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O que é um império? | Lançamento

Nossa sociedade vive saturada pela ideia de impérios e imperadores. Mesmo hoje, quando resta apenas um único imperador no mundo – o do Japão –, com poderes limitados, expressões derivadas do termo “império” continuam a ser utilizadas nos mais diferentes meios e com os mais variados significados. É possível, por exemplo, hospedar- se no Hotel Imperial em Viena, visitar a “cidade imperial brasileira”, Petrópolis, discutir a oposição entre Império e República na série Star Wars ou assumir a posição de imperador em jogos de estratégia on-line.

Imperialismo | Lançamento
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O tema, contudo, não é um resquício do passado que recordamos como uma curiosidade, mas algo fundamental para a compreensão da história mundial: entender a trajetória humana é, em boa medida, entender a história dos impérios.

O que é um império? A imagem tradicional que temos é a de uma estrutura política com o poder concentrado nas mãos de um homem, o imperador, que exerce um domínio absoluto sobre povos e nações estrangeiros, sendo beneficiado economicamente com isso. Os impérios, se seguirmos essa imagem, estariam em permanente expansão ou, no mínimo, tentando impedir o crescimento dos rivais, sendo, portanto, militaristas e agressivos. Não espanta, nesse sentido, que o termo tenha adquirido, nos dias atuais, um tom negativo e até pejorativo.

O grande problema dessa imagem é que ela não consegue captar a diversidade e a variabilidade dos impérios no decorrer da história. Houve impérios em todos os continentes. As estimativas variam conforme os critérios utilizados, mas calcula-se que existiram entre 50 e 60 impérios na história da humanidade, desde o Acadiano, 4.500 anos atrás, até o Americano dos dias atuais. Uma experiência diversificada, englobando realidades históricas as mais diversas.

Houve impérios terrestres, como o Mongol e o Russo, e marítimos, como o Ateniense ou o das repúblicas marítimas italianas. Alguns surgiram quase por acaso e outros por vontade expressa de um governante, como Napoleão Bonaparte ou Ramsés II. Em alguns casos, eles se relacionaram ao impulso de certas religiões, como o islamismo ou o cristianismo, de difundir a sua fé e ampliar seu poder, mas, quase sempre, sua criação e expansão responderam a interesses mais concretos. Em alguns momentos, formar um império foi uma necessidade estratégica de determinados Estados desejosos de controlar de maneira mais eficiente seus vizinhos e garantir a sua segurança; na maioria dos casos, buscavam-se as riquezas dos povos vizinhos.

Alguns impérios procuraram garantir o máximo possível de homogeneidade cultural e religiosa em seu território, como o Bizantino, os islâmicos ou os ibéricos, enquanto outros foram mais tolerantes com a diversidade religiosa, desde que os impostos fossem pagos em dia, como os romanos antes de Constantino ou o Mongol. Alguns giravam em torno de um soberano absoluto, enquanto em outros o poder do imperador estava definido e limitado por lei; em outros ainda o imperador era uma figura decorativa ou com poderes limitados, como no Sacro Império Romano Germânico.

Em resumo, os impérios são uma constante na história. Nos vários continentes e épocas, imperadores e impérios fizeram parte da trajetória das mais diferentes sociedades, e a sua capacidade de sobrevivência e adaptação é espantosa. Os termos englobam, contudo, processos e experiências políticas e sociais variadas, cuja multiplicidade não pode ser esquecida. Por outro lado, é possível estabelecer denominadores comuns, definições mínimas, que permitem separá-los de outros tipos de Estado e de outros sistemas econômicos e sociais.

