Em nossos dias de sexualidade triunfante, a virgindade feminina parece ter perdido todo significado e valor. Não seria ridículo dedicar-lhe um livro? Ao contrário, o tema me parece muito atual! Ele se impôs a mim após um debate com mulheres de cultura muçulmana acerca do atestado de virgindade e das reconstituições de hímen. Eu queria saber por que elas ainda cediam a uma exigência da tradição que nós, ocidentais, julgamos absolutamente abusiva. As respostas me obrigaram a refletir. Em seguida, soube que uma rica herdeira americana, Paris Hilton, célebre por seus escândalos, havia declarado que quando decidisse se casar faria uma cirurgia para reconstituir seu hímen e que uma estudante americana recentemente leiloou sua virgindade para financiar seus estudos! Então compreendi que, muito além da cultura muçulmana, a virgindade feminina se mantém em todas as culturas e aparentemente ainda tem um papel simbólico considerável. É uma dimensão da relação entre os sexos, um componente do tecido social.
É verdade que as feministas têm toda razão de denunciá-la como uma invenção, uma fantasia masculina; mas por que os homens sentem necessidade de cismar e fantasiar com tal assunto? E por que renunciariam a ele hoje? Basta revelar a fantasia para que ela desapareça? Aliás, ao lado das elucubrações masculinas, é preciso observar, como um reflexo, as reações femininas. Não se pode esquecer que durante os séculos cristãos um bom número de mulheres preservou sua virgindade como forma de liberdade e fonte de poder, exprimindo com tal atitude sua parcela de autonomia e iniciativa – sua “virilidade”. Citemos, dentre muitas outras, Genoveva de Paris, Catarina de Siena, Joana d’Arc, Teresa de Ávila, Elisabete I, rainha da Inglaterra, sem falar dos mitos resplandecentes, Palas Atena e a Virgem Maria. De onde vinha a segurança dessas virgens, como explicar seu esplendor? E o que temos para colocar no lugar?
Tudo isso é passado, dirão. Que seja, mas temos, de fato, certeza?
Segundo os dicionários atuais, a virgindade é o estado de uma pessoa virgem. E a virgem, no feminino, é a moça que jamais teve relações sexuais completas. Mas o que se deve entender por relações sexuais completas? À medida que refletimos sobre tal definição, ela se amplia: a virgindade é o estado de menina que é preciso abandonar para se tornar mulher. Como se opera a passagem do primeiro estado para o segundo? Por um simples coito? Na verdade, a passagem não diz respeito apenas ao corpo, mas afeta também o psiquismo, as relações sociais, o “gênero”. É exatamente o que confirmam as pesquisas sobre o tema, se nos dermos ao trabalho de consultá-las.
As ciências médicas foram as primeiras a se manifestar. Desde Hipócrates, os médicos sempre hesitaram em definir a virgindade feminina, tal a diversidade dos sinais anatômico-fisiológicos, que variam de indivíduo para indivíduo. Durante todo esse tempo, as parteiras sempre afirmaram ser capazes de saber se uma jovem era virgem – e elas gozavam de credibilidade. Foi preciso esperar o grande naturalista Cuvier, no começo do século XIX, para que o saber médico se impusesse e confirmasse que, exceto em caso de violência, o hímen – membrana que na maior parte das jovens (mas não em todas) contrai mais ou menos a vagina – se rompe no momento da primeira penetração, frequentemente sem dor ou sangramento. A linguagem é marcada por esse saber anatômico. O substantivo “virgem” (vierge) designa unicamente a menina púbere, o menino é “donzelo” (puceau). Para a menina, o primeiro ato sexual completo é uma “defloração”, que deixa marcas em sua vagina; para o menino, é uma “iniciação”, que não altera seu pênis. Mas ainda há pouco os médicos eram todos homens. Entre eles e as parteiras surgiram as ginecologistas, que se multiplicaram a partir de meados do século XX. Não teriam elas nada a dizer acerca da virgindade e da “primeira vez”?
As ciências psicológicas foram, também elas, invadidas pelas mulheres do século XX. Essas novas “especialistas” não parecem muito interessadas na virgindade. Entretanto, em 1918, num artigo intitulado “O tabu da virgindade”, Freud abriu pistas interessantes. Tendo descoberto que, em certos povos “primitivos”, um notável da comunidade deflorava a noiva um pouco antes das núpcias, ele comentou tal prática lembrando os riscos da “primeira vez”. É raro que uma virgem conheça o orgasmo durante sua defloração e há o risco de sua decepção provocar uma frigidez temível para o marido. De fato, ele deseja fazer com que sua mulher seja amorosa, iniciando-a no prazer sexual; ele fantasia esse elo como um componente essencial de sua dominação. Notemos que bem antes de Freud, no século XIII, Tomás de Aquino afirmava que a experiência da volúpia é irreversível; aquela ou aquele que conheceu o prazer carnal não pode mais voltar ao estado anterior. A frigidez feminina desafia a dominação masculina; tudo se passa como se uma esposa frígida permanecesse virgem no plano psíquico. Aqui está o tabu: se a mulher escapa ao homem, ela se torna um perigo para ele, afirma Freud. E ele, o que é para ela?
Por sua vez, os antropólogos, que estudam o ser humano em sociedade, destacaram a dimensão social da virgindade. Outrora, ela dizia respeito às relações familiares: um homem devia desposar uma virgem para assegurar a autenticidade de sua progenitura, para saber quais crianças eram seus filhos, para que as crianças soubessem quem era seu pai. Foi a primeira razão de ser do casamento. Um homem desposava uma virgem para perpetuar uma linhagem, para transmitir de pai para filho uma herança biológica (o “sangue”), um nome, bens, poderes – uma forma de conjurar a morte, outra fantasia. As moças virgens logo se tornaram preciosos objetos de troca entre as famílias. O pai as casava jovens, proibia o incesto a si e a seus filhos. A virgindade da noiva honrava aqueles que souberam protegê-la e respeitá-la. A vinda ao mundo de uma criança integrava plenamente a esposa na família e na comunidade do marido.
Françoise Héritier acrescentou uma observação surpreendente a esse respeito. Os homens estavam convencidos de que eram os únicos procriadores: é sua semente que fecunda as mulheres. Entretanto, as mulheres fazem crianças dos dois sexos: para se reproduzir como machos, os homens são obrigados a passar por elas. Há aqui um motivo para inquietação que reforçou o desejo masculino de dominação e a necessidade do casamento. Mais próximo de nós, esse talvez tenha sido um objetivo inconsciente da medicação contemporânea, tanto em matéria de obstetrícia quanto de contracepção. É realmente certo, como gostamos de crer, que a contracepção médica, colocada à disposição das filhas de Eva, tenha eliminado toda subordinação feminina no âmbito da sexualidade e da procriação?
Outro fenômeno merece atenção. A virgindade foi muito cedo promovida ao grau de virtude moral e inculcada nas meninas como tal. Por quê? Porque a referência anatômica se mostrou insuficiente: o hímen intacto não diz tudo. É virgem aquela que, com exceção da penetração vaginal, experimentou, com um ou mais parceiros, uma vasta gama de jogos sexuais? As filhas de Eva não são fêmeas de animais; não é apenas o instinto de reprodução que as guia, é também a busca por uma satisfação que não é apenas carnal. Como então preservar as prerrogativas do futuro marido?
Muito além da virtude moral, a virgindade foi objeto, na religião cristã, de uma verdadeira transfiguração: ela foi idealizada como a via de acesso mais direta à santidade, tanto para homens quanto para mulheres. Ela não deve ser confundida com uma negação da sexualidade – a virgindade mística evoca a penetração divina na alma humana em termos eróticos, os do “Cântico dos cânticos”. Ao mesmo tempo, uma vez que permite às meninas recusar o casamento comum para se dedicar a Deus, o cristianismo inventa uma liberdade e uma transcendência especificamente femininas. Para as que se tornam “esposas do Cristo”, a virgindade se inflama com uma espiritualidade sublime.
Ao frigir dos ovos, a virgindade é um belo exemplo de interação contínua entre natureza e cultura. Distinção social, moral e simbólica de importância maior, ela carregou (e ainda carrega) uma carga afetiva e emocional intensa. É o que testemunha o sentido figurado da palavra “virgem”, surgido no século XVI. É o desconhecido, a descoberta: toda “primeira vez” escancara as portas do imaginário. Terra virgem, floresta virgem, página virgem. Lembremos também a emoção dos artistas: a koré, dos gregos, A primavera, de Botticelli, A fonte, de Ingres. Feminilidade intacta e juvenil, imagem pagã do paraíso.
Esse grande tema não foi ignorado pelos historiadores. Duas obras pioneiras, muito diferentes, abriram caminho. Em 1981, 15 autores uniram seus esforços para abordar La Première fois, ensaio de enfoque abrangente, já estimulante. Alguns anos mais tarde, Giulia Sissa, em Le Corps virginal, analisou os mitos gregos de um ponto de vista totalmente novo. Na sequência, diversos estudos, relativos sobretudo às meninas, trouxeram esclarecimentos parciais. Enfim, as grandes obras recentes sobre a história das mulheres, a história do corpo, a história do gênero enriqueceram o saber acerca das relações entre os sexos. Tentar uma síntese me pareceu possível e útil.
Este livro se limitará à observação da Europa. Espero ardentemente que em breve outras partes do mundo sejam objeto de investigações semelhantes. O plano é cronológico, o que permite questionar os grandes paradigmas da civilização ocidental: primeiro, os mitos da Antiguidade greco-latina, que continuam a ser pródigos de revelações; em seguida, o monoteísmo em suas três confissões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, cada qual propondo uma interpretação original da virgindade feminina. Na Idade Moderna, as cristãs deram à virgindade desdobramentos de uma riqueza espantosa. O Iluminismo e a modernidade deram início a uma dessacralização que se encerrou no final do século XX. Enfim, levei em conta realidades contemporâneas: de fato, as pesquisas sociais numerosas e precisas descrevem hoje a evolução das práticas e representações sexuais. Ao longo de nosso percurso, dois fios condutores, estritamente entrelaçados, fornecerão um eixo à narrativa. De fato, de um lado, tentei mostrar que ao longo do tempo as filhas de Eva frequentemente se apropriaram de sua virgindade. Mas por quais meios e usos? Por outro lado, busquei compreender por que o sexo forte aceitou essa forma particular de emancipação feminina e como se adaptou a ela. Antigamente e até pouco tempo, para deixar de ser virgem, uma moça devia, de acordo com as representações masculinas, passar por três etapas: a defloração, a descoberta do Eros e o parto. O que se passa hoje? As páginas que seguem parecem lembrar tempos remotos, mas nada se apaga: a humanidade se constrói a partir de experiências que se sobrepõem. A História presta às coletividades humanas um serviço comparável ao que a psicanálise oferta aos indivíduos: ela elucida a memória, peça mestra da consciência de si.
Essa é a introdução do livro História da Virgindade – escrito por Yvonne Knibiehler e publicado pela Editora Contexto