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Independência do Brasil | Lançamento

A era das revoluções e o Brasil.
A segunda fase do Reformismo Ilustrado português encontra um mundo em crescente convulsão política. Esse mundo ainda era basicamente ocidental, embora sua influência e suas conexões já alcançassem praticamente todos os cantos do planeta.

Independência do Brasil | Lançamento

A convulsão política não era um único movimento, uma única revolução geral. Eram movimentos com feições, potências, durações e alcances próprios, mas que convergiam em dois pontos: todos eles estavam, de alguma maneira, desafiando as estruturas políticas então vigentes e anunciavam futuros novos e que cada vez menos pareciam encontrar correspondência no passado. Mesmo quando os próprios participantes desses movimentos negavam o caráter inovador de seus projetos e ações, seus resultados iam mostrando novas, criativas e inesperadas soluções. Além disso, por ocorrerem em um mundo cada vez mais conectado e globalizado, esses movimentos apresentaram uma capacidade incomum de irradiação. Não que eles tenham se “movido” de uma parte a outra, ou que algum deles tenha sido uma “fonte” para outro. Por irradiação, queremos dizer influências recíprocas, com a oferta cruzada de exemplos, lições e parâmetros de ação a partir dos quais cada movimento se constituiu de acordo com suas próprias características. Nessa conjuntura, cada movimento foi específico, mas nenhum deles foi isolado.

Essa conjuntura pode ser referida como uma “Era das Revoluções”, expressão consagrada pelo título homônimo de um célebre livro de Eric J. Hobsbawm publicado em 1962. Nele, Hobsbawm procurou integrar uma série de transformações políticas e econômicas que ocorreram no mundo ocidental entre aproximadamente 1789 e 1848, movidas por aquilo que o autor chamou de uma “dupla revolução”: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial inglesa. A proposta de análise integrada dessa conjuntura teve correlatas antes e depois de Hobsbawm. Expressões como “Revolução Democrática”, “Revoluções Atlânticas”, “Revolução Ocidental”, “Revoluções Imperiais” e outras parecidas foram sendo utilizadas para descrever e analisar, sob diferentes ênfases e pontos de vista, uma mesma situação geral de grandes transformações políticas, econômicas, sociais e culturais.

O Império Português nunca esteve completamente à margem desse processo; e dentro dele, o Brasil também não. Ambos apresentaram manifestações bastante representativas dessa conjuntura, das quais a Independência seria uma das principais. No entanto, como já dissemos, nenhum movimento dessa época forneceu uma matriz perfeita para os demais, mas sim padrões de aprendizado e influência que foram construindo uma experiência comum, um “espaço de experiência revolucionário moderno”. É necessário, assim, observar alguns desses movimentos separadamente e em conjunto, e sem que implicassem uma ação evolutiva e progressiva em direção a um fim. A história nunca tem seus destinos determinados de antemão. Ela sempre chega aonde os homens e mulheres a levam, segundo condições históricas a eles disponíveis e de acordo com os padrões de experiências coletivas em permanente construção.

À medida que os movimentos políticos da Era das Revoluções foram ocorrendo, é interessante notar como eles definiram seus próprios critérios de inovação; ao mesmo tempo, redefiniram as palavras e os conceitos que seus participantes ou observadores utilizavam para descrevê-los. Um dos resultados mais notáveis dessa simultânea ação política e linguística foi o surgimento do conceito moderno de revolução.

Durante muito tempo, revolução era uma palavra usada – basicamente em latim e em línguas dele derivadas – para descrever o movimento físico dos corpos celestes. E como tais movimentos eram reiterativos, assim o eram as revoluções: elas perfaziam trajetórias bem definidas e previsíveis. No século XVII, o termo passou a descrever também alterações na ordem política como a queda de reis, mudanças de governo ou insurreições. Mas foi só em finais do século XVIII que ele começou a ser usado no sentido atualmente majoritário: referido a uma grande mudança política ou social que implique a superação de um estado de coisas anterior em prol de outro fundamentalmente novo. Essa alteração no significado de revolução, porém, foi gradual e jamais se completou totalmente: até hoje essa palavra é polissêmica, e também pode querer dizer uma alteração natural, previsível e de desfecho conhecido.

Há um consenso de que o primeiro grande movimento da Era das Revoluções foi a independência das Treze Colônias britânicas da América do Norte que, em 1776, resultou na formação dos Estados Unidos da América. Esse movimento ofereceu uma pioneira e decisiva contribuição para a formação de um espaço de experiência revolucionário moderno.

Vitoriosa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), na qual contara com o apoio de Portugal, a Grã-Bretanha começou a enfrentar problemas com seus súditos do outro lado do Atlântico. Nessa época, não existiam cidadãos “estadunidenses”, “americanos” ou “norte-americanos”: apenas súditos britânicos que, tendo combatido os franceses na América, esperavam certas recompensas que não vieram, como o direito de posse dos vastos territórios que se situavam entre os montes Apalaches e o rio Mississipi. Além de negar-lhes essa possibilidade, a Coroa britânica instituiu novos impostos sobre a produção e o comércio colonial e reforçou monopólios, aumentando os descontentamentos principalmente entre grandes e poderosos agricultores e comerciantes ligados ao comércio marítimo internacional. Em assembleias locais, os descontentes foram formulando o argumento de que, como súditos britânicos, eles deveriam ser consultados sobre tais medidas; ou seja, passaram a exigir que fossem tratados em condições de igualdade como os demais súditos britânicos europeus, o que desembocou em abertas discussões sobre o problema da representação política.

Em meio a boicotes dos colonos em relação a mercadorias e comerciantes metropolitanos, em 5 de março de 1770 três habitantes de Boston que protestavam foram mortos por soldados britânicos. Com o aumento das tensões politizando, ampliando e intelectualizando os protestos, e com a Coroa cedendo pontualmente para logo apertar com novas medidas repressivas, a contestação tomou forma no Congresso da Filadélfia (1774), uma reunião de representantes das populações das colônias americanas. Em abril de 1775, forças
militares dos súditos americanos e soldados metropolitanos se enfrentaram em Concord e Lexington, nas proximidades de Boston, deflagrando uma guerra civil; e em maio, um novo congresso de representantes das colônias organizou, sob a liderança de George Washington, a guerra contra a Grã-Bretanha. A declaração formal de independência, contudo, só ocorreu em 4 de julho de 1776.

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João Paulo Pimenta é doutor em História. Professor do Departamento de História da USP desde 2004, foi professor visitante em universidades do México, Espanha, Equador, Chile e Uruguai. Especialista em história do Brasil e da América espanhola dos séculos XVIII e XIX. É autor de dezenas de trabalhos acadêmicos e de divulgação histórica e de dez livros editados em seis países. Pela Contexto é coautor do livro Dicionário de datas da história do Brasil e autor do livro Independência do Brasil.

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