Na tradição ocidental, há dois conceitos principais de império. Um é relacionado ao poder supremo dentro de um dado Estado, em oposição à república e à democracia, um poder acima dos reis, das monarquias e dos Estados nacionais: o imperador é hierarquicamente superior a todos. O segundo, muito mais utilizado e abrangente, se relaciona a uma entidade política que domina grandes áreas e exerce a soberania sobre outros povos, outras culturas e nacionalidades, estabelecendo hierarquias e relações de poder desiguais. Ao contrário dos pequenos Estados e de outras unidades políticas, que ambicionariam no máximo a independência, e das grandes potências, que procurariam criar um ambiente internacional favorável a seus interesses, os impérios projetariam a dominação desse ambiente, em escala potencialmente global. Esses dois conceitos, na verdade, acabaram por se misturar: o império seria tanto o espaço dentro do qual um povo exercia seu poder sobre outros quanto esse poder em si, corporificado na figura do imperador.

Dessa forma, uma definição mínima de império pode ser elaborada: um império é, preferencialmente, uma monarquia, abarcando uma grande extensão territorial, exercendo a soberania sobre vários povos, culturas e nações, e canalizando recursos econômicos e financeiros para seu centro através de um elaborado sistema administrativo, de transportes e comunicações. O império também deve ser capaz de exercer o monopólio da força dentro do seu território e conter as ameaças que venham de fora. Ele legitima o seu poder a partir de valores universais, normalmente ligados à religião, e tem alguma capacidade assimilatória, apta a integrar ao menos parte dos dominados à nova ordem.

É importante ter em mente a longa história dos impérios, pois as experiências imperiais acumuladas sempre influenciaram as posteriores, como o exemplo do Império Romano na tradição ocidental indica com clareza. Também é fundamental reconhecer o divisor de águas que foi a expansão ultramarina europeia, a partir do século XVI, e a formação dos impérios coloniais modernos, os quais nutriram e prepararam o terreno para os impérios contemporâneos.

Este livro, contudo, trabalha especialmente com um período específico, ou seja, a Era dos imperialismos, entre as décadas finais do século XIX e as primeiras do século XX (1875-1914). Esse período de cerca de meio século foi diferente dos anteriores: não apenas os impérios adquiriram características particulares, distintas das experiências passadas, como também a dominação imperial adquiriu um novo significado e foi codificada em uma ideologia. Impérios e imperialistas (no sentido de defensores do imperador) sempre existiram, mas surgiu então o termo imperialismo, justamente para identificar a ampliação dos domínios territoriais europeus na Ásia e na África. Aqui, o foco principal, portanto, é esse período em que os europeus (assim como os japoneses e os americanos) se expandiram pelo mundo, com consequências que se estendem até os dias de hoje.

Ainda sobre a questão dos termos, é importante recordar a imensa diversidade de uso entre autores, correntes e épocas. Alguns termos também têm significados diferentes conforme o país, o idioma e a corrente historiográfica. Para evitar confusões, convém precisar, desde o início, a nomenclatura utilizada aqui. Expansionismo é a conquista de territórios no exterior por parte de um Estado para fins militares ou políticos, enquanto colonialismo identifica a formação de colônias, ou seja, espaços conquistados e controlados de forma direta, fora do território nacional. Já colonialismo demográfico é a prática de instalar cidadãos do próprio Estado ou nação em terras estrangeiras, formando enclaves juridicamente diferenciados e com pretensões de substituir a população original. Práticas imperiais, por sua vez, são as ações e os instrumentos que visam submeter povos estrangeiros à vontade de um Estado, mas sem controlá-los diretamente.

Imperialismo, em contrapartida, é o termo que define esse conjunto de práticas e ações que permitem a subordinação, formal ou informal, de povos e Estados a outros. Em linhas gerais, o termo pode ser usado para identificar vários fenômenos, da Antiguidade aos dias de hoje, mas no contexto deste livro, ele identifica o tipo particular de exploração colonial estabelecido pelos europeus (e, depois, por americanos e japoneses) nos séculos XIX e XX, assim como a ideologia que o justificava.

