Por Vitor Izecksohn
Guerra do Paraguai abarca, de forma abreviada, a conjuntura do Rio da Prata entre a era das independências e o final da Guerra da Tríplice Aliança. Trata-se de um período central para os processos de formação dos Estados nacionais na região. Meu objetivo foi caracterizar a mudança de identidades marcadamente locais/regionais, para uma situação na qual os governos centrais/nacionais tornaram-se crescentemente protagonistas. Esse processo abarcou transformações nas formas de exercício da violência e da participação política. Assim, através de uma análise das tensões entre os diversos grupos em disputa, delineio as causas e consequências de um conflito que modificou as relações entre Estados, províncias e lideranças.
O livro enfatiza a trajetória das províncias argentinas e do Paraguai ao longo de 60 anos de guerras civis. Dessa forma, o texto discute tanto a crise do sistema colonial espanhol, quanto o lento e tortuoso percurso no qual cristalizaram-se organizações mais centralizadas e territorializadas. O fim do vice-reinado do Rio da Prata abriu espaço para diferentes concepções sobre como seriam reorganizadas as relações entre suas partes constitutivas, o papel da cidadania e as relações centro-periferia. Na região, inicialmente, sobressaíram os chamados estados-provinciais, solução que atendeu às demandas constitucionais de populações dispersas por territórios cujas soberanias se configuravam de forma confusa junto à emergência dos caudilhos, chefes militares de caráter constitucional que conquistaram a lealdade dos habitantes provinciais. Essa solução não atendia aos interesses dos grupos centralizadores, majoritariamente situados na cidade de Buenos Aires, mas também presentes nas províncias. Essa oposição entre concepções distintas a respeito da nova forma de organização da soberania deu origem a uma situação de guerra civil permanente entre as províncias e a capital.

O Paraguai manteve-se à margem da situação argentina desde 1811, quando uma junta de governo substituiu o vice-rei espanhol. Posteriormente, os paraguaios derrotaram as forças argentinas comandadas por Manuel Belgrano, confirmando sua autonomia em relação aos interesses centralizadores e unitários. A partir desse ponto, a república paraguaia inaugura uma vida política tão autônoma como excepcional, profundamente marcada pelo isolamento político regional.
Ao longo da primeira década como nação independente emergiu a liderança de Jose Gaspar de Francia, que comandaria a república de forma autocrática até sua morte em 1840. Francia estabeleceu o padrão republicano que vigoraria, com algumas mudanças, até o final da Guerra do Paraguai. Tratou-se de um sistema político verticalizado, sem espaço para dissidências. Nas décadas seguintes a economia paraguaia viveria um padrão de modernização militarizada, uma experiência de erros e acertos através da qual o Estado nacional patrocinaria uma série de projetos de caráter militar, contando com a vinda de técnicos estrangeiros, majoritariamente ingleses responsáveis também pelo treinamento da mão de obra nativa.
As transformações no Paraguai foram acompanhadas pelas autoridades brasileiras. Durante a década de 1840 o Império apoiou a demanda paraguaia por independência e autonomia frente ao governo de Juan Manuel de Rosas na Argentina. Os brasileiros tinham interesses que se irradiavam através das fronteiras, particularmente no que dizia respeito à livre navegação dos rios da região. O Império também defendia os interesses dos brasileiros emigrados para o Uruguai, cujo status era respaldado por acordos diplomáticos impostos aos orientais no início da década de 1850. Esses interesses envolviam a presença (e a movimentação) de gado e escravizados cruzando as fronteiras entre os dois países.
Transformações no caráter da liderança e na conjuntura regional impactaram as relações diplomáticas paraguaio-brasileiras. Parte da questão relacionou-se ao processo de unificação do Estado argentino, que avançou fortemente na direção de um comando centralizado por Buenos Aires no início da década de 1860. Essas transformações fragilizaram as posições dos grupos federalistas argentinos, contrários àquele processo de centralização e de seus aliados uruguaios, os Blancos. Simultaneamente, os liberais do Brasil e da Argentina se aproximavam, tornando a posição paraguaia mais sensível ao intervencionismo do Império no Uruguai, que passaram a ver como uma afronta ao equilíbrio de poder regional.
A Guerra do Paraguai resultou dessas transformações e da forma como a liderança paraguaia reagiu as mesmas. Ela decorreu da intervenção brasileira no Uruguai e da neutralidade (presumível apoio) dos liberais argentinos a essa movimentação. Rapidamente o contencioso evoluiu para um conflito de grandes proporções, com mobilização de homens e recursos em volumes até então inéditos na região. A partir de 1865 o Paraguai lutou sozinho contra a Tríplice Aliança, constituída pelos governos do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Foi um conflito desigual, no qual cada contendor precisou organizar-se de forma a enfrentar desafios até então desconhecidos.
O Paraguai mobilizou todos os recursos nacionais para fazer frente às demandas crescentes de um conflito que àquela república não tinha condições de vencer. Os aliados, apesar da superioridade de recursos humanos e materiais, apresentaram dificuldades típicas dos Estados ainda embrionários que representavam. Assim, a Guerra do Paraguai deve ser vista como um conflito que demandou uma série de sacrifícios das populações envolvidas, fossem os soldados atuando no front, fosse ainda a população na retaguarda sujeita ao recrutamento e à carestia.
Guerra do Paraguai convida o leitor a entender a escala de sacrifícios das sociedades beligerantes, os desafios logísticos presentes nesse esforço e as consequências do conflito para os povos envolvidos e para a reconfiguração das relações diplomáticas e militares na região no pós-guerra. O livro dirige-se a alunos e professores de História, aos interessados nos debates sobre a evolução política do Cone Sul, com especial atenção para as relações diplomáticas entre o Brasil e a América Latina. O livro oferece uma janela para um conjunto de questões que ainda desafiam os interessados nos problemas da integração política e regional do continente.
Vitor Izecksohn é professor do Instituto de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da ufrj e pesquisador do CNPq. É doutor pela Universidade de New Hampshire. Foi professor visitante da Brown University e da Elliot School of International Affairs. Foi pesquisador visitante na Universidade de Yale, na John Carter Brown Library e no Instituto Max Planck. Atualmente é pesquisador associado à Biblioteca Nacional Fred W. Smith para o Estudo de George Washington. É autor de Estados Unidos: uma História e Guerra do Paraguai, publicados pela Editora Contexto.