O fascismo, às vezes apresentado como nazi-fascismo, é objeto de estudo de historiadores, sociólogos, psicólogos e cientistas políticos desde o momento mesmo em que os regimes nazi-fascistas começaram a ascender no mundo europeu. E, embora se possa distinguir o nazismo do fascismo, a rigor, para efeitos de análise, os dois regimes costumam ser pensados juntos como integrantes de um mesmo processo de crítica profunda ao liberalismo que havia, em todo o século XIX, regido o mundo ocidental.
Dá-se o nome de fascismo, ou nazi-fascismo, ao fenômeno histórico específico ocorrido no mundo europeu entre 1922 e 1945, o chamado período entre-guerras, caracterizado pela ascensão de regimes políticos totalitários que se opuseram, ao mesmo tempo, às democracias liberais e ao regime comunista soviético (também este de caráter totalitário) e cuja repercussão atingiu numerosas Nações que adotaram regimes semelhantes. Há certo consenso entre os pesquisadores de que este fenômeno tem muito a ver com a chamada sociedade de massas e de que ele deve ser situado espacialmente na Alemanha e na Itália. Essa definição espacial tem a vantagem de evitar que regimes apenas autoritários e ditatoriais situados em outras Nações sejam nomeados erroneamente de fascistas. Assim, a Espanha franquista, o peronismo argentino, a extrema-esquerda no contexto da Guerra Fria e regimes autoritários da América Latina, da Ásia e da África foram definidos erroneamente como fascistas por seus opositores. E tais regimes não são fascistas porque apresentam características específicas ligadas ao contexto histórico em que emergiram.
Quem melhor reconheceu que o conceito de fascismo foi aos poucos sendo usado politicamente como adjetivo para qualquer ditadura do século XX foi o pensador Juan Linz, que, em 1975, elaborou uma classificação dos Estados propriamente fascistas, distinguindo-os daqueles meramente autoritários. Essa classificação, adotada por Eric Hobsbawm no livro A era dos extremos, exclui todas as formas não europeias do fenômeno, como o caudilhismo latino-americano. Mesmo na própria Europa, Linz e Hobsbawm identificaram três tipos de autoritarismo de direita: primeiro, os direitistas que seriam puramente autoritários ou conservadores, mas sem um programa ideológico definido, a não ser o sentimento anticomunista e preconceitos tradicionais de classe. Um segundo grupo, mais bem estruturado, que buscava resistir ao individualismo liberal e à ameaça do trabalhismo e do Socialismo por meio de diversas formas de corporativismo, visando superar a luta de classes e gerar cooperação interclasses. Para Hobsbawm, a origem desse grupo era anterior ao próprio fascismo, remontando ao primeiro Concílio Vaticano (1870), e tinha como principal representante o regime de Salazar em Portugal (1927-74). No terceiro grupo, finalmente, estariam os fascismos propriamente ditos, nas formas italiana e alemã, cujas características essenciais seriam a mobilização das massas de baixo para cima, sua utilização como rastro de poder, seu papel de contrarrevolucionários, a ênfase em valores tradicionais em contraposição à modernidade e a recriação do passado e invenção de tradições.
Uma das principais características do Estado fascista seria, assim, sua associação com a sociedade de massas. Essa sociedade, desencantada com o Estado e as instituições democráticas, que passavam no entre-guerras por séria depressão econômica, humilhada após o desfecho da Primeira Guerra Mundial e carente de lideranças fortes, era o ambiente fértil para a ascensão de regimes salvacionistas que canalizassem as frustrações pessoais e coletivas por meio de uma propaganda bem elaborada. Nesse sentido, muitos estudiosos enfatizam também a importância da propaganda como um dos aspectos fundamentais dos regimes fascistas.