A organização do livro reflete a necessidade de resolver dois problemas centrais. O primeiro é fazer a ponte entre o período estudado, seus preliminares e seus desdobramentos. O nosso objeto é, como indicado, a Era dos imperialismos, cujo auge foi entre 1875 e 1914, mas que se prolongou até 1945. No entanto, os impérios e os imperialismos dessa época só fazem sentido a partir da experiência colonial europeia anterior, com início no século XVI, pelo que seria impossível esquecer a longa duração. Do mesmo modo, depois de 1945 tivemos aproximadamente três décadas de descolonização, que também devem ser abordadas para que o tópico central faça sentido. Por fim, a Era dos imperialismos foi sucedida pela emergência de novos tipos de imperialismo – como o europeu, o chinês e o americano – e essa contemporaneidade também não pode ser menosprezada. O livro procura, dessa forma, manter o foco em um período-chave, mas com as pontes necessárias com o antes e o depois.

O outro problema é dar conta da multiplicidade de experiências dos impérios e imperialismos do período sem perder o referencial geral. Há questões em comum a todos, mas é evidente que a experiência imperial não foi a mesma para, por exemplo, os Impérios Britânico e Japonês. Explorar em excesso as particularidades levaria a um enfraquecimento do quadro geral, enquanto enfatizar demais esse quadro geral poderia dificultar a percepção das particularidades.

Para enfrentar essas questões, este livro se organiza de forma cronológica e, do mesmo modo, do geral para o particular. O primeiro capítulo apresenta a formação dos impérios coloniais europeus desde o século XVI e a nova realidade entre 1875 e 1914, enquanto o segundo destaca a maneira pela qual esses impérios funcionavam. As perguntas que norteiam esses capítulos são basicamente três: qual a diferença entre os novos e os velhos impérios europeus? Por que houve uma renovada fase de expansão em fins do século XIX? Como os imperialistas organizavam e pensavam seus domínios? São capítulos gerais sucedidos por três capítulos, nos quais são estudados os principais impérios da época no seu período áureo, entre 1875 e 1914.

Esses três capítulos incluem os impérios consolidados, como o Britânico e o Francês, os ascendentes, como o Alemão e o Japonês, e os periféricos, como o Otomano e o Etíope. Isso permite que problemas e questões abordados de forma geral na primeira parte sejam trabalhados caso a caso. Esses capítulos seguem, portanto, uma abordagem convencional, já que seria impossível abordar os imperialismos sem mencionar os impérios consolidados e ascendentes e sua luta pela dominação global. Ao mesmo tempo, o foco nos impérios enfraquecidos ou em decadência é um diferencial deste livro, que visa indicar que o sistema imperial dos séculos XIX e XX não era simplesmente uma relação entre dominadores e dominados, mas também incluía atores intermediários, fracos e fortes simultaneamente.

O capítulo final, por sua vez, discute a renovação e a recomposição dos impérios depois da Primeira Guerra Mundial, incluindo as experiências nazista, fascista e japonesa, e a decomposição do sistema imperial depois de 1945. Por fim, chegamos ao momento contemporâneo e ao novo imperialismo, com a formatação de novos impérios, como o Americano, o Chinês, o Europeu e o Russo.

O que se apresenta, portanto, é um estudo com foco temporal preciso – 1875-1914 – , mas com pontes para o antes e o depois e com uma perspectiva global, enfatizando a ação europeia no mundo, mas dando voz aos dominados e a outros atores na periferia europeia, e na Ásia, na África e na América Latina.

O imperialismo clássico não existe mais, porém os impérios continuam a existir, e compreender a sua história é uma forma de entender o nosso próprio tempo.


João Fábio Bertonha é professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e pesquisador do CNPq. Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e livre-docente em História pela Universidade de São Paulo (USP). Autor de vários livros e artigos, publicou, pela Editora Contexto, Itália: presente e futuro, Os italianos, Patton, Os canadenses e Imperialismo, além de ser coautor do Dicionário de datas da História do Brasil.

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