Quando dizem quantos anos têm, as pessoas consideram um elogio quando ouvem de volta: “puxa, nem parece!”. Mentirosos e bajuladores à parte, o que chama a atenção no cumprimento é a negação que ele embute: por que não podemos espelhar a idade que temos? Porque envelhecer continua sendo um tabu. No entanto, considerar uma grande qualidade estar imune à passagem do tempo é o mesmo que desvalorizar e apagar a experiência de toda uma vida. Por que parar de celebrar a capacidade de ir em frente e se adaptar e ficar tentando ser uma versão mais jovem de si mesmo? Por que não festejar o bônus de 30 anos de expectativa de vida que a humanidade ganhou ao longo do século XX? Trata-se de uma enorme conquista, mas que trouxe questões desafiadoras para o século XXI. Em 2050, 22% dos habitantes do planeta terão mais de 60 anos. No Brasil, os idosos já passam de 30 milhões e representam 13% da população – nos próximos 40 anos, esse contingente vai dobrar.
A geração que está na casa dos 50, 60 e até 70 anos se sente cheia de vitalidade e energia, e está envelhecendo mais e melhor que seus pais e avós. São adultos ativos no mercado de trabalho e que pretendem continuar atuantes profissionalmente. São consumidores que continuarão movimentando os negócios e demandando serviços, provavelmente com mais dinheiro no bolso e na poupança do que seus filhos e netos, porque sabemos que os jovens enfrentam um mundo de emprego escasso. A visão meramente cronológica, isto é, da data em que nascemos, vai sendo substituída pela biológica: se estamos bem fisicamente e afiados intelectualmente, ainda há muita lenha para queimar nos próximos anos. O que pode criar uma espécie de nova crise da meia-idade, com indivíduos na faixa dos 80 anos que poderão ocupar os cargos e fazer o trabalho de quem está na casa dos 50. As áreas de recursos humanos terão que quebrar a cabeça para pensar em diferentes modelos de sucessão…
Esse grupo tem uma missão pela frente: reinventar o envelhecimento. Vale lembrar que a infância, até o começo do século passado, era um estorvo do qual todo ser humano deveria se libertar o quanto antes, assumindo precocemente as atribuições de um adulto. Hoje, as crianças reinam. O atual conceito de adolescência e juventude, tão incensado, é criação recente: data das décadas de 1950 e 1960. Agora estamos diante da revolução da longevidade e a sociedade não se deu conta da extensão dessa mudança. A velhice terá que ser reinventada por quem está chegando lá: uma geração que derrubou dogmas e é dona do próprio nariz, e que não está nem um pouco disposta a ter um papel secundário no cenário mundial.
O jornalista e filósofo alemão Frank Schirrmacher morreu com apenas 54 anos, em 2014, mas desde a década de 1990 escrevia sobre os dilemas que envolvem o fenômeno da longevidade. Seu livro A revolução dos idosos, um best-seller publicado em 2004, cujo título original traduzido literalmente, O complô de Matusalém, é bem mais divertido que a versão para o português, reflete angústias que pontuavam o dia a dia dos alemães e que se tornaram realidade no Brasil. “Na verdade vocês ainda não sabem, mas são um deles”: é assim que ele convida leitores jovens a encarar o futuro e a condição de ser velho. Por que é tão importante bater nessa tecla? Justamente porque vivemos numa sociedade que tenta ignorar o envelhecimento.
Schirrmacher propõe um complô de matusaléns, referindo-se ao personagem bíblico que viveu mais de 900 anos. Ele argumenta que todas as culturas conheceram a juventude, mas poucas conheceram a velhice, lembrando que envelhecer sempre foi a experiência de uma minoria. Só que a exceção se transformou em regra – e agora corremos um enorme risco de o preconceito envenenar o prêmio da longevidade, como se essa conquista, um dos acontecimentos mais singulares da civilização, fosse uma anomalia.
O culto à juventude moldou a indústria cultural pelas mãos desses indivíduos que agora se encontram na velhice: os baby boomers, os nascidos entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da década de 1960. Caberá a eles próprios reinventar essa nova fase da sua trajetória e alterar a representação negativa que lhe é atribuída. Estamos assistindo à vivência coletiva de toda uma geração bem diferente das que a antecederam. Quem passou dos 50 anos vai exigir mais assistência médica e benefícios; vai se ocupar dos problemas da previdência, pública e privada; vai colocar a gerontologia na pauta. Nossa missão é envelhecer.
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Mariza Tavares é jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense. Fez mestrado em comunicação na UFRJ e MBA em gestão de negócios no Ibmec. Desde 2016, mantém o blog “Longevidade: modo de usar”, no portal G1. Também dá aulas na PUC-Rio e participa do conselho editorial da Agência Lupa, especializada em fact-checking. Foi diretora-executiva da Rádio CBN entre 2002 e 2016, onde criou o programa “50 Mais CBN”, do qual participava com o médico Alexandre Kalache e a jornalista Mara Luquet, e, antes disso, editora-executiva do jornal O Globo e repórter da revista Veja. É autora de seis livros infantis e de duas coletâneas de poemas.