Joe Schwarcz já era uma celebridade da divulgação científica quando o conheci em 2019. Seus livros faziam parte do meu repertório, e seu trabalho como comunicador e professor sempre foi uma inspiração. Joe já divulgava ciência quando eu ainda estava aprendendo a ler. Em 1982, foi convidado para fazer parte do time de docentes do departamento de Química da Universidade de McGill em Montreal, Canadá. Ali, criou disciplinas eletivas intituladas “O Mundo da Química”, disponíveis não somente para quem estudava ciências básicas ou aplicadas, mas para todos os alunos da universidade. A ideia era justamente atrair estudantes de outras áreas do conhecimento: os cursos eram menos técnicos e mais informativos do que o convencional, e focavam a química presente no dia a dia.
O sucesso foi estrondoso. Os alunos adoravam saber como a química está presente nos produtos que usamos, na comida que comemos, o que é mito, o que realmente é perigoso, o que é bom ou danoso para o meio ambiente. Junto com um colega, Joe criou quatro cursos: Química dos alimentos, Química dos medicamentos, Química do meio ambiente e Química da tecnologia. Desde sua criação, eles já tiveram mais de 40 mil participantes.

Com o passar do tempo, percebendo que concentrar os esforços de popularização da ciência somente na química era muito limitado, Joe fundou o Centro de Ciência e Sociedade (Office for Science and Society – OSS), com o mote “separating science from nonsense”, ou, em tradução livre, “separando ciência de bobagem”. Além de seus esforços como docente, Joe escreveu 18 livros de divulgação científica, recebeu inúmeros prêmios, é colunista de jornal e apresenta um programa de rádio chamado O show do Dr. Joe.
Em 2021, organizei o Congresso Global de Pensamento Científico, uma parceria do Instituto Questão de Ciência, que presido desde 2018, com o Instituto Aspen nos EUA, mais precisamente com sua divisão de ciência e sociedade, dirigida pelo Dr. Aaron Mertz. Aaron e eu queríamos reunir palestrantes experientes em traduzir ciência para o público não especialista, mas queríamos sobretudo pessoas capazes de traduzir conceitos de ciência vistos como controversos e “cabeludos” pela população, e que afetam processos de decisão importantes. Ou seja, queríamos gente que soubesse separar ciência de bobagem. Joe aceitou nosso convite e participou comigo e com o professor Edzard Ernst, do Reino Unido, do painel sobre medicina alternativa. Como fizemos o painel em forma de entrevista rotativa, em que cada membro entrevista outro por dez minutos, tive o privilégio de entrevistar Joe Schwarcz!
Nesse dia, ele contou um pouco sobre seu trabalho na Universidade e sobre a importância de desmistificar crenças pseudocientíficas arraigadas no senso comum. A Química está cheia delas, mas não está sozinha. Todas as áreas da ciência são um campo fértil para a proliferação de pseudociências, algumas delas perigosas, que prometem curas de doenças, aumento da imunidade, emagrecimento e benefícios estéticos. Os riscos para a saúde e para o bolso do consumidor podem ser enormes. Todos os livros de Joe trazem essa pegada educativa ao mesmo tempo que divertem e entretêm. Com um senso de humor sagaz e uma didática invejável, ele nos leva por páginas e páginas de conhecimento, curiosidades, mitos e crenças, explicando conceitos complexos de maneira tão simples que até o leitor que achava química impossível na escola se pergunta por que nunca ninguém tinha explicado assim antes. É a mágica de Joe Schwarcz, que, aliás, também é mágico amador nas horas vagas.
Neste último livro, ele nos brinda com uma série de artigos pequenos sobre temas diversos. Alguns são narrativas históricas divertidíssimas, como a diarreia crônica de Hitler curada com probióticos por um médico picareta que também receitava anfetaminas e outros estimulantes disfarçados de um complexo de vitaminas; ou a história de por que morcegos-vampiros não sugam sangue de fato, mas podem esconder a solução para uma vida longa. Outros são sobre temas do dia a dia, como o uso de plásticos (devido e indevido), saúde e consumo de vinho, e por que superalimentos são uma jogada de marketing e individualmente não promovem nenhum grande benefício, mas podem causar um belo estrago no bolso. E outros ainda trazem curiosidades, como a composição de roupas de banho especiais de competições olímpicas, que podem fazer diferença nos milésimos de segundos necessários para vencer uma prova de natação, ou como a ciência – mesmo quando não é muito bem interpretada ou aplicada – ganhou espaço no entretenimento, aparecendo até nos enredos de filmes de James Bond, com direito à explicação biológica sobre os roteiristas terem acertado o veneno mas errado o antídoto – o que, se fôssemos levar a ciência ali ao pé da letra, sem a licença poética, levaria o herói à morte. Mas o Dr. Schwarcz vai além do entretenimento histórico e popular e oferece também algumas colunas sobre pensamento crítico, ensinando a diferenciar correlação de causa e a não se deixar enganar por curas milagrosas.

A divulgação científica é um grande guarda-chuva que abriga várias maneiras de falar sobre ciência com públicos diferentes. Desde jornalismo científico, que contempla notícias importantes sobre grandes descobertas ou sobre como proteger sua saúde, passando por documentários que tratam de biodiversidade ou curiosidades sobre os animais e o planeta, até chegar na comunicação pública da ciência, com promoção de pensamento crítico e racional, e no uso da ciência para tomada de decisões e formulação de políticas públicas. Joe Schwarcz faz uso de todos os formatos e estratégias. Consegue cativar, informar e provocar, tudo com a elegância e a simpatia da experiência de quarenta anos de estrada. Este livro é apenas mais uma deliciosa amostra do mestre em ação. Boa leitura!
Natalia Pasternak
(Presidente do Instituto Questão de Ciência e
professora da Universidade de Columbia – EUA)