Helena queria que a laranjeira fosse eliminada do grande pomar do sítio onde passavam alguns finais de semana. A árvore havia sido tomada pelo cancro cítrico e nem mesmo os agrônomos garantiam sua sobrevivência; era agora um arbusto estéril e quase sem vida. Era a metáfora perfeita de tantas coisas que deviam ser eliminadas ou relidas.
A economista pediu ao zelador que fizesse o serviço – um trabalho rápido, como imaginava – e aproveitasse para colocar adubo no pequeno jardim, residência de uma plantação de angélica, que podia ser vista da janela da sala e da alma.
Instruções dadas, o casal foi para o clube da cidade, que frequentavam regularmente.
Primeiro, a academia interna. Ali, davam algum serviço para os músculos fazerem e queimavam calorias, que depois seriam devidamente recolocadas no mesmo lugar, para depois serem novamente removidas ad aeternum.
Afora isso, no ritmo da esteira sem pressa, refletiam. Organizavam os pensamentos e reordenavam os projetos.
Mudança de aparelho. Novos pensamentos. Outra mudança. Outros pensamentos. Era urgente pensar na compra de alguns móveis para a casa em nova reforma, além de plantas para a ampliação do jardim. Era urgente pensar onde devia ser construído um escritório para abrigar o trabalho do casal. Além de não se esquecer de falar da laranjeira, sem vida, que agora Helena desejava cortar.
Em meio a esse turbilhão, ela não se esqueceu de que, entre outras coisas, haviam saído também para comprar uma tartaruga, exposta numa loja de produtos agropecuários – ideia do marido veterinário. O animal inspiraria a lentidão com que o casal deveria agir, enquanto estava no sítio, longe da fervura da cidade grande. Aproveitando a oportunidade, eles providenciariam a compra de uma banqueta, cabides, caneleira e joelheira, além de um novo pijama para Higino.
A tartaruga foi colocada numa caixa e acomodada no porta-malas do carro. O vendedor garantiu que, lá dentro, ela estaria fora de qualquer perigo. No entanto, Helena continuava presa ao antigo medo, uma preocupação excessiva de contrair uma doença grave, e temia que aquele animal pudesse ser portador de algum vírus letal – esse era o seu transtorno.
Na volta, passaram pela banca de revista, ritual feito com uma assiduidade inquestionável. Higino desceu rapidamente do carro e pegou o exemplar do jornal do dia. Para ela, uma revista que tratava de temas ligados ao comportamento humano. Esses assuntos ocupavam boa parte do seu dia de trabalho num banco estatal, onde capitaneava a área de recursos humanos. A economista buscava formas de associar os dois temas, gerando assim um terceiro, normalmente criativo. “De quantas maneiras posso juntar recursos humanos e economia?”, Helena se perguntava sempre.
Voltaram para casa. Higino dirigia distraído – pensava ao mesmo tempo em todas as coisas que estavam por fazer. Inclusive na laranjeira que seria desativada, porque não produzia mais, e em breve morreria.
Ele dirigia como se estivesse num deserto atapetado de asfalto, onde todo o espaço estaria livre para o tráfego, sem pedestres, sem semáforo, sem placas que insistiam na direção a seguir e sem pontos na carteira.
Não prestou atenção. Atropelou uma cratera seguida por uma fileira de obstáculos feitos de concreto e posicionados um ao lado do outro para conter a fúria de aceleradores estressados. No choque inevitável, o solavanco comprometeu alguma coisa na estrutura do carro.
Quando entraram num trecho da estrada que lembrava uma ferradura, ouviram um ruído estranho. O carro estava se queixando de algum efeito colateral provocado pelo pequeno incidente – na briga entre cratera, blocos de cimento e automóvel, nem é preciso qualquer esforço para concluir quem leva a pior.
O veículo parou. Ligaram para a seguradora, pedindo um guincho. Eles garantiram que enviariam prontamente o socorro. Em menos de uma hora, Higino e Helena estariam novamente a caminho de casa.
O tempo, no entanto, não esperou. Passou. Duas horas depois, até o relógio parecia impaciente com a situação. Mas, por ser do ramo, ele sabia que tudo tem o seu tempo.
O guincho não chegou. Conhecida por ser dona de um grande autocontrole, Helena ficou impaciente. Atirando no chão o boné, Higino mostrou o quanto estava irritado, uma sensação que percorria todo o seu corpo magro. Evitou falar para fugir do risco de se tornar desagradável com a esposa.
Sem outra coisa para fazer, Higino e Helena retomaram antigos temas, engavetados em algum lugar da mente ou da alma. Temas pessoais e carregados de certa carga de conflitos. Nervoso, Higino bocejou pela centésima vez.
Ali mesmo, falaram das amizades polêmicas e pouco desejáveis de Higino. Falaram do comportamento de alguns familiares de Helena. Falaram de antigos amores. Falaram de indiferença. Falaram de mágoas. Falaram daquele dia em que…
Falaram que deviam parar de falar. E ficaram em silêncio, porque precisavam refletir melhor e entender se aquilo tudo devia mesmo continuar.
No carro, silêncio. Em casa, silêncio. No almoço, silêncio, um silêncio que desejava ser calmo e silencioso. Lá fora, brincando de voar de árvore em árvore, os passarinhos se divertiam. Sem crise.
Enquanto isso, a tartaruga foi esquecida no porta-malas, e comenta-se que ela não gostou da experiência de ficar tanto tempo sem a água e o alimento necessários para garantir ao menos a sobrevivência biológica. Sedenta e faminta, ela foi resgatada do porta-malas e iniciou o período em que seria mantida em observação.
A laranjeira condenada foi para o chão. Seus galhos seriam aproveitados na reformulação do viveiro para alguns coelhos criados pelo veterinário com técnica e com todos os critérios aceitos pela comunidade científica.
A pausa abriu espaço para a reflexão. A reflexão abriu espaço para a tomada de decisão. A tomada de decisão colocou os dois frente a frente, agora num clima diferente de antes – o guincho havia finalmente feito a sua entrega.
Durante todo tempo, falaram do que causava desconforto mutuamente. Os dois falaram, sem interrupções – ninguém se sentia dono da verdade. Os dois ouviram, sem interrupções.
Depois, Higino, vestindo a botina que só tirava para dormir, e Helena de chinelo de couro macio, plantaram outra árvore frutífera no espaço deixado por aquela que agora prestava serviço em outro lugar, protegendo a vida daqueles animais que, de maneira instintiva, cumpriam a missão de se produzir rapidamente. – “Vai ser bom; não foi?”
A viagem de volta para a residência fixa de Higino e Helena, na cidade grande, aconteceu mais ou menos em silêncio, quebrado apenas por pequenas gentilezas – tudo já havia sido dito, ouvido e ponderado. No rádio do carro, a música era suave e aconchegante.
– Vamos parar para um cafezinho? – disse Helena.
– Com açúcar e com afeto?
– Com afeto. Mas sem açúcar.
Rubens Marchioni é palestrante, produtor de conteúdo e escritor. Autor de livros como A conquista e Escrita criativa. Da ideia ao texto. [email protected]. https://rumarchioni.wixsite.com/segundaopcao