Para começar, vamos fazer as de-vidas apresentações. Sem medo,sem pé atrás, encarando essa “acompanhante” que nos escoltará pordécadas. E ninguém deve se sentir só: em 2025, haverá cerca de 1 bilhão demulheres no planeta entre a pré-menopausa, ou perimenopausa, e a pós-menopausa. Um contingente tão significativo que deixa o mercado excitado: sãoconsumidoras que deverão gastar algo perto de 600 bilhões de dólares em medicamentos, produtos e consultas médicas. A palavra menopausa é composta dedois termos gregos: mēn, que pode sertraduzido como mês ou luas, referindo-se ao período menstrual; epausis, que quer dizer pausa, término. O diagnóstico se dá quando a mulher passa 12 meses sem menstruar, o que ocorre normalmen-te entre os 45 e 55 anos.
Pré, pós, parece confuso, não? É que esse processo nãoacontece de um dia para o outro. Na perimenopausa, que podedurar até dez anos, começam a ocorrer as transformações queserão detalhadas no livro. A menopausa é como um marco: aparada definitiva da menstruação, mas só se tem certeza disso depois de um ano sem regras. Depois, ingressa-se na pós-menopausa. Climatério, segundo a Organização Mundial daSaúde (OMS), é a fase biológica que vai da transição do período reprodutivo até o não reprodutivo, uma espécie de grande guarda-chuva que abrange todos esses estágios.
De acordo com o IBGE, em 1960, a expectativa de vida deuma brasileira estava em torno de 55 anos; em 2019, tinha puladopara 80 anos (sete a mais que os homens). O que antes se caracte-rizava como uma experiência até breve, porque a menopausa seconfundia com o limite da existência, estendeu-se com a mudança do perfil demográfico. Mas não queremos que seja uma vida apenas longa, e sim que também seja rica e tenha significado.
O escritor e empreendedor norte-americano Chip Conley costuma dizer que o termo meia-idade é a pior “marca” já criada no mundo, porque remete a um sentimento de crise, a de estar a meio caminho da morte, quando deveria ter o significado de um chamado para descobertas e ressignificações. Se, na primeira metade da vida, acumulamos expe-riência, na segunda é a hora de utilizar esse repertório embusca de uma melhor versão de nós mesmas. Ele cunhou a expressão “inteligência da transição”, que vem se somar àconhecida “inteligência emocional”, justamente para se re-ferir à sabedoria amealhada no enfrentamento de desafios.
Depois de escrever Longevidade no cotidiano: a arte de envelhecer bem, lançado também pela Contexto, ficou claro para mim que, em todas as etapas da vida adulta, podemos darnovo rumo à existência. Entre a pré e a pós-menopausa, temos tempo para refletir e tomar decisões cruciais cujo impacto fará diferença na saúde física, emocional e psíquica nas décadas que temos pela frente.
Se a adolescência é sinônimo de uma explosão de hor-mônios, depois dos 40 o organismo vai reduzindo sua produção. O resultado? Um turbilhão de mudanças que vão exigir foco no autocuidado. A Sociedade Norte-Americana de Menopausa (NAMS, na sigla em inglês) já publicou diversosestudos que identificam a menopausa como um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome metabólica, que engloba hipertensão arterial, excesso de gordura corporal em torno dacintura e níveis elevados de colesterol e de açúcar no sangue. Num quadro como esse, crescem as chances de ataque cardíaco e acidente vascular cerebral. A boa notícia é que mudançasno estilo de vida são bastante eficientes para prevenir o riscode diabetes e doenças cardiovasculares.
O Reino Unido tem a meta de, até 2035, estender a vidasaudável da população em cinco anos. Capitaneada pela Universidade de Oxford, a UK Spine é uma espécie de consórcio que reúne pesquisadores de importantes centros de referência com o objetivo de compartilhar informações e descobertas com essa finalidade. Os especialistas são unânime sem eleger a janela da meia-idade como um poderoso divisor de águas. Mesmo que os bons hábitos sejam adotados tardiamente, eles aumentam a proteção das mulheres. Portanto, ofato de ter chegado ao fim dos 40 ou aos 50 anos com um perfil sedentário e pouco saudável não deve desanimar ninguém.
No entanto, o tabuleiro de xadrez é bem mais complicado. Basta pedir a qualquer mulher, na faixa dos 40, para fazer uma lista de suas atribuições. Quando o climatério está se instalando, estamos no auge da atividade profissional, das responsabilidades familiares e… de inúmeros fatores de estresse. Há quem tenha filhos ainda pequenos, no máximoentrando na puberdade, com um roteiro que inclui acompanhamento escolar, atividades extracurriculares, eventuais aulas de reforço, aniversários. Se são adolescentes, o embate sobre limites se soma às questões acadêmicas. Também cresce o grupo que está na dúvida se resta tempo para embarcar na experiência da maternidade.
Casamentos estão começando, outros singram mares tormentosos de crise, os que se desfazem deixam umrastro de aborrecimentos, discórdias e até de infortúnios. Profissionalmente, a inexperiência dos primeiros anos deu lugar a uma maior desenvoltura. Essa é a boa notícia, acompanhada de um desafio: consolidar a carreira, buscar promoções e retorno financeiro num mercado de trabalho que continuapermeado pelo preconceito contra quem envelhece. Afinal, além de viver o presente com prazer, é preciso garantir o pé demeia para o futuro. Imagine ter tudo isso na cabeça e, no meiode uma reunião, ficar encharcada de suor por causa de umaonda de calor que não apenas traz desconforto intenso, maspode arruinar sua apresentação? Vamos combinar o seguinte: esta é uma fase da vida que não se limita, nem pode ser definida, como uma condição médica. Estamos a mil!
Como dar conta de tudo? Visualize a imagem do malabarista tentando equilibrar um monte de pratinhos no ar e chegará perto. Os americanos, que adoram criar palavras, inventaram “lifequake”, o equivalente a um terremoto na vida pessoal, para descrever situações nas quais tudo acontece simultaneamente. Acho que faz sentido e se aplica ao caso. É compreensível ter medo, sentir-se angustiada e com a autoestima em baixa. A menopausa é uma fronteira: fica para trás a atribuição tão conhecida, e aguardada por tantas, da procriação. No cenário que se descortina, o risco de perder o poder de sedução, apresentado como um privilégio da juventude, é perturbador: que papel nos aguarda?
Gerações de mulheres que nos precederam sofreram caladas com sintomas que afetaram a qualidade de suas vidas.Perderam a vontade de fazer sexo ou simplesmente abdicaramdele e, embora tivessem a preocupação de conversar com suas filhas sobre menstruação e gravidez, cobriram a menopausacom um manto de silêncio, alimentan do o tabu em relação à situação. Nos consultórios, com frequência o atendimento costuma focar no controle de sintomas, como ondas de calorou mudanças de humor, quando, na verdade, precisamos de uma bússola para navegar por esse oceano desconhecido. Esta é a conversa que o livro quer ter e, para isso, conteicom uma ajuda valiosa: as vozes de mulheres que foram extremamente generosas em compartilhar suas experiências, dores, temores e alegrias. Para se sentirem à vontade em revelar intimidades, seus nomes foram alterados, o que acabou gerando um divertimento extra quando tiveram que escolher uma nova “identidade”. As idades vão dos 44 aos 59 anos e o grupo abrange de advogadas a esteticistas; de secretárias a fisioterapeutas, e ainda artesãs, engenheiras, executivas, jornalistas. Elas falam das mudanças do corpo, de sexo, trabalho, relacio-namentos e trazem histórias reais que realçam e ilustram cadauma das seções. Quem dá os primeiros passos nessa estradatateia, trabalha com hipóteses, tenta arquitetar um plano devoo que ponha o bem-estar e a qualidade de vida em primeirolugar. As veteranas esbanjam relatos de adversidades e su-peração; principalmente, apontam caminhos que podem sertrilhados por outras. De beleza e harmonia. De equilíbrio eencantamento. Cada trajetória e forma de lidar com essa fase éuma espécie de impressão digital, única. Entretanto, apesar deas vivências serem diferentes entre si, se irmanam nos pontos que têm em comum. Bem-vinda a bordo!
Mariza Tavares é jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense. Fez mestrado em comunicação na UFRJ e MBA em gestão de negócios no Ibmec. Desde 2016, mantém o blog “Longevidade: modo de usar”, no portal G1, e também participa do conselho editorial da Agência Lupa, especializada em fact-checking. Foi diretora-executiva da Rádio CBN entre 2002 e 2016, onde criou o programa “50 Mais CBN”, do qual participava com o médico Alexandre Kalache e a jornalista Mara Luquet, e, antes disso, editora-executiva do jornal O Globo e repórter da revista Veja. É autora de seis livros infantis e de duas coletâneas de poemas. Publicou também pela Editora Contexto Longevidade no cotidiano.