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O peso das horas e até dos dias da semana no bem-estar mental

À noite ou de manhã? De segunda ou terça? Existem momentos mais oportunos para lidar com as emoções e planejar tomadas de decisão, sugere estudo.

Alguns dias parecem ser um teste de resistência emocional. João já lidava com os altos e baixos da vida, mas aquela terça-feira foi um desafio à parte. De tarde, recebeu a notícia de que um problema burocrático esquecido que ameaçava inviabilizar seu novo negócio. Quando tentava assimilar o golpe, veio o segundo impacto: recebeu a notícia de que um amigo próximo havia sido hospitalizado. A tarde se tornou um labirinto de urgência, preocupações e tentativas de manter a cabeça no lugar. A sensação era de que tudo tinha acontecido no pior momento possível.

Mas será que, se as mesmas notícias tivessem chegado logo pela manhã, João as teria encarado de outra forma? A ciência sugere que a percepção do bem-estar e do estado mental varia significativamente ao longo do dia.

Um novo estudo inglês analisou dados de quase 50 mil adultos ao longo de dois anos. Essas pessoas responderam a questionários analisando seus sintomas de ansiedade e depressão, seu bem-estar geral (incluindo felicidade, satisfação com a vida e senso de propósito) e sensação de solidão. Isso foi feito várias vezes ao longo de dois anos, em diferentes horários, dias da semana e estações do ano. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram observar como o horário do dia afetava a saúde mental.

O peso das horas e até dos dias da semana no bem-estar mental
Horas e horas: pesquisa revela que período do dia, dia da semana e até estação do ano impactam no equilíbrio emocional (Foto: GI/Getty Images)

Foram quase 900 mil respostas, o que significa que não estamos falando de um palpite aleatório, mas de um retrato bem detalhado do humor humano ao longo do dia, da semana e até do ano. E o que os dados mostram? Que nossa saúde mental tem altos e baixos bastante previsíveis.

De manhã, em geral, estamos em melhor forma emocional, mas, conforme o dia avança, o bem-estar vai caindo— e o fundo do poço costuma ser ali pela meia-noite. Durante a semana, terça e quarta-feira se destacaram como os dias mais ingratos, quando até os efeitos positivos das manhãs são menos evidentes.

Já nos fins de semana, o humor melhora, mas não de forma linear: a felicidade e a satisfação com a vida costumam atingir um pico pela manhã, caem perto do meio-dia, voltam a subir ao longo da tarde e, claro, declinam à noite. Ou seja, nossa alegria de fim de semana segue um roteiro mais variável.

E tem mais: nos meses frios, o bem-estar sofre um baque. O inverno, aparentemente, não perdoa nem quem acorda de bom humor.

Essas descobertas indicam que, de maneira geral, eventos estressantes ocorridos no final do dia podem ser percebidos de maneira mais negativa devido ao declínio natural do humor e da resiliência emocional. As variações ao longo do dia podem estar ligadas aos ritmos biológicos, como a liberação de cortisol, que atinge seu pico pela manhã e diminui gradativamente até a noite.

No entanto, as diferenças entre dias úteis e fins de semana sugerem que fatores contextuais, como rotina e atividades estabelecidas, também desempenham um papel importante.

Esses achados têm implicações práticas tanto para serviços de saúde mental quanto para avaliações clínicas e tomadas de decisão. O momento do dia pode influenciar os resultados de triagens psicológicas, e a maior vulnerabilidade à noite e no meio da semana sugere a necessidade de reforço nos serviços de apoio nesses períodos.

Estudos anteriores com metodologias diferentes acharam padrões semelhantes. Um deles, analisando milhões de postagens no Twitter ao redor do mundo, mostrou que as pessoas acordam geralmente de bom humor, mas esse estado positivo vai se desgastando ao longo do dia— algo que pode estar relacionado ao sono e ao ritmo biológico. O estudo também encontrou um detalhe curioso sobre os fins de semana: as pessoas são mais felizes, sim, mas o pico da manhã acontece cerca de duas horas mais tarde. O motivo? Simples: elas acordam mais tarde.

Revelações como essas podem nos ajudar a enxergar os desafios do dia a dia sob uma nova ótica, considerando os ritmos naturais do corpo e as oscilações no bem-estar ao longo do dia. Se sabemos que o humor despenca à noite e que terça-feira é um teste de paciência coletivo, talvez possamos ajustar expectativas e estratégias. Afinal, como diz o ditado, “de manhã é que se começa o dia”— e, ao que tudo indica, esse é mesmo o melhor momento para tomar decisões importantes, enfrentar problemas e até marcar aquela conversa difícil.

Já para os momentos de maior vulnerabilidade emocional, talvez a sabedoria esteja em não dar tanto peso ao que parece insuportável no fim do dia. Pode ser só o cansaço falando mais alto.

Fonte: Revista Veja


Ilana Pinsky é psicóloga clínica e pesquisadora ligada à Fiocruz. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto) e foi consultora da OMS e professora da Unifesp e da Universidade Colúmbia (EUA)

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