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Humor gráfico na alfabetização visual | Betania Dantas

Abrimos os jornais, impressos ou digitais, e logo na segunda página encontramos as charges e os cartuns do dia. Não há como não percebê-los, mas nem sempre os compreendemos. E aqui reside um dos objetivos do livro. A charge, com sua crítica aos fatos cotidianos, e o cartum, com sua fluidez pelas fronteiras e culturas para abordar temas universais, exigem dos leitores, muitas vezes, ferramentas que não foram construídas ou ensinadas.   

Vivemos em um mundo repleto de imagens. A leitura imagética é mais veloz que a leitura textual. Como lidar com o desafio de compreendê-las e ensiná-las? Como a escola responde a tal desafio?  

O acúmulo de imagens em todos os suportes, a aceleração das réplicas e a incompreensão interpretativa impedem um olhar crítico, desviando nossa atenção para o superficial, o efêmero e o fragmentado mundo das virtualidades. Nossa preocupação ao pesquisar o humor na sua forma gráfica foi desvelar suas potencialidades educativas, convidando professores e estudantes a adentrarem nesse universo.   

Na obra, convidamos o leitor a percorrer o conceito de alfabetização visual, entendido como um conjunto de habilidades necessárias para compreender o universo das imagens, seus múltiplos sentidos e formas. Frente a tal amplitude, selecionamos as charges e os cartuns como opções centrais em nosso processo de construção e experimentação.  

Imaginem que aventura: alunos da escola pública, saindo da cidade de São Paulo, atravessam a ponte pênsil sobre o rio Piracicaba para se encontrarem com os bonecos do Elias, artista local, na beira do rio! História essa ocorrida durante a visita ao Salão Internacional de Humor de Piracicaba, como parte do projeto desenvolvido e relatado no livro Humor Gráfico na Alfabetização Visual

Adentramos em um mundo pouco conhecido pelo público em geral: os cartunistas. Quem são e como desenvolvem os seus processos criativos? Entrevistamos diversos cartunistas que, ao narrarem suas histórias, relatam suas dificuldades na escola com a falta de criatividade nas aulas, mas que, ainda assim, construíram suas trajetórias profissionais abraçando o traço gráfico humorístico. São muitas histórias, e o leitor com certeza irá se identificar com algumas delas!  

Como nascem os personagens e os enredos? Imaginação, pesquisa e muita experimentação combinam-se para produzir sempre algo novo, original e criativo. Conhecendo essas trajetórias, os educadores podem perceber a importância do processo criativo que são capazes de desencadear ou potencializar junto a seus alunos. E, no decorrer da obra, apresentamos experiências que, longe de modelos prontos, possibilitam ao docente processos reflexivos na busca exploratória e criativa. Apresentamos algumas ferramentas metodológicas que indicam o processo de seleção, análise e produção de imagens em projetos educativos, explorando desenho de humor.  

O humor é simples e, ao mesmo tempo, complexo, já que se caracteriza como uma experiência humana tão variável e imprecisa. Historicamente, já está presente em sociedades antigas, na oralidade ou na escrita, ora denunciando injustiças, zombando dos poderosos ou simplesmente criando formas de resistir aos conflitos sociais, como forma de denúncia ou mobilização. Recentemente, o negacionismo conservador constituiu-se como um campo de batalha, onde os cartunistas marcaram presença com seus traços críticos e contundentes em favor da ciência e da vida.  

Humor gráfico na alfabetização visual | Betania Dantas

Associando-se às imagens, o humor ganha novos aspectos, ampliando seu alcance ao universo das artes visuais com as caricaturas e os cartuns. Mesmo que inicialmente visto como manifestação menor, logo ganhou adeptos e, já no século XVIII, ganhou força ao dialogar com diversas camadas sociais, letradas e não letradas.  

Na História da Arte, já encontramos mestres como Leonardo da Vinci, Goya ou Rembrant esboçando caricaturas de seus personagens. Atualmente a lista de desenhistas do humor, reconhecidos internacionalmente pela sua arte, é enorme. Eles podem incentivar nossos estudantes em sua experiência criadora? Com certeza! 

O professor e a escola podem romper com modelos do ensino de arte inspirados na cópia? Apresentamos algumas possibilidades, como transformar a sala de aula em atelier de arte, criar hemeroteca na biblioteca, desenvolver oficinas de criação, montar exposição de trabalhos dos alunos, organizar gibiteca, visitar museus e espaços culturais, convidar artistas locais para intervenções na escola ou na comunidade.   

Na escola, uma arte puxa a outra! Os artistas modernos perceberam o quanto uma linguagem artística se aproxima de outras. Assim, o desenho e a pintura dialogam com a música e o teatro. Nesta obra, apresentamos algumas atividades que desenvolvemos partindo desse princípio: charges que viram esquetes teatrais, poemas que ganham imagens, clássicos literários que ganham novas versões em quadrinhos…   

O desenho de humor, em suas diversas expressões gráficas, constitui material com potencial educativo e criativo para gerar práticas emancipadoras que contribuam para enfrentar a injustiça cotidiana, a violência simbólica e a desigualdade no acesso aos bens culturais, considerando sempre nossa opção pelo humor que agrega, não exclui e nem discrimina.       

Retomando a sensorialidade, enfraquecida em tempos do deslizar de dedos sobre celular, é momento de criar desenhos, manusear materiais diversos, produzir e compartilhar saberes produzindo fanzines na escola. Os professores são elementos-chave nesse processo: planejando temáticas para além da rigidez curricular.  

É preciso conhecer o indeterminado, o diferente, o efêmero, o desconhecido; as experiências educativas devem dialogar com novos desafios e, ao invés de respostas, buscar fazer as perguntas certas. 

Humor gráfico na alfabetização visual | Betania Dantas

O desenho de humor na escola pode começar como uma brincadeira. As criações podem ser no início rabiscadas, mal traçadas, desconexas. Mas aos poucos ganham força com a pesquisa e a experimentação. A imaginação criadora e a curiosidade epistemológica dos estudantes superam, individual e coletivamente, as dificuldades com o desenho e com as imagens.   

A arte, enquanto modalidade do pensamento emancipador, une estética à ética, contribuindo para a leitura da imagem e do mundo, inserindo os estudantes em uma gramática visual. Construir novos sentidos a partir de narrativas visuais críticas e inovadoras é uma potência da arte em nossas vidas.   

Boa leitura!

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