Meus sonhos habitam as estrelas. Mas os meus pés criaram sua morada na terra e tenho com ela um vínculo que não se quebra por nada. Minha natureza é composta por esses dois elementos, estrelas brilhantes e solo firme. Enquanto isso fizer sentido e não comprometer meus projetos, sempre desejei permanecer onde estou. Pretendia ficar, ao menos até que uma circunstância extraordinária me convencesse de que chegou o momento de partir.
Minha vontade era de permanecer por aqui, trabalhando, vivendo uma vida feliz, sensata, inteligente, bonita, gostosa e sem ostentações. Afinal, tenho esse direito, que é democrático na sua essência. Ele consiste em ter a necessária tranquilidade de que nada me afetará além das minhas forças. Porque é disso que advém o verdadeiro prazer de estar vivo.
Outro dia, passeando pelas páginas de um livro cujo título me esqueci, dei de cara com Apollinaire, que não conhecia. Pois bem, ele disse algo que traduz parcialmente o meu sentimento: “Meu desejo maior é ter em casa uma mulher razoável, um gato a passear entre meus livros e, a todo tempo, amigos. Sem tais prazeres eu não viveria”.
Ora, o que é desejar senão construir uma corrente cujos elos são feitos de esperanças? E eu sou teimoso, tenho esperança, do verbo “esperançar”; construo enquanto espero. Soube também que, quando peço a Deus que me conceda alguma coisa, talvez ele não me entregue o que pedi, mas é certo que garante as condições de que preciso para obter o que me falta.
Por sorte, parece que nunca se sente um desejo sem dispor, também, das condições de realizá-lo pelo menos em parte, ainda que isso nos custe muito trabalho e suor.
Por falar nisso, soube que Freud define desejo como o impulso de recuperar a perda da primeira experiência de satisfação. Juntos, amor e desejo funcionam como asas para grandes voos.
Comigo não é diferente. Visto a partir dos seus temores, o homem é mortal. Mas sob a ótica dos desejos que alimenta, ele vence a barreira da morte e a coloca sob seus pés. É nisso que acredito.
Eu tinha de realizar algumas tarefas importantes na vida, e a obra não terminou. Mas antes de tudo precisava dar conta de fazer certas coisas corriqueiras como se fossem grandes e nobres. Acredito que um dos segredos de uma vida feliz é a sucessão de pequenos prazeres que se acumulam tecendo uma rede feita de arte e resistência ao tempo. O segundo não virá sem o primeiro.
O caminho para essa vida é ter um ideal superior. Gosto da ideia de não me limitar a quebrar pedras, mas trabalhar para construir imensos jardins e catedrais. São as metas, não as coisas que contam. Mas acontece que, em toda a nossa existência, por vezes experimentamos a sensação de que essa vida é impossível, restando-nos apenas a oportunidade de ter, quando muito, uma existência heroica. Vamos lá, é o que temos para o momento.
Mas diante da situação em que vivia, em algum momento senti o desejo de acertar em nova empreitada. Só que agora o esforço seria dobrado, eu sabia disso, porque à medida que acumulamos tempo de vida as energias vão se tornando escassas, já não se faz tanta coisa. Nessa como em todas as batalhas oferecidas pela vida, conquistar a vitória é uma questão de dar o primeiro passo, desejar atingir os propósitos escolhidos para justificar a existência.
“Bom dia, estrada! Você me oferece a terra firme, e eu coloco ali o meu corpo e a minha alma, sobre dois pés equipados para a viagem” – teria escrito.
Eu precisava resolver essa trama. Ou ficar louco. Claro, eu até podia desistir: essa é uma solução permanente para problemas temporários. O outro caminho seria me manter empenhado, consciente de que resultados acontecem quando se aproveita, ao máximo, cada pequena oportunidade de resolver os problemas e seguir em frente, entrando no próximo ato como protagonista que redireciona o roteiro. Gosto de escrever, reler e editar minha própria história.
Mas a vida também é feita de partidas. Melhor quando acontecem impulsionadas pela liberdade de escolher quando, para onde, em que circunstâncias e com vistas a qual objetivo tomaremos a estrada. Durante todo o tempo, somos convidados ao movimento, pequenos movimentos, às vezes indispensáveis para ajustes no trajeto. E isso sempre requer uma boa dose de esperança e fé na caminhada.
Fui persistente o necessário para assumir esse risco. Fui embora.
Rubens Marchioni é Youtuber, palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor de livros como A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected]. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao