que a profissão docente traga aos seus agentes alegrias, conquistas e realizações, percebemos ainda os contrastes destas adjetivações elucidadas ao longo do texto, para FANIZZI (2023) a prática do magistério barganha ainda profundas queixas quanto às precárias condições de infraestrutura de trabalho, bem como baixos vencimentos (remunerações), ou seja, pouco reconhecimento para uma funcionalidade de extrema importância social.
A produção do sofrimento docente está tangenciada seja na maneira física ou simbólica em seus agentes, as constantes queixas em seu local de trabalho traduzem a figura de um profissional angustiado, por não ter o devido reconhecimento das autoridades públicas em prol políticas que possam qualificar a sua carreira, o que acarreta conforme defendeu FANIZZI (2023) no surgimento de doenças físicas e psicológicas, o que se traduz no afastamento de seu ofício ou ainda no abandono total de um carreira fadada ao descrédito.
Por mais que socialmente é sabido que os professores sofrem em seu campo profissional, existe um tom de trivialidade conforme defendeu a autora para esta temática. A recorrência de notícias nos meios impressos e digitais apresentam uma condição alarmante da carreira no magistério, contudo conforme enfatizou Caroline Fanizzi a sociedade naturaliza e dá pouca importância (relevância) para uma dimensão situacional alarmante.
De acordo com FANIZZI (2023, p. 15) por mais cotidianamente seja rotineiro nas capas de jornais, nos veículos de informação e da imprensa, revistas, em pesquisas acadêmicas de mestrado e doutoramento, que versam sobre o sofrimento docente, estes caminhos apresentam a condição de magistério reducional apenas ao campo material e se esquecem da subjetividade e da dimensão simbólica da constituição da carreira docente. É inegável que o professor sofre devido as precárias e insalubres condições de trabalho, contudo o estudo da autora é justificado por apresentar um novo olhar sobre o mal-estar na educação, especificamente sobre o trabalho docente, a desvalorização e o sofrimento enquanto categorias simbólicas.
A temática da profissão docente abordada pela autora em sua obra permite novas contribuições para o campo educacional, pois descortino novos horizontes para a pesquisa, pois sabe-se que ao falarmos do magistério é de conhecimento que esta carreira carece de valorização, mas para FANIZZI (2023) a questão central está além das baixas condições materiais no trabalho do professor, perpassa ainda a precariedade simbólica.
A partir do referencial denominado de precariedade simbólica,a autora procura compreender a gênese do sofrimento docente para além da sua dimensão material. FANIZZI define a precariedade simbólica como: “(…) a condição constituída pela reiterada desautorização, desvalorização e deslegitimação da ação e da enunciação docente que deflagra o lugar precário hoje ocupado pelos professores e professoras em nosso imaginário social” (2023, p. 14).
Por estar neste “lugar simbólico” denominado de escola, campo das relações objetivas e subjetivas em seu interior, o professor dado as precárias condições para o exercício de sua profissão, tem uma notória redução de agir enquanto um agente. Para a autora, o sofrimento para docente para além de proporcionar uma dimensão reducionista da categoria profissional, leva ainda a uma redução conforme salientou em sua obra existencial do indivíduo e do grupo de falar, agir e contar sobre si. Este sofrimento simbólico é construído socialmente e historicamente, acarreta na figura do professor a perda gradual de suas capacidades e habilidades enquanto um agente social, que ocupa um lugar específico em seu campo profissional, constitui hierarquias e realiza diferentes leituras do seu cotidiano de trabalho.
Através da pesquisa qualitativa, a autora influenciada pela filosofia de Paul Ricoeur na construção de suas reflexões, procura entender como os agentes profissionais da educação (professores) enquanto seres que agem também condicional sentidos e significados para as suas práticas, e consequentemente por agirem podem também sofrer. Para FANIZZI (2023), por mais que se saiba os professores sofrem em seu cotidiano de trabalho, existe neste grupamento social a sua luta e reinvenção diária, pois resistem em tomde resiliência as ações hostis desenvoltas no trabalho.
