Clóvis Rossi para o Jornal Folha de S.P
O escandaloso concubinato entre grandes empresas e os mais diferentes governos é uma chaga aberta na política brasileira e internacional.
Contribui poderosamente para minar a confiança na política, de que dá prova contundente a eleição de Donald Trump, montado na premissa de que iria drenar “o pântano de Washington”.
O “pântano”, não o de Washington, mas o de Brasília e de um punhado de países da América do Sul e da África, está magistralmente descrito pelo jornalista Fábio Zanini em “Euforia e Fracasso do Brasil Grande – Política Externa e Multinacionais Brasileiras na Era Lula” (editora Contexto).
Zanini, hoje editor de “Poder” na Folha, usou seu período sabático para mergulhar nessa simbiose política externa/multinacionais e extrair um retrato do “pântano” também no Peru, na Namíbia, em Angola, Moçambique e na Guiné Equatorial.
Não que a promiscuidade entre governos e empreiteiras seja uma novidade. Desde que Janio de Freitas denunciou a fraude na concorrência da Ferrovia Norte-Sul, em 1987, o contubérnio estava exposto à luz do dia. O problema é que não adiantou nada: ninguém foi punido e, 30 anos depois, parte significativa das empreiteiras que participaram da fraude da Norte-Sul está encalacrada na Lava Jato.
A única diferença, nada desprezível, é que, no caso Norte-Sul, o inquérito foi arquivado. Agora, pelo menos uma construtora (a Odebrecht, igualmente envolvida no caso anterior) faz confissão pública de culpa e promete mudar o seu comportamento e passar a agir estritamente dentro dos cânones éticos e legais.
Se cumprir, talvez seja a única maneira de pôr fim à promiscuidade com os governos. O livro de Zanini mostra com abundância de dados e sem qualquer caráter moralista/panfletário que governos de distintas colorações têm em comum essa paixão por aliar-se com as construtoras para praticar trambiques.
É eloquente que, dias após o lançamento do livro, esta Folha relate, na sexta-feira (24), tratativas da Odebrecht com sete países latino-americanos mais o Peru, já examinado por Zanini.
São de esquerda ou que se dizem de esquerda (Venezuela, Argentina e Equador), de direita (Colômbia, Guatemala e Panamá) e a República Dominicana, que passou por diferentes mãos no período (2001/2014).
O que incomoda no livro, além da dissecação dos trambiques e da promiscuidade, é o fato de que uma política externa que parecia prometedora foi contaminada por essa associação estreita com empreiteiras, especialmente a Odebrecht.
O objetivo era —escreve Zanini— “projetar poder militar e transformar o Atlântico Sul numa área tutelada pelo Brasil”.
Usou-se para isso o presidente da República, como eficiente “garoto-propaganda”.
Claro que muita gente tem dito que essa política externa era megalomaníaca. Aí, trata-se de avaliação subjetiva. O que a arruinou foi outra coisa, como mostra Zanini:
“A reboque de sua figura hiperativa [a de Lula] vieram empreendedores e aproveitadores na construção civil, no agronegócio e no setor petrolífero, entusiasmados com o novo ambiente de permissividade que se instalava”.