O autor Renzo de Felice considera a existência de três interpretações clássicas sobre o fenômeno fascista, surgidas imediatamente após a guerra: a abordagem liberal, que considerava o fascismo “doença moral da Europa”; a abordagem radical, que via o fascismo como “produto lógico e inevitável” de certos países; e, finalmente, o fascismo como “reação antiproletária”, fruto da sociedade capitalista, em uma análise marxista e materialista-histórica. Cronologicamente, a interpretação materialista histórica antecede as duas primeiras, e foi Maurice Dobb seu principal representante. Para ele, o fascismo teve dupla função histórica: destruir as organizações livres da classe trabalhadora – tendo em vista o interesse da classe média – e organizar moral e materialmente a Nação, por meio da propaganda e da militarização, visando à expansão territorial.
Já a interpretação liberal, que percebia o fascismo como “doença moral” da Europa, surgiu antes mesmo da Segunda Guerra Mundial terminar e influenciou os estudos do tema na década de 1960. Teve em Benedetto Croce seu principal representante, que interpretou o fascismo como perda de consciência, embriaguez produzida pela guerra, conjuntura que irrompera quase do nada. Os argumentos de Croce, todavia, eram mais ideológicos do que científicos. Continuador dessa visão, Friederich Meinecke abordou o nazi-fascismo como um “desvio” no curso “normal”da vida política e institucional europeia. Para ele, o tecnicismo da sociedade moderna, com sua frieza e seu caráter calculista, foi o que originou esse “desvio social”. O problema desse argumento é que se o tecnicismo anda lado a lado com o Capitalismo (algo que a maioria dos estudiosos concorda), então o Capitalismo já traz em si mesmo os germes do “desvio” (o individualismo, a luta de classes etc.), sendo um sistema sempre sujeito à ascensão de regimes totalitários.
A terceira interpretação, que entendia o fascismo como um “produto lógico e inevitável”, foi defendida por autores como William McGovern e Peter Vierek. Para eles, o curso histórico da Alemanha e da Itália já prenunciava a ascensão do nazi-fascismo, pois o “atraso” dessas sociedades, a demora e a subsequente pressa de sua unificação nacional, e os saltos de suas economias, não produziram sociedades saudáveis. Logo, o fascismo seria resultante de uma secular formação histórica eivada de vícios e perversidades. No caso da Alemanha: autoritarismo, militarismo, pan-germanismo, antissemitismo, tudo isso caracterizava a doença sócio-histórica do povo alemão que, naturalmente, teria de descambar no Nacional-Socialismo. Essa interpretação, excessivamente determinista, não levou em consideração que, se havia germes do nazi-fascismo já no século XIX, eles só puderam se concretizar após problemas gerados pela conjuntura do entre-guerras. Esqueceu ainda que os fenômenos históricos não são inevitáveis, assim como houve opositores à ascensão do fascismo dentro mesmo da Alemanha e da Itália. De qualquer modo, essa última interpretação tinha a vantagem de tentar explicar o fascismo historicamente, buscando suas origens sociais e políticas.
Outra abordagem do fenômeno, original e controversa, uniu Psicologia, Sociologia e Antropologia. Seu precursor foi Wilhelm Reich, que em 1933 publicou o seu A psicologia de massas do fascismo, uma abordagem freudiana que definia o fascismo como uma psicologia política internacional das massas frustradas. Para essa interpretação, o masoquismo e a milenar repressão às leis naturais da vida e do amor fizeram que as massas se submetessem a um regime assentado amplamente na força. O homem reprimido de modo autoritário canalizava seu impulso de liberdade para a imagem de um homem forte, de uma liderança. Desse modo, o regime fascista não chegava ao poder por suas qualidades políticas, mas pelo apelo que fazia aos instintos psicossociais das massas. A inovação do pensamento de Reich estava no fato de ele não interpretar o fascismo unicamente por suas características específicas ou por sua plataforma política reacionária. Ao contrário, ele define o fascismo pela importância das massas, que, estimuladas por sentimentos profundos de rejeição e neurose e com enorme desejo de revolta e libertação de uma sociedade que as oprimia, ao mesmo tempo que ansiavam pela liberdade, procuraram por um líder forte para realizar seu desejo.
Um conjunto de intérpretes muito conceituados atualmente inclui estudiosos que focalizaram o fascismo em sua associação estreita com o contexto mais amplo do totalitarismo, o regime político vigente em algumas sociedades industriais modernas que se opunha aos regimes democráticos ou pluralistas. Como as outras interpretações, esta também é alvo de críticas, mas seu rigor metodológico é inegável. Além disso, tais intérpretes assentaram alguns consensos fundamentais para o estudo do fascismo, como a preocupação em compreender essas manifestações como produto de uma sociedade de massas e a distinção dos regimes fascistas/totalitários daqueles “simplesmente” autoritários. O principal nome dessa abordagem é Hannah Arendt. Em seu esforço de encontrar a gênese do totalitarismo, a autora concebeu o imperialismo e o antissemitismo como a antessala da destruição totalitária do século XX. Para ela, o imperialismo corrompeu o Estado-nação europeu, que se enrijeceu politicamente, assumindo soluções cada vez mais autoritárias. E, ao corroer as estruturas políticas europeias, o imperialismo terminou por engendrar o próprio totalitarismo. Mas, segundo Arendt, apenas a Alemanha hitlerista e a União Soviética stalinista podiam ser considerados Estados totalitários. Mesmo a Itália de Mussolini foi excluída dessa designação, embora se saiba que o duce reivindicava com orgulho a alcunha de totalitário para seu Estado fascista.
Por último, devemos mencionar a abordagem do psicólogo russo Serge Tchakhotine, que nas décadas de 1940 e 1950 afirmou que, no interesse de legitimar sua posição, os ditadores sustentavam que ascendiam ao poder pacificamente, sem emprego de violência física. Isso não é verdade, já que, para além do emprego da violência física, esses regimes souberam fazer uso da violência psicológica. E, com base nesse pressuposto, o autor procurou compreender as artimanhas e as estratégias de convencimento que os ditadores utilizaram para ganhar a mente de seu povo, considerando que uma propaganda benfeita seria a chave de todo sucesso fascista.
Os trabalhos de Tchakhotine e de Hannah Arendt exercem hoje grande influência sobre as novas interpretações do fascismo,tanto considerando as razões históricas do imperialismo na formação desse fenômeno quanto o poder (assentando nas máquinas de propagada de massa) que os ditadores fascistas tinham de convencer as massas.
Diante de tanta complexidade, não basta aos professores de História listar o conjunto de fatos que desembocaram no fascismo nas décadas de 1920 e 1930 para compreender esse fenômeno. Por outro lado, como muitos temas contemporâneos, o fascismo ainda desperta fortes sentimentos em vários segmentos da população no Ocidente, e no Brasil não é diferente. A relação do fascismo com o mundo atual é palpável, pois muitos jovens em diversas partes do mundo se apresentam como neonazistas, na maioria das vezes sem consciência do que foi realmente o nazismo. Assim, temos de trabalhar essa relação passado/presente e tentar despertar nos alunos opiniões críticas sobre o tema. Pode-se começar definindo democracia e liberalismo, visto que foi contra as democracias liberais que os regimes autoritários e totalitários se ergueram. Outro caminho para a compreensão do tema é ter como ponto de partida o avanço da propaganda no século XX e sua influência política e ideológica nas sociedades de massa.
SUGESTÕES DE LEITURA:
- ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
- DE FELICE, Renzo. Explicar o fascismo. Lisboa: Edições 70, 1978.
- EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos-chave para entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003.
- HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. São Paulo: Fundação Ed. Unesp, 1999.
- MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio; FARIA, Ricardo. História contemporânea através de textos. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
- PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). Faces do fanatismo. São Paulo: Contexto, 2004.
- REICH, Wilhelm. A psicologia de massas do fascismo. São Paulo: Martins Fontes, 1972.
Fonte: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. “FASCISMO”. In: SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. Editora Contexto.