A temática central do sofrimento docente é analisada na percepção de entender como a deslegitimação, a desautorização e ainda a desvalorização na carreira do professor acaba por proporcionar o seu esvaziamento do lugar de fala e existir do docente no “tecido social”. Um ponto que merece destaque, está no fato da autora enfatizar que não é apenas um indivíduo que sofre dentro do seu campo profissional, mas todos aqueles que compõe o grupo social docente, e de certa forma sofre e exerce influência do seu contexto estrutural de atuação na escola.
Para a autora, outra leitura no que tange ao sofrimento docente é estruturado na sociedade, de que este profissional sofre e abandona a sua carreira, não se identifica com este perfil ocupacional, tanto que existe uma tentativa de dar um tom de sinônimo para o sofrimento docente atrelado a ideia de doença, uma vez que, esta condição se enquadra aos inúmeros casos de transtornos mentais e do comportamento, o que propicia o afastamento das ações diárias na escola e posteriormente, o abandono total da profissão.
Por ter sido professora da educação básica da cidade de São Paulo, Caroline Fanizzi se apropriou dos contatos diários com outros professores na busca de compreensão de suas narrativas / trajetórias, ou seja, nesta obra singular uma professora reflete sobre o problema social do sofrimento do professor, não existe um distanciamento sobre o campo social, mas um diálogo profícuo para tentar entender a gênese da ocorrência desta problemática em diferentes experiências nas escolas paulistas.
Um resultado notório desta obra, está no fato de FANIZZI (2023) perceber que o sofrimento docente não se encontra apenas nas escolas que carecem de falta de estrutura de trabalho, altas cobranças, baixos vencimentos. Este fenômeno também habita instituições escolares que possuem condições e recursos para propiciar o bom desempenho do trabalho docente em seu cotidiano. Assim como, por mais que saibamos que o sofrimento docente exista em experiências que carecem de recursos materiais e condições dignas para propiciar o ofício docente, conforme apresentou a autora os professores estão presentes em suas atribuições, logo, por mais que sofram enquanto categoria profissional, nem todos se permitem abandonar o “chão da escola” em condições adversas de trabalho.
A autora na construção deste ensaio também realizou o seu exercício de resistência, pois o este trabalho se desenvolveu justamente no período de pandemia do coronavírus, que afetou diretamente o trabalho docente, uma vez que, este externou diferentes formas de sofrimento, tendo em vista que o isolamento social, impediu a presença física do professor em seu campo de trabalho, logo, este agente precisou se reinventar para transmitir o conhecimento e o currículo institucionalizado.
A partir das narrativas de professores apresentadas no transcurso da obra, a autora defende que o ato de narrar, contar muito aquém de ser uma ação isolada, se configura numa prática de se deixar escutar e de se ouvir, logo, é um exercício constante de autoavaliação da categoria profissional que permite descortinar horizontes e compreender a experiência docente na íntegra.
Ao aliar a precariedade simbólicae a experiência simbólicaenquanto referenciais norteadores para a construção de seu trabalho, a autora trás no texto as valorosas contribuições da obra O Calvário de uma professoraproduzida em 1928, que traz a experiência narrativa da docente Violeta Leme. Neste constructo, a profissional da educação ao tecer críticas e denunciar na carta existente nesta obra o Secretário do Interior do Estado de São Paulo, a educadora nos apresenta uma nova versão do sofrimento deste grupamento, pois o professor sofre por agir, por perceber as precarizações no seu trabalho, mas este sofrimento também pode ser representativo de potência, uma vez que, resiste no tempo as situações adversas em seu cotidiano de trabalho.
O professor sofre, mas também suporte, resiste e mais ainda persevera. Por agir e ter sentido e significado as suas práticas na escola, sofre em seu cotidiano, mas esta ação demonstra a sua inquietude, logo, como caráter central da obra de FANIZZI (2023) é pela resiliência dentro do sofrimento que o educador se reinventa nas suas experiências e leitura de mundo.
Fonte: Cadernos da Pedagogia, v. 18, n. 40, p. 346-349, janeiro-abril/2024 – por Vinicius Kapicius Plessim