Em 2020 o jornalista Hélio Schwartsman publicou artigo sobre a versão em inglês do livro ‘É assim que aprendemos’, obra do neurocientista francês Stanislas Dehaene. Agora, em maio de 2022, o livro ganha sua versão em português no Brasil, em bela edição pela editora Contexto. Por isso, recuperamos o texto de Schwartsman e sua elogiosas considerações a qualidade do livro e aos avanços do “O processo de “cientificização” da pedagogia” e como isso permite “explicações mais fundamentais, no nível biológico”. Confira:
A ciência do aprendizado
De vez em quando, disciplinas com sólido pedigree nas humanidades se aproximam das ditas ciências duras.
Não é todo dia que acontece, mas, de vez em quando, disciplinas com sólido pedigree nas humanidades passam por uma recauchutagem e se aproximam das ditas ciências duras.
Foi assim com a linguística. Até há pouco encravada nos departamentos de letras das universidades, a linguística se tornou uma ciência capaz de, no melhor estilo popperiano, produzir previsões falseáveis e que comporta sofisticadas análises estatísticas.
Algo parecido parece estar acontecendo com a pedagogia, e um dos responsáveis por isso é o neurocientista francês Stanislas Dehaene, autor cujos livros não canso de elogiar. O mais recente deles, “How We Learn” (como aprendemos), não é exceção.
O processo de “cientificização” da pedagogia não começou ontem. Já há algum tempo, por tentativa e erro e muita pesquisa de avaliação, compusemos um bom catálogo do que funciona melhor e pior na educação.
A novidade é que trabalhos como os de Dehaene agora permitem explicações mais fundamentais, no nível biológico, para esses achados. O autor destrincha cada pedacinho do cérebro para explicar, por exemplo, por que a alfabetização de uma criança não pode dispensar o ensino explícito do jogo entre letras e sons que caracteriza nosso sistema de escrita.
As elaboradas descrições neurocientíficas não afastam Dehaene da perspectiva da prática. Ele mostra, entre outras coisas, por que um ensino eficaz exige um pouco de decoreba (é preciso liberar espaço na memória de trabalho para resolver problemas) e muito sono (é com os sonhos que consolidamos as cognições).
Há espaço para alguns paradoxos: submeter o aluno a testes é importantíssimo, mas as notas são uma maldição (fazer provas ajuda a organizar o conhecimento, mas notas genéricas, que não detalham as deficiências apresentadas, funcionam muito mais como uma fonte de estresse do que como um sistema de “feedback” de erro, este sim fundamental).
Artigo publicado originalmente Folha de S.Paulo
Hélio Schwartsman é jornalista, foi editor de Opinião da Folha de S. Paulo. É autor de “Pensando Bem